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Desventuras / Nada de Novo no Front

‘Nada de Novo no Front’: Livro foi perseguido pelos nazistas e causou repulsa em Goebbels

Sucesso da Netflix, filme é baseado em livro de Erich Maria Remarque e se destacou nas indicações do Oscar

Fabio Previdelli | @fabioprevidelli_

por Fabio Previdelli | @fabioprevidelli_

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 06/11/2022, às 00h00 - Atualizado em 10/03/2023, às 16h37

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Cena de 'Nada de Novo no Front' (2022) - Divulgação/ Netflix
Cena de 'Nada de Novo no Front' (2022) - Divulgação/ Netflix

Reproduzindo a realidade da vida nas trincheiras durante a Primeira Guerra Mundial, o filme 'Nada de Novo no Front' chamou atenção quando lançado na Netflix em 2022. Agora, o filme se destacou nas indicações ao Oscar 2023 e garantiu a disputa nas categorias: Melhor filme, Melhor roteiro adaptado, Melhor trilha sonora, Melhor filme internacional, Melhor fotografia, Melhor som, Melhor maquiagem e penteados, Melhor design de produção e Melhores efeitos visuais.

‘Nada de Novo no Front’ estreou no último ano e fez sucesso na Netflix, ocupando a primeira posição no Top10 dos filmes mais assistidos na plataforma de streaming. Dirigido por Edward Berger, o longa acompanha um soldado alemão de 17 anos, Paul Bäumer, que mente sua idade junto a um amigo para poder combater na Primeira Guerra Mundial.

No entanto, a dupla não tem noção de que para alcançar a fama e glória prometida pela propaganda militar, se é que isso é possível, terão que agirem diferente de inúmeros soldados que já morreram brutalmente. 

O que poucos sabem, porém, é que o romance antiguerra é baseado no livro homônimo de Erich Maria Remarque, publicado em 1929. A obra já foi adaptada em outras duas produções. Uma delas, aliás, vencendo o Oscar de Melhor Filme e dando o prêmio de Melhor Direção para Lewis Milestone, em 1930. 

Agora, ‘Nada de Novo no Fronte’ é adaptado pela primeira vez por um diretor alemão, que conhece todas as mazelas e vergonhas que seu país enfrentou ao longo das duas guerras globais. O filme concorrerá na categoria Melhor Longa-Metragem Internacional do Oscar 2023. Mas apesar de seu sucesso, a história da obra original possui detalhes trágicos. 

Alvo dos nazistas

Mais de uma década após o fim da Primeira Guerra Mundial, em 5 de dezembro de 1930, o Mozart Hall, em Berlim, se preparava para a estreia de ‘Nada de Novo no Front’, um dos filmes mais esperados de Hollywood. 

Porém, durante a exibição, cerca de 150 membros das Sturmabteilungen, também conhecidos como camisas-pardas, uma milícia paramilitar alemã, fizeram um ataque ao teatro, jogando bombas de fedor da sacada, e também de efeito moral, além de soltarem diversos ratos-brancos pelas fileiras de assentos. 

O livro de Remarque havia sido publicado dois anos antes e logo se tornou um sucesso de vendas. As 20 mil cópias da tiragem inicial se esgotaram logo no primeiro dia de vendas, recorda matéria do The Smithsonian Magazine. 

O autor Erich Maria Remarque/ Crédito: Arquivo Nacional Holandês

Em um período de quase um ano, mais de um milhão de cópias foram vendidas na Alemanha; outras 600 mil foram comercializadas na Grã-Bretanha e França; e mais 200 mil nos Estados Unidos. 

Com o sucesso arrebatador, os direitos da obra foram adquiridos pela Universal Pictures pelo valor recorde de 40 mil dólares. ‘Nada de Novo no Front’ passou a ser visto como uma obra antiguerra fundamental num período em que 37 milhões de pessoas morreram entre 1914 e 1918. 

Porém, foi essa mesma visão que fez com que Joseph Goebbels, futuro Ministro da Propaganda Nazista, considerasse a obra como uma ameaça à ideologia que seria propagada por Hitler

Ainda em 1930, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães conquistou 6,4 milhões de votos, totalizando 18% do número geral. Assim, o partido de Adolf Hitler passou a ocupar 107 assentos no Reichstag — tornando-os o segundo maior partido da Alemanha. 

Mas ‘Nada de Novo no Front’ não promoveria uma propaganda pró-alemã, mas sim um olhar honesto e pessimista do conflito. O que o tornou um alvo certo. Nem o fato de Remarque ter sido indicado ao Prêmio Nobel da Paz, em 1931, impediu que os nazistas sentissem repulsa por seu trabalho retratar os alemães como desanimados e desiludidos. Hitler se recusava a crer nisso, afinal, seus combatentes teriam que ser o oposto, a mais forte demonstração de poder e nacionalismo. 

