“Diretas Já” em histórico comício de 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé - Governo de São Paulo
Diretas Já

Diretas Já: O movimento que lutou pelo direito dos brasileiros

Movimento que começou em março de 1983 lutou para a aprovação do voto popular e em favor de mudanças políticas no Brasil

Fabio Previdelli Publicado em 26/03/2023, às 00h00 - Atualizado em 02/05/2023, às 13h00

Quase duas décadas após o Golpe de 1964, o Brasil viveu um de seus períodos mais importantes para a redemocratização do país: o movimento das ‘Diretas Já’, que lutava para a aprovação do voto popular para escolher o próximo presidente

Em março de 1963, o movimento começou reunindo partidos de esquerda e centro-direita em comícios populares pelo país em busca de apoio da aprovação da Emenda Dante de Oliveira. Um ano depois, em abril de 1984, o 'Diretas Já' reuniu mais de um milhão de pessoas no Vale do Anhangabaú, em São Paulo.

Faixa em prol do 'Diretas Já'/ Crédito: Memória EBAC

 

“O movimento das ‘Diretas Já’ é um marco do processo conhecido como ‘transição democrática’, que caracterizou o fim do regime civil-militar estabelecido em 1964. Certamente serviu e continua servindo de referência para manifestações públicas em favor de mudanças políticas”, aponta Thomas Wisiak, professor e coordenador de História do Curso Etapa em entrevista exclusiva a equipe do Aventuras na História. 

A abertura política

Durante o governo de Ernesto Geisel, entre 1974 e 1979, ainda durante os Anos de Chumbo, passou-se a discutir a abertura política de forma “lenta, gradual e segura”; culminando também com a extinção de dispositivos autoritários, como o Ato Institucional Nº5, o AI-5 — em outubro de 1978.

Seu sucessor, João Baptista Figueiredo (1979-1985), último presidente militar, deu continuidade ao processo. Além de acabar com o bipartidarismo, também aprovou a Lei da Anistia, que permitiu que exilados políticos voltassem ao país para concorrer nas eleições. 

Nesse contexto, em 1982 houve eleição direta para os governos estaduais e ocorreu um crescimento significativo dos partidos de oposição, com destaque para o PMDB”, explica Wisiak.  

No ano seguinte, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou uma Proposta de Emenda Constitucional por eleição presidencial direta após discussões entre partidos de oposição. 

Deputado Dante de Oliveira defende a emenda das Diretas / Crédito: Agência Senado

 

“O fim do regime civil-militar teve diversos fatores além da mobilização das forças de oposição, como as discussões políticas internas e a crise econômica, com destaque para a alta taxa de inflação e o endividamento externo”, contextualiza Thomas

Assim surgiu o movimento das ‘Diretas Já’. A partir de reuniões públicas, a Emenda Dante de Oliveira passou a receber apoio popular. Entretanto, importante ressaltar que, para sua aprovação, a emenda precisava do voto de dois terços dos congressistas.

“A partir desse momento, encontros, debates e comícios foram organizados em diversas localidades e o apoio à reforma da Constituição atraiu gradualmente os diferentes partidos de oposição, ganhando caráter suprapartidário. O movimento foi particularmente importante por ter servido de catalisador do descontentamento com o governo e a situação econômica do país”, explica o professor e coordenador. 

A Proposta de Emenda foi rejeitada na votação do Congresso, realizada em 25 de abril de 1984. Para ser encaminhada ao Senado Federal, a Emenda precisaria angariar 320 votos. Mas apenas 298 congressistas votaram em seu favor. 65 foram contra e 113 se ausentaram. 

Manifestação em frente ao Congresso/ Crédito: Agência Senado

 

“Mas serviu para reunir e projetar publicamente diversas lideranças partidárias, artistas e personalidades públicas em geral, popularizando a discussão sobre eleição presidencial direta e suas implicações”, explica o docente. 

Eleição de Tancredo

Com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, as eleições presidenciais de 1985 foram realizadas de forma indireta, colocando frente a frente Paulo Maluf (representando o governo) e Tancredo Neves (a oposição). 

Neves recebeu 480 votos contra 180 de Maluf. Sua vitória foi celebrada pelos partidos de oposição ao regime. “É importante lembrar, porém, que o partido governista (PDS) sofreu uma cisão em meio ao processo de definição da sua candidatura, levando à formação da chamada Frente Liberal, que apoiou a candidatura de Tancredo Neves e contava, entre outros, com a participação de José Sarney, que saiu candidato a vice de Tancredo Neves”, aponta Thomas

Tancredo Neves ganhou a eleição, mas jamais se tornou presidente de fato, visto que teve problemas de saúde e faleceu antes de tomar posse. Um acordo político, porém, garantiu que o resultado do pleito fosse mantido, levando o vice José Sarney ao poder; se tornando o primeiro civil a governar o país desde 1964

+ As teorias conspiratórias por trás da morte de Tancredo Neves

O governo Sarney enfrentou uma série de problemas, como a inflação e o endividamento externo, mas também se caracterizou pela atuação da Assembleia Constituinte de 1987-1988 e a promulgação da Constituição atual em 5 de outubro de 1988”, relembra Wisiak. 

Pioneirismo político 

40 anos desde o início do movimento pelas Diretas Já, o professor e coordenador de História do Curso Etapa ainda entende que a mobilização popular foi única na história de nosso país, embora outras manifestações possam ter ocorrido em até maior escala. 

Manifestação em Porto Alegre/ Crédito: Agência Senado

 

“Inúmeras manifestações públicas foram comparadas com o movimento das ‘Diretas Já’, seja pela quantidade de pessoas mobilizadas, seja pelo caráter suprapartidário. Mas o contexto em que ele ocorreu é único”, defende. 

O movimento das ‘Diretas Já’ merece ser lembrado por ter defendido um aspecto importante dos regimes democráticos: que é a eleição popular. Também faz parte da Democracia a livre manifestação, desde que respeitada a Constituição”, continua. 

Embora a principal motivação daquele movimento — que era a eleição direta para a Presidência da República — não tenha tanta influência nos debates atuais, Thomas Wisiak, professor e coordenador de História do Curso Etapa, entende que essa parte de nossa história ainda pode se encaixar em outras linhas de discussão.

“Um tema atual para a comunidade de historiadores é a disputa em torno de espaços públicos como lugares de memória e as diferentes narrativas acerca da história recente do Brasil, que estariam associadas às diversas perspectivas políticas que costumam mobilizar as pessoas”, finaliza.

Brasil Política Golpe de 64 Diretas Já Emenda Dante de Oliveira

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