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Notícias / Ditadura Militar brasileira

Áudios inéditos expõem tortura na ditadura militar brasileira

Sessões gravadas pelo Superior Tribunal Militar, entre 1975 e 1985, mostra visão dos militares em acusação de crimes hediondos contra agentes da ditadura

Fabio Previdelli Publicado em 18/04/2022, às 11h53 - Atualizado às 12h10

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Manifestação contra a ditadura no Rio de Janeiro, em 1968 - Memorial da Democracia
Manifestação contra a ditadura no Rio de Janeiro, em 1968 - Memorial da Democracia

“Os senhores ministros não acreditam na tortura. É pena que não possam acompanhar os processos como um advogado da minha categoria acompanha, para ver como essa tortura se realiza permanentemente”, disse o advogado Sobral Pinto em 20 de junho de 1977 durante sessão do Superior Tribunal Militar (STM)

O registro, feito na época que o Brasil ainda vivia os anos de chumbo da ditadura militar, foi divulgado pela jornalista Miriam Leitão em sua coluna do último domingo, 17, no jornal O Globo

Durante uma década, entre 1975 e 1985, o STM passou a gravar suas sessões, incluindo as consideradas secretas. Quase 20 anos depois, em 2006, o advogado Fernando Augusto Fernandes entrou com um pedido para que esses documentos fossem liberados — sem sucesso. 

Uma decisão favorável só foi imposta em 2011 pela ministra Cármen Lúcia, que obteve a aprovação do Plenário. As gravações foram digitalizadas em 2015 e Fernandes analisou cerca de 54 destas sessões.

Em 2017, o historiador Carlos Fico, titular de História do Brasil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), obteve uma cópia delas e passou a analisá-las. Divulgando parte do material inédito na coluna de Leitão

'Castigos'

Um dos trechos que mais impressiona diz respeito a uma fala do general Rodrigo Octávio Jordão Ramos, datada de 24 de junho de 1977, onde o militar fala sobre as acusações de tortura contra Nádia Lúcia do Nascimento

Fato mais grave suscita exame, quando alguns réus trazem aos autos acusações referentes a tortura e sevícias das mais requintadas, inclusive provocando que uma das acusadas, Nádia Lúcia do Nascimento, abortasse após sofrer castigos físicos no Codi-DOI”, diz. 

Em seguida, Ramos lê a acusação feita por Nádia: “Deseja ainda esclarecer que estava grávida de três meses, ao ser presa, tinha receio de perder o filho, o que veio a acontecer no dia 7 de abril de 1974”.

O assunto ainda repercute no mesmo dia. “Lícia Lúcia Duarte da Silveira desejava acrescentar que quando esteve presa na Oban [Operação Bandeirantes] foi torturada, apesar de grávida, física e psicologicamente, tendo que presenciar as torturas infligidas a seu marido”, continua Rodrigo Octávio

Em outras gravações, as denúncias continuam, no entanto, muitos militares duvidam das acusações que são feitas, enquanto outros reagem com repulsa quando o Dops é citado, como é o caso do dia 9 de junho de 1978, com o general Augusto Fragoso

“Quando os primeiros advogados começaram a falar no DOI-Codi, DOI-Codi, DOI-Codi, eu, como único representante do Exército, na hora aqui presente, experimentei um grande constrangimento em ver essas organizações tão acusadas”, completando que, embora tenha visto várias crises militares “em 30, 32 e 35”, “nunca vi, nunca ouvi, acusações desse jaez”.

A crença na tortura

No dia 13 de outubro de 1976, o juiz Waldemar Torres da Costa explicou o motivo que o fez acreditar nas alegações de tortura. "Quando as torturas são alegadas e, às vezes, impossíveis de ser provadas, mas atribuídas a autoridades policiais, eu confesso que começo a acreditar nessas torturas porque já há precedente".

"Eu não me recuso a me convencer dessas torturas, mas exijo que essa torturas tragam uma prova e não fiquem apenas no terreno da alegação. Reconheço, senhores ministros, que também é difícil o indivíduo provar as torturas pela maneira como é feita", prossegue. 

Por fim, no dia 19 de outubro de 1976, o almirante Julio de Sá Bierrenbach aponta que as denúncias são prejudiciais contra a imagem brasileira no exterior. “São um verdadeiro prato para os inimigos do regime”.

Embora faça uma homenagem à Oban, Bierrenbach acaba reconhecendo a gravidade da questão: "O que não podemos admitir é que o homem, depois de preso, tenha a sua integridade física atingida por indivíduos covardes, na maioria das vezes, de pior caráter que o encarcerado".

Senhores ministros, já é tempo de acabarmos de uma vez por todas com os métodos adotados por certos setores policiais de fabricarem indiciados, extraindo-lhes depoimentos perversamente pelos meios mais torpes, fazendo com que eles declarem delitos que nunca cometeram, obrigando-os a assinar declarações que nunca prestaram”, conclui.

As vítimas da Ditadura

Na madrugada do dia 31 de maio de 1964, os militares assumiram o poder após um Golpe que depôs o então presidente João Goulart. O Brasil viveu sob um regime militar durante 21 anos, até 1985. 

Durante as mais de duas décadas, centenas de pessoas foram perseguidas, presas e torturadas — sendo que muitas delas permanecem desaparecidas até hoje. O período também foi marcado pela censura à imprensa e aos artistas, e ao fechamento do Congresso. 

Durante o governo de Dilma Rousseff, em 2011, foi estabelecida a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou os crimes cometidos por militares durante a ditadura. No relatório final da CNV, publicado em dezembro de 2014, 377 pessoas foram responsabilizadas por crimes cometidos durante o período, como tortura e assassinatos. Além do mais, foi estabelecido o número de 434 vítimas entre mortos e desaparecidos.