“Um dos grandes legados da Primeira Guerra Mundial é que assim que o armistício é assinado, o inimigo é a própria guerra, não os alemães, russos ou franceses. O livro captura isso e se torna a declaração antiguerra definitiva da Grande Guerra”, aponta Thomas Doherty, professor de Estudos Americanos e autor de ‘Hollywood and Hitler: 1933-1939’.

A estreia e a repulsa de Goebbels

É bem verdade que a estreia do longa, em 4 de dezembro, foi um tanto quanto discreta. Conforme relatado pela Variety, “quando as luzes se acenderam, o público estava muito abalado ou emocionado para desaprovar ou aplaudir”.

Mas Goebbels sabia que as coisas seriam diferentes no dia seguinte. Além de seu ataque com bombas e ratos, os projetores do teatro foram desligados e, no meio do caos, os camisas-parda aproveitaram para espancar selvagemente os espectadores que acreditavam ser judeus. 

Joseph Goebbels em imagem rara/ Crédito: Wikimedia Commons

A repulsa de Joseph pelo filme se explica. Conforme recorda a The Smithsonian Magazine, Goebbels não estava apto para lutar a Primeira Guerra por conta de um problema em seu pé, que era torto. Sua rejeição física o consumia e parte da raiva era expelida sob ‘Nada de Novo no Front’. Uma vingança política, mas também um tanto quanto pessoal. 

Dentro de dez minutos, o cinema era um hospício”, vangloriou-se em seu diário. “A polícia é impotente. As massas amarguradas são violentamente contra os judeus”.

Os ataques seguiriam pelos próximos dias. Em uma exibição em Viena, no Teatro Apollo, cerca de 1.500 policiais formaram uma barreira para impedir que nazistas atrapalhassem o filme. 

O vandalismo e a violência já eram um retrato comum nas ruas, embora, em uma sessão em 9 de dezembro, em West End, em Berlim, o The New York Times descreveu a exibição como “um tumulto bastante educado, do tipo que se pode levar a melhor garota para ver”.

Mas tudo era parte de um chamado nazista renegando sua própria história, reescrevendo seu próprio passado e forjando um futuro utópico e brutal. No final de semana seguinte, o Supremo Conselho de Censura da Alemanha conseguiu banir ‘Nada de Novo no Front’ dos cinemas.

O fundador da Universal, Carl Laemmle, um judeu emigrante da Alemanha, ficou chocado com a controversa recepção do filme, e chegou a enviar um telegrama para jornais locais afirmando que o filme não era anti-alemão, mas sim uma retratação da guerra universal. Remarque, porém, se calou, o que lhe causou um arrependimento eterno. 

Coagido, perseguido e desiludido

Em sua biografia ‘The Last Romantic’, o autor Hilton Tims afirma que Remarque chegou a ser visitado por um emissário nazista antes da estreia do filme. O oficial havia lhe pedido que confirmasse que os editores haviam vendido os direitos do filme sem seu consentimento. Com a narrativa que teria sido enganado por judeus, Goebbels usaria isso como propaganda. Mas ele negou. 

Em 10 de maio de 1933, quatro meses depois dos nazistas chegarem ao poder, livrarias e bibliotecas foram invadidas e mais de 150 autores tiveram suas obras incineradas em uma enorme fogueira. 

Queima de livros em praça pública / Crédito: Wikimedia Commons

Remarque, que não era judeu nem comunista, estava em Berlim no dia da posse de Hitler e fora avisado que os nazistas estavam em sua procura. Sem pestanejar, fugiu. Até o fim daquele ano, os nazistas considerariam crime a posse de ‘Nada de Novo no Front’ e todas suas cópias foram entregues à Gestapo. 

Remarque partiu rumo à América em 1939, onde se reencontraria com uma de suas muitas amantes, uma atriz que conhecera no sul da França, Marlene Dietrich, relata o The Smithsonian Magazine. Mesmo em seu segundo casamento, o escritor tivera inúmeros outros casos. 

Com o avanço da Guerra, Remarque também teve que lidar com tragédias familiares. Seu cunhado, por exemplo, foi feito de prisioneiro de guerra; sua segunda esposa se suicidou; mas o que aconteceu com sua irmã mais nova lhe assombrou pelo resto da vida. 

Em setembro de 1943, Elfriede, uma costureira fashionista, moradora Dresden, foi entregue por sua senhoria e presa pela Gestapo por “subversão da força militar”. Condenada à morte, em 12 de dezembro, foi decapitada na guilhotina. Embora os registros de seu julgamento foram destruídos em um ataque aéreo, Hilton Tims aponta que o motivo de sua morte era bem claro, conforme havia declarado um juiz: 

Nós a condenamos à morte porque não podemos prender seu irmão. Você deve sofrer por seu irmão”. 

Erich Maria Remarque dedicaria seu romance de 1952, intitulado ‘Spark of Life’, a Elfriede, mas em um corte final de edição, isso foi omitido na versão alemão. Um desprezo atribuído àqueles que ainda o viam como um traidor.