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StandWithUs Brasil / Holocausto

A história por trás do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto

No Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, fica o questionamento: quem deve lembrar e quem deve poder esquecer?

Melanie Grun* Publicado em 27/01/2024, às 00h00 - Atualizado em 30/01/2024, às 10h22

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Sobreviventes do Holocausto resgatam antigo registro - Getty Images
Sobreviventes do Holocausto resgatam antigo registro - Getty Images

27 de janeiro foi a data escolhida pela ONU para o “Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto”. A escolha se deu pelo fato de que, nessa mesma data, no ano de 1945, o exército soviético chegava a Auschwitz para libertar cerca de 8 mil pessoas que sobreviveram ao campo de extermínioque assassinou mais de um milhão de vítimas, entre elas, ciganos, negros, testemunhas de Jeová, pessoas com deficiências físicas e, em sua maioria, judeus.

A Resolução 60/7, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 2005, não definiu apenas o dia 27 de janeiro como data memorialística, mas também rejeitou qualquer negação de que o Holocausto não tivesse acontecido, encorajou os Estados a preservarem os lugares utilizados pelos nazistas - prisões e campos de trabalho forçado, concentração e extermínio - como instrumentos de preservação e memória, além de apontar para a urgência na criação de programas educacionais para o ensino da Shoá como umas das estratégias de prevenção de genocídios futuros.

Lembranças

No site do Yad Vashem, museu em memória das vítimas da Shoá, é possível assistir a vídeos em que sobreviventes do genocídio nazista respondem às mais diversas perguntas. Em um deles, três pessoas que foram prisioneiras no campo de extermínio de Auschwitz são questionadas: “É realmente possível estar livre de Auschwitz?”. Todos respondem que não.

Moshe Ha-elyon e Mordechai Chechanover disseram que, apesar de às vezes parecer ser possível se sentir livre de Auschwitz, as lembranças repentinas lhes impedem de esquecer os dias terríveis vividos no campo de extermínio. Rachel Hanan fala sobre a súbita reação agressiva que teve no dentista ao sentir um cheiro que lembrava os crematórios de Auschwitz e sobre os pesadelos que a acompanharam por muitos anos.

Enquanto se percebe na Resolução 60/7 da ONU a preocupação com a memória do Holocausto e a promoção de medidas que invistam na lembrança dessa barbárie, nos relatos dos sobreviventes é clara a impossibilidade, vivenciada por cada um deles, de esquecer.

Katharina Hardy, sobrevivente de outro campo de concentração, Bergen-Belsen, em consonância com os três sobreviventes de Auschwitz, ao falar de sua vida após a Segunda Guerra Mundial, afirmou: "A memória não te deixa um segundo.".

Se às vítimas de uma das maiores atrocidades da humanidade parece ser impossível esquecer, por que aos outros é necessário lembrá-los?, “O imperativo da memória, afinal, recai sobre as vítimas da violência ou sobre seus algozes? Quem lembra e quem esquece?” (DOUEK; PALMEIRA, 2024).

Reflexões fundamentais

A liberdade de esquecer, interditada aos sobreviventes e aos seus descendentes pelo trauma vivenciado, em contrapartida, é geralmente usufruída por quem deveria assumir a responsabilidade de lembrar.

Sapatos de vítimas do Holocausto em Auschwitz - Getty Images

Essas são reflexões fundamentais, principalmente, quando pesquisas recentes feitas na Europa, ou especificamente em países como o Brasil, EUA, Inglaterra e Alemanha demonstram o alto grau de desconhecimento e desinformação acerca do Holocausto, bem como o crescimento de diversas formas de discriminações pelo mundo, como o aumento do antissemitismo, da islamofobia, do racismo e da LGBTQIAPN+fobia.

 Nesse sentido, torna-se importante mais um questionamento: o que o dia 27 de janeiro deve simbolizar? Sem um compromisso da sociedade maior em fazer da memória do Holocausto um dever, levando o tema para as escolas, para as instituições públicas e para outros espaços, a lembrança da Shoá ficará restrita às suas vítimas e descendentes, ou seja, àqueles que deveriam poder esquecer as violências que sofreram.

