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Matérias / Guerra do Iraque

20 anos da Guerra do Iraque: Os homens que se apaixonaram em meio ao conflito

O soldado iraquiano Btoo Allami e o intérprete do Exército norte-americano Nayyef Hrebid se apaixonaram em 2003, mas só conseguiram ficar juntos anos depois

Eduardo Lima, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 19/03/2023, às 10h00

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Allami (esq.) e Hrebid (dir.) juntos durante a Guerra do Iraque - Divulgação/World of Wonder Productions
Allami (esq.) e Hrebid (dir.) juntos durante a Guerra do Iraque - Divulgação/World of Wonder Productions

Nayyef Hrebid era formado em artes plásticas, mas não estava conseguindo encontrar um emprego no Iraque. O ano era 2003, e esse país do Oriente Médio tinha acabado de ser invadido pelos Estados Unidos para tentar derrubar Saddam Hussein, que era o governante do Iraque na época. Então, Hrebid teve uma ideia para um trabalho: ele seria intérprete do Exército norte-americano.

No começo, sua carreira militar foi difícil, já que ele foi enviado para Ramadi, um dos lugares que mais sofreu com a violência no início da Guerra do Iraque, que aconteceu no contexto da Guerra ao Terror promovida pelos Estados Unidos depois dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Porém, um encontro especial mudaria a experiência de guerra e a vida de Hrebid.

Um dia, estava sentado do lado de fora e vi um rapaz sair do bloco dos chuveiros. O cabelo dele era muito negro e brilhante, e ele estava sorrindo. Pensei: 'meu Deus, esse cara é muito lindo'."
Nayyef Hrebid conheceu Btoo Allami, um soldado iraquiano. Nas palavras do artista que virou intérprete, ele sentiu que "algo bonito tinha acontecido em um lugar tão ruim".

Romance escondido

No Iraque, a homossexualidade é um grande tabu. Segundo Hrebid, que já sabia que era gay, mas mantinha sua identidade sexual em segredo, um romance entre pessoas do mesmo sexo em seu país poderia significar ser morto. Por isso, ele tinha de ser "muito cuidadoso".

Ele não sabia, mas o soldado de quem havia gostado, Allami, também havia se sentido atraído por ele quando os dois viajaram no mesmo veículo, mas Hrebid não se lembrava disso porque tinha dormido no veículo, sem saber que estava sendo admirado.

Eu tinha a estranha sensação de que procurara por ele há muito tempo. O meu sentimento crescia com o tempo e eu sabia que queria falar com ele", disse Allami sobre sua primeira impressão de Hrebid.

Quando foram enviados em uma missão juntos, os dois finalmente puderam se conhecer. Btoo e Nayyef começaram a comer juntos e conversar todas as noites. Três dias depois do primeiro jantar, eles conseguiram arranjar uma desculpa para sair por um tempo do alojamento e conversar a sós. O primeiro encontro do futuro casal foi em um estacionamento cheio de enormes veículos utilitários do Exército dos EUA.

Foto do casal de Btoo Allami (esquerda) e Nayyef Hrebid (direita) - Divulgação/World of Wonder Productions

Então falei do que eu sentia, disse que estava apaixonado por ele. Ele me beijou e saiu. Foi uma noite maravilhosa. Fiquei dois dias sem comer depois daquilo", contou Allami.
Assim, o relacionamento dos dois foi crescendo. Em todas as missões, Hrebid dava um jeito de passar mais tempo com Allami, mesmo que devesse estar com os soldados norte-americanos. 

Preconceito

O capitão norte-americano de Hrebid ajudou o casal, trazendo Allami algumas noites para o acampamento dos Estados Unidos. Alguns dos soldados pararam de falar com Nayyef depois que descobriram que ele era gay. Um dos intérpretes dos militares até foi mais longe, batendo no seu colega com um pedaço de pau e quebrando o braço de Hrebid.

Segundo a BBC, em 2007, o casal foi transferido junto para Diwaniyah, no sul do Iraque, mas ainda precisavam manter o relacionamento em segredo. Eles continuaram juntos até 2009, quando Hrebid pediu asilo aos Estados Unidos, já que sua situação no Iraque era uma de muito perigo, visto que ele havia prestado serviços para o exército inimigo durante 6 anos.

O intérprete imaginou que, uma vez que ele fosse, seria tranquilo convidar seu parceiro para também se mudar depois. Eles sabiam que não havia futuro possível para ambos como um casal homossexual no Iraque, e sonhavam com a possibilidade de viverem uma vida normal, juntos.

O casal de Allami (esquerda) e Hrebid (direita) no Iraque - Divulgação/World of Wonder Productions

Hrebid foi morar em Seattle, nos Estados Unidos, mas todos os pedidos de visto de Allami fracassavam. Enquanto ele tentava se mudar para o outro lado do mundo, sua família descobriu sua homossexualidade, e ele sofreu pressão para entrar num casamento de fachada com uma mulher. Btoo conseguiu fugir para o Líbano, deixando para trás sua família e um contrato de 25 anos com o exército do Iraque.

Reencontro

Do Líbano, Allami tentou apelar para o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) para ir até os EUA, mas seu visto de turista acabou expirando antes que sua situação como refugiado fosse resolvida.

O casal conversava por Skype todos os dias, o que dava forças para Btoo Allami prosseguir no seu cotidiano complicado em Beirute, capital do Líbano, onde ele estava como um imigrante ilegal.

Enquanto a Acnur não resolvia o problema de Allami, ele foi chamado para uma entrevista na embaixada libanesa do Canadá. Então, com a ajuda dos diplomatas canadenses no Líbano, ele conseguiu ir para Vancouver em setembro de 2013, onde estava a 225 quilômetros de distância de seu amor.

Eles se casaram em 2014,Hrebid aplicou para um visto estadunidense para seu marido. Em fevereiro de 2015, o sonho finalmente deu certo: Allami foi aprovado como imigrante, e o casal finalmente poderia morar junto, doze anos após se conhecerem. A história do casal virou um documentário chamado "Out of Iraq", lançado em 2016. 

Ser gay não é um crime no Iraque, mas os direitos de pessoas LGBTQ+ não são reconhecidos pelo governo iraquiano. O casamento e a união civil entre pessoas do mesmo sexo são ilegais, e uma investigação de 2012 da BBC mostrou que órgãos e instituições ligados à polícia do país perseguiam homossexuais sistematicamente.