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Notícias / Ucrânia

Jornalista ucraniano afirma ter sido torturado durante 9 dias por soldados russos

Os relatos apontam coronhadas, golpes com barra de ferro e até eletrochoques no corpo do correspondente

Wallacy Ferrari Publicado em 23/03/2022, às 10h33

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Imagem ilustrativa de protesto contra tortura - Getty Images
Imagem ilustrativa de protesto contra tortura - Getty Images

Um repórter ucraniano a serviço de uma emissora de rádio francesa denunciou torturas após ser preso por soldados russos durante 9 dias, como notificou a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF), que investiga o caso. No relato do homem, que não teve a identidade revelada, ele foi sequestrado durante uma cobertura em 5 de março, dentro do território a Ucrânia.

Trabalhando como 'fixer', uma espécie de produtor nativo, comum em países onde há poucos ou apenas um correspondente que fale a língua local, que serve para conectar informantes ou entrevistados ao veículo internacional. Ao ser libertado, uma equipe de colegas o conduziu para exames médicos, confirmando as lesões nas pernas de choques elétricos e golpes.

O homem possui 32 anos e não é formado em jornalismo, mas sua atuação como advogado o levou para a profissão de intérprete legal e tradutor para a mídia estrangeira há 9 anos, como informa o portal de notícias MediaTalks. Agora, ele é mantido em segurança pela RSF em uma cidade ucraniana não revelada.

Ele ainda detalhou que, no momento da detenção, foi levado com outros três ucranianos, incluindo um antigo funcionário público do país invadido. As repetidas torturas ocorreram em um porão gelado, onde foi mantido refém e ficou sem receber comida por dois dias inteiros.

Confira abaixo o relato da ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF):

"No dia 5 de março, Nikita [como foi identificado para preservar sua identidade] acompanhou uma equipe da Radio France em uma viagem no centro do país, não muito longe da aldeia onde sua família se refugiou.

No hotel onde ficaram, soube que o caminho para a aldeia de sua família estava aberto. Como os bombardeios eram intensos na região, o jornalista decidiu fazer uma viagem rápida para ver se a família ainda estava lá e evacuá-los. Ele pegou emprestado o carro da emissora.

Nikita foi emboscado por uma unidade de reconhecimento russa à beira de uma estrada enquanto dirigia o veículo identificado com adesivos de “Imprensa” na frente do carro. Ele relata que foi o carro foi alvejado com algo entre 30 e 40 tiros disparados por armas automáticas.

Deitado de lado, ele acelerou com o objetivo de fugir, mas bateu em uma árvore. Salvo pelo airbag, Nikita gritou que era civil, mostrou as mãos para provar que estava desarmado e saiu do carro.

Os soldados – ele contou seis deles, cada um com uma faixa branca presa em uma perna – o agarraram, jogaram-no no chão, revistaram-no e espancaram-no.

Os soldados colocaram um boné sobre os olhos do jornalista e o levaram para uma casa a poucos minutos a pé. Ao revistarem seu celular, os soldados russos encontraram informações relacionadas ao seu trabalho freelance – a busca por coletes à prova de balas e rotas seguras – que os deixaram desconfiados.

Os soldados da Rússia o levaram para fora da casa, o jogaram contra uma parede externa e ameaçar cortar seu rosto com uma faca.

Nikita reagiu à tortura explicando que era um fixer e intérprete para jornalistas estrangeiros cobrindo a guerra na Ucrânia, mas mesmo assim foi atingido repetidamente com coronhadas de fuzil automático no rosto e no corpo.

Ele disse ter sentido pedaços de dentes na boca e tossiu sangue. Os soldados o jogaram em uma vala, ao lado de um cachorro morto, e o submeteram a uma execução simulada: um soldado fingiu que queria verificar se sua arma funcionava e disparou um tiro que atingiu de raspão a cabeça de Nikita.

Os soldados então o levaram para um acampamento na floresta, a cerca de dez minutos a pé. Com o boné puxado sobre os olhos novamente, Nikita não podia ver, mas pelo que ouviu, o acampamento parecia consistir em mais de 100 soldados, veículos blindados e artilharia.

O jornalista foi amarrado a uma árvore, teve a aliança de casamento e os sapatos roubados. Naquela tarde, os soldados bateram novamente em Nikita com coronhas de fuzil e barras de aço nas pernas. Ele perdeu a consciência várias vezes e disse que os soldados pareciam estar fazendo isso por diversão.

Nikita passou quase três dias na floresta, amarrado com as mãos atrás das costas às árvores. Em 6 de março, ele foi interrogado por um soldado que entendeu ser um coronel.

Eles pararam de espancá-lo e outros civis foram amarrados ao lado dele. Um deles, que mais tarde foi libertado ao mesmo tempo que Nikita, foi contatado pela RSF e ajudou a corroborar seu relato.

Nikita, este outro prisioneiro e um terceiro foram levados em um carro blindado em 8 de março para um local a cerca de 40 minutos de distância.

Na chegada, os soldados o puxaram para fora do veículo, o jogaram no chão, um soldado sentou em suas costas e fizeram as mesmas perguntas que na floresta. Os soldados pensaram que ele era um espião que estava usando seu trabalho como disfarce.

O jornalista contou que em determinado momento, recebeu choques elétricos nas pernas. Com o rosto pressionado contra o chão, ele não conseguiu ver qual instrumento era usado, mas contou três ou quatro choques, cada um com duração de cinco a dez segundos.

A dor era tanta que cada segundo parecia uma eternidade, ele relatou. Os outros dois civis também foram torturados.

Os soldados forçaram o jornalista da Ucrânia a escrever e assinar uma carta na qual declarava apoio ao exército russo e à invasão do país. Ele e os outros dois civis foram então levados – amarrados e com os olhos vendados – para o porão de uma casa cujo piso estava cheio de água.

Eles foram deixados lá por dois dias até que, depois de implorar aos guardas que os levassem para um lugar menos frio, eles foram finalmente transferidos.

Em 10 de março, eles foram levados para o porão de outra casa, onde se juntou a eles outro prisioneiro, um ex-funcionário público ucraniano.

Em 12 de março, os prisioneiros foram informados de que seriam libertados no dia seguinte. Nikita foi solto em uma floresta depois de uma hora de carro.

Ele disse ter pensado que iriam executá-lo e fugiu. Mas não ouviu tiros e chegou a uma estrada. Depois de ser parado por outros soldados russos na estrada, ele temeu ser sequestrado novamente.

Mas o fixer conseguiu entrar em um carro de civis ucranianos. “Se você não o levar”, disse um soldado aos civis relutantes, “vamos atirar nele”.

Nikita ainda tem hematomas por todo o corpo, perna inchada e dificuldade para mover as mãos por causa dos choques elétricos. O médico que o examinou encontrou hematomas na cabeça e no corpo, inchaço na perna direita e dormência nos membros que poderia ser resultado de choques elétricos.

Observando que os ferimentos de Nikita foram infligidos pelo exército russo, o médico chegou a concluir que ele havia sofrido “trauma criminal”. Nikita agora está se recuperando. Sua família conseguiu escapar.”