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Matérias / Golpe de 64

Renúncia de Jânio e discursos inflamados: Como começou o Golpe de 1964

Resultado de uma crise que começou com a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961, Golpe Militar de 1964 completa 60 anos; entenda!

Marcus Lopes Publicado em 31/03/2024, às 08h00 - Atualizado às 10h37

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Tanque e dois jipes do Exército Brasileiro na Esplanada dos Ministérios em 1964 - Arquivo Público do Distrito Federal
Tanque e dois jipes do Exército Brasileiro na Esplanada dos Ministérios em 1964 - Arquivo Público do Distrito Federal

O golpe de 1964 foi resultado de uma crise que começou com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em agosto de 1961, dando início a um período de grande instabilidade política no país.

Com a renúncia de Jânio, assumiu o vice-presidente João Goulart, que era olhado com muita desconfiança pela elite econômica, parte da sociedade civil, o alto clero da Igreja Católica, grande imprensa e setores militares, que o consideravam comunista. Havia ainda a oposição de governadores de estados importantes, como Carlos Lacerda (Guanabara), Magalhães Pinto (Minas Gerais) e Adhemar de Barros (São Paulo).

+ JFK e o Golpe de 64: O papel do presidente no período sombrio do Brasil

O principal motivo para a oposição eram as chamadas Reformas de Base do governo, que propunham medidas como a reforma agrária de terras improdutivas, reformas urbanas, direito de voto aos analfabetos e reformas educacionais.

O ex-presidente João Goulart - Agência Brasil

No começo de 1964, o clima azedou de vez e a temperatura política explodiu após grandes eventos que serviram para alimentar a conspiração contra o governo. O principal deles ocorreu no dia 13 de março, no Rio de Janeiro, e reuniu mais de cem mil pessoas em frente à Central do Brasil.

O grande comício, que a princípio seria realizado na Cinelândia, foi recheado de discursos inflamados de Jango e outros políticos aliados em defesa dos trabalhadores e das classes populares. Na plateia, agitavam-se bandeiras em defesa dos partidos comunistas, das reformas e das centrais de trabalhadores.

O ponto alto do comício foi a assinatura de dois decretos presidenciais, um que dava o pontapé inicial no processo de reforma agrária em latifúndios considerados improdutivos e outro que tornava passível a desapropriação de refinarias de petróleo privadas.

No seu discurso, o presidente também anunciou a intenção de encaminhar ao Congresso Nacional o projeto da reforma urbana, o que provocava verdadeiro pavor na classe média, que temia perder os seus imóveis alugados para inquilinos.

Havia uma preocupação grande dos militares e dos setores conservadores de que o Brasil pudesse, eventualmente, tornar-se um país comunista. Nunca se chegou perto disso. Havia o apoio das esquerdas a João Goulart, mas passava longe de ser um governo comunista ou que quisesse dar um golpe", explica o jornalista e historiador Oscar Pilagallo.

Marcha contra Jango

A reação da oposição civil ao comício da Central veio em 19 de março, com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, organizada por associações de senhoras católicas ligadas à Igreja conservadora. Cerca de 500 mil pessoas desfilaram pelas ruas de São Paulo, em uma clara demonstração de insatisfação com as propostas reformistas.

Marcha da Família no Rio de Janeiro - CPDOC/FGV

O golpe apenas deu certo, explicam os estudiosos, porque os rebeldes fardados contaram com o apoio de setores econômicos e políticos que deram sustentação aos movimentos que resultariam na ditadura.

Os militares nunca agiram sozinhos. Houve uma articulação com setores antidemocráticos na sociedade civil. Por isso, a terminologia correta para o que ocorreu em 1964 é golpe civil-militar", explica o cientista político Paulo Ribeiro da Cunha, professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Havia também a questão econômica. As instabilidades políticas também derivam das crises econômicas e vice-versa. "Em 1964, o país vivia um período de grande instabilidade econômica, com crescimento limitado e aceleração da inflação, o que culminou na implantação do regime militar", explica o professor da USP Antonio Lanzana.

Para o economista Carlos Honorato, professor da FIA Business School, entre 1961 e 1963 o Brasil enfrentava uma espécie de ressaca do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), uma fase de muito otimismo e euforia, com a inauguração de Brasília, o desenvolvimento da indústria no Brasil, o plano de metas de JK e um sentimento de que o Brasil finalmente encontraria o rumo do desenvolvimento.

"Essa ressaca começou com a renúncia de Jânio Quadros à presidência da República e jogou o país em um turbilhão de emoções que chegaria à deposição de Jango", diz Honorato, destacando que, na mesma época, o Brasil começava a sentir os efeitos da sua doença mais incômoda: a inflação.

Se a economia ajudou a empurrar o país para a ditadura, o contexto econômico também ajudou a sair dela. "Desde o fim do 'milagre econômico' – crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) no período ditatorial em taxas anuais superiores a dois dígitos –, o país vinha amargando recessão e aumento da inflação, o que exigiu dos militares a criação de mecanismo para um lento retorno à esfera democrática", explica o historiador Rafael Maranhão, professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília.

Militares na política

A ascensão dos militares ao poder poderia ter ocorrido bem antes de 1964. Dez anos antes, o ex-presidente Getúlio Vargas já enfrentava uma situação semelhante à de João Goulart: inquietação nas Forças Armadas aliada a uma forte insatisfação das elites econômicas e políticas, estas últimas capitaneadas pelo líder da oposição, Calos Lacerda.

Os discursos incendiários de Lacerda e os editoriais publicados em seu jornal, a Tribuna da Imprensa, contribuíam para alimentar os conspiradores durante a era Vargas e nos anos seguintes.

O golpe já poderia ter ocorrido bem antes. Minha tese é de que ele foi tentado pela primeira vez em 1954, e só não foi consumado por causa da comoção nacional em torno do suicídio de Getúlio Vargas", ressalta o escritor, jornalista e historiador Oscar Pilagallo.

O historiador Rafael Maranhão, professor do Colégio Mackenzie Brasília, destaca que, após a vitória de Juscelino Kubitschek, em 1955, houve um movimento nos meios militares para tentar impedir a posse do novo presidente.

Conhecida como Revolta de Jacareacanga, a alegação para a insurreição militar, alimentada pela permanente teoria conspiratória de Carlos Lacerda, era de que teria ocorrido fraude nas eleições, o que nunca ficou provado. A empreitada só não teve sucesso graças à forte atuação do marechal Henrique Teixeira Lott, em defesa da legalidade, e a posse de JK transcorreu normalmente, no começo do ano seguinte.

A inquietação nos meios militares, porém, é muito mais antiga e, segundo Pilagallo, remonta à Guerra do Paraguai (1864-1870).

"Com a vitória do Brasil, os militares ficaram em grande evidência, mas não tinham o prestígio político correspondente ao que tiveram nos campos de batalha. A partir daí começaram a tentar influenciar na política", explica Pilagallo, citando fatos que se sucederam, como o papel dos militares na queda do Império e começo da República, e o movimento tenentista no começo do século 20.


*Essa matéria foi extraída da reportagem de capa da Aventuras na História sobre os 60 anos do golpe militar. Confira o conteúdo completo aqui.