Dinâmica que o processo histórico vem demonstrando ser insuficiente para evitar discursos e práticas de desumanização e extermínio do outro. Não basta, por exemplo, apenas as pessoas indígenas ou negras lembrarem da barbárie a que foram submetidas no processo de colonização europeu ou das violências que sofrem na atualidade, é imperativo que pessoas brancas se lembrem dessas atrocidades e ajam sobre situações do presente que são continuidades desse passado violento.

Sem essa responsabilização, por parte daqueles que não sofreram os traumas e que muitas vezes foram responsáveis por eles ou por reativá-los, as pesquisas continuarão apontando para um presente e um futuro no qual ainda parece distante a possibilidade de um sim coletivo à pergunta: “É realmente possível estar livre de Auschwitz?”

Leon Greenman, sobrevivente do Holocausto, mostra o registro feito em Auschwitz - Getty Images

Significado!

Shoá significa devastação ou catástrofe em hebraico e é o termo muitas vezes utilizado no lugar de Holocausto com o intuito de enfatizar o caráter singular desse genocídio. Além disso, o termo Holocausto tem origem na palavra grega sacrifício e é utilizado muitas vezes no texto bíblico como um ato passivo ou voluntário. Por esse motivo, muitos autores evitam o uso desse termo que, no entanto, ainda é o mais difundido e amplamente conhecido para se referir ao genocídio perpetrado pelos nazistas.


*Melanie Grun é mestre em Humanidades (FFLCH/USP), pesquisadora de temas relacionados à identidade no refúgio e no exílio no CEPIM (Centro de Estudos de Proteção Internacional às Minorias)/USP, membro do Grupo de Pesquisa: Direitos Humanos e Vulnerabilidades (UniSantos) e voluntária da área de Acolhimento e Proteção a Refugiados no instituto ADUS em São Paulo.

*O texto acima foi proporcionado pela StandWithUs Brasil, instituição que trabalha para lembrar e conscientizar sobre o antissemitismo e o Holocausto, de maneira a usar suas lições para gerar reflexões sobre questões atuais.


Referências

DANZIGER, Leila. Shoah ou Holocausto: a aporia dos nomes. Arquivo Maaravi: Revista digital de estudos judaicos da UFMG, v. 1, n.1, pp 50-58, 2007.

DOUEK, Daniel; PALMEIRA, Rita. E se eu me esquecer de ti?. Disponível no link. Acesso em 16/01/2024.

LUCCA, Bruno. Crimes contra LGBT+ enquadrados na lei do racismo crescem 54% em 2022. Folha de São Paulo. 20 de julho de 2023. Cotidiano. Disponível no link. Acesso em 16/01/2024.

MONTEIRO, Cris. O crescimento alarmante do antissemitismo no Brasil. Congresso em Foco. 20 de novembro de 2023. Opinião. Disponível no link. Acesso em 15/01/2024.

MÜLLER, Simone. Pertenço aos mortos no campo de concentração de Bergen-Belsen. Swissinfo.ch. 16 de dezembro de 2022. História. Disponível no link. Acesso em 14/01/2024.

ONU. Resolução 60/7 da Assembleia Geral das Nações Unidas. Disponível no link. Acesso em 16/01/2024.

Questions We Wanted to Ask - Part 7:Can One Ever Be Free of Auschwitz?. Yad Vashem. 2022. Disponível no link. Acesso em 13/01/2024.

Sem autor. FBI: crimes de ódio crescem e atingem principalmente negros e judeus. BBC News Brasil. 13 de novembro de 2018. Internacional. Disponível no link. Acesso em 15/01/2024.

Sem autor. Islamofobia na Europa. Exame. 22 de junho de 2017. Disponível no link. Acesso em 12/01/2024.