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Matérias / Personalidades

A Pedra: Conheça o intenso relato de Che Guevara após a morte de sua mãe

O guerrilheiro estava no Congo quando soube que sua mãe estava doente. A notícia resultou num comovente relato filosófico

André Nogueira Publicado em 06/06/2019, às 08h00

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Reprodução
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São conhecidos muitos relatos escritos por Che Guevara durante sua trajetória internacional como guerrilheiro. Poemas, reflexões, relatos e planejamentos, explicam as explanações que o argentino fazia em seus cadernos.

Um desses relatos, provavelmente o mais comovente e tocante entre os conhecidos, revela os eufóricos pensamentos de Guevara após descobrir que sua mãe estava doente e no leito da morte. O texto, de caráter filosófico e reflexivo, ganhou o nome de A Pedra.

Naquele dia, o companheiro de Che, Osmany Cienfuegos, informou que a notícia chegara no Congo, “a notícia mais triste da guerra”: um telefonema para avisar sobre a situação da mãe ao jovem Ernesto.

Che e sua mãe, Célia de la Sierna / Crédito: Reprodução

A reação de Guevara foi confusa e dolorosa. “Como se deve dizer estas coisas a um homem forte, a um responsável, e o agradeci. Não me mentiu preocupação ou dor e tratei de não demonstrar nem um ou o outro. Foi tão simples!”.

“Me perguntei se se podia chorar um pouco. Não, não devia ser, porque o chefe é impessoal; não é que lhe seja negado o direito a sentir, simplesmente, não se deve mostrar o que é dele; o de seus soldados, talvez.”

A dor de Guevara era clara, tanto quanto sua tentativa de escondê-la em nome da figura de rigidez. “Já havia ido embora o mensageiro da morte e não tinha confirmação. Esperar era tudo o que cabia. Com a notícia oficial decidiria se tinha direito ou não de demonstrar minha tristeza. Inclinava-me a acreditar que não.”

Entre a metáfora e o relato, Guevara explanava sobre o momento em que vivia, após a descoberta, enquanto refletia sobre as próprias condições, em um exercício de compreensão de suas próprias sensações. Falava, ao mesmo tempo, do cenário da guerrilha e de seu âmago ferido pela eminencia da perda de sua mãe.

Celia Guevara, mãe de Che. Juan Martín Guevara (irmão). Ernesto Guevara. Roberto Guevara (irmão). Julio César Castro, jornalista e Carlos Figueroa / Crédito: Reprodução

“Tinha vontade de fumar e peguei o cachimbo. Estava, como sempre, no meu bolso. Eu não os perdia mais, como os soldados. É que era muito importante para mim. Nos caminhos do fumo se pode remontar qualquer distância, diria que se podem criar os próprios planos e sonhar com a vitória sem que pareça um sonho;”

A sua reflexão sobre caminhos, políticos e familiares, que traçou em sua inconstante vida entre nações também foi marcante. “Imaginei meu filho grande e ela firme, dizendo-lhe, em tom de reprovação: teu pai não fez tal coisa, ou outra. Senti dentro de mim, filho de meu pai, uma rebeldia tremenda. [...] Agradeço ao meu pai pelo seu carinho doce e dedicação sem limites. E a minha mãe? A pobre velha. Oficialmente não tinha direito, todavia, devia esperar a confirmação.” Guevara estava claramente afetado e amargurado com a situação.

“Que sei eu? De verdade, não sei. Somente tenho uma necessidade física de que apareça minha mãe e eu recline minha cabeça em seu colo magro e ela me diga: “meu velho”, com uma ternura seca e plena como se a ternura lhe saísse dos olhos e da voz, porque os condutores quebrados não fazem chegar às extremidades.”

Guevara, inclusive, relatou certos diálogos que teve com Cienfuegos em sua tentativa de acobertar a dor:

“-Não perdeu nada?

- Nada – disse, associando a outra de meu sonho.

- Pense bem.

Apalpei meus bolsos, tudo em ordem.

- Nada.

- E esta pedrazinha? Eu a vi no chaveiro.

- Ah, caralho!”

A pedra era uma referência pessoal a lembranças de sua família, relíquia particular de seu núcleo argentino: “Somente duas pequenas lembranças levei à luta; o lenço de minha mulher e o chaveiro com a pedra, de minha mãe, muito barato, ordinário; a pedra se despregou e a guardei no bolso. Era clemente ou vingativo, ou somente impessoal como um chefe, o córrego? Não se chora porque não se deve ou porque não se pode? Não há direito a esquecer, ainda que na guerra?”.