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Matérias / Huber Matos

Das frentes da guerrilha a inimigo de Fidel: A saga de Huber Matos

Herói da revolução, Huber Matos ousou discordar da trilha comunista que o novo regime estava seguindo

Redação Publicado em 28/08/2022, às 11h00

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Huber Matos durante entrevista - Divulgação / YouTube / Hector Perez
Huber Matos durante entrevista - Divulgação / YouTube / Hector Perez

Diante de um grupo que tinha acabado de chegar a Cuba, Fidel Castro perguntou: “Qual
de vocês é Huber Matos?”. Era 30 de março de 1958, e aqueles homens vinham de Costa Rica num avião de carga prateado, trazendo armamento pesado para a guerrilha.

A aeronave havia descido no meio da mata e, durante o pouso, uma das hélices chocara-se contra o solo, danifi cando seriamente a fuselagem. Mas todos os tripulantes estavam bem. No interior do avião, caixas de madeira acomodavam 100 mil projéteis, 10  metralhadoras, 46 obuses e 50 fuzis Mauser, todos intactos.

Diante da indagação de Fidel, um sujeito de olhos claros e penetrantes, que pouco tempo antes era um pacato professor e proprietário de uma pequena fazenda de arroz, levantou o braço e deu um passo à frente: “Eu sou Huber”. O comandante aproximou-se e deu-lhe um abraço. “Agora sim. Com estas armas, ganharemos a guerra”. Era a primeira vez que Huber Matos se via frente a frente com o líder do movimento para o qual vinha trabalhando havia meses, nos bastidores.

Camilo Cienfuegos, Fidel Castro, R. Huber Matos juntos entrando em Havana em 1959 / Crédito: Domínio Público

Com a ajuda de Celia Sánchez, seu elo com a guerrilha, Matos participara de todo o  planejamento daquela audaciosa missão, que abasteceu de armas a ofensiva final da guerrilha contra as tropas do Exército. Para surpresa de Fidel, o professor declarou que seu desejo era engajar-se na frente de batalha.

“Quero ficar aqui”, teria dito. “Creio que tenho o direito de dispor de minha vida em nome da causa”. O destemor e o nível cultural valeram-lhe um cargo de comando: Matos
passou a liderar uma das frentes da guerrilha, coordenando o cerco a Santiago de Cuba, cidade que passaria às mãos dos rebeldes na véspera do Natal de 1958.

Troca de poder

Quando o país enfim comemorou a derrubada do ditador Fulgêncio Batista, Huber Matos foi nomeado comandante militar da província de Camagüey. Seu maior desejo era retomar a profissão que um dia abandonara para servir à guerrilha. Mas ele jamais voltaria a pisar numa sala de aula como professor.

Tão logo assumiu o posto em Camagüey, mostrou- se incomodado com a evidência de que os comunistas estavam ocupando postos de destaque no governo revolucionário. Em outubro de 1959, cerca de dez meses após a vitória, Matos enviou sua carta de renúncia a Fidel. “Não quero ser um obstáculo para a revolução”, justificou, assumindo  uma postura abertamente anticomunista.

Castro soube que outros 20 oficiais em Camagüey estavam prontos para seguir o  exemplo de Matos, o que provocaria a pior crise política desde a tomada do poder. Àquela altura, em que a revolução ainda precisava se afirmar perante a população e os quartéis, o gesto do dissidente foi entendido como traição. Acusado de conspirar contra a nova ordem revolucionária, foi preso por um companheiro de guerrilha, Camilo Cienfuegos

“Sinto-me envergonhado por este momento, mas tenho de cumprir ordens”, disse
Cienfuegos ao dar-lhe voz de prisão. O próprio Fidel tratou de ir a Camagüey, para liderar uma marcha popular até o quartel-general da província e sufocar quaisquer outras tentativas de sublevação. “Paredón! Paredón!”, gritava a multidão em coro, bradando contra os “traidores da revolução”.

Huber Matos foi julgado num tribunal militar, em dezembro de 1959. Raúl Castro, que
atuou como advogado de acusação, pediu pena máxima, a morte por fuzilamento. Os juízes decidiram, porém, pela condenação a 20 anos de cadeia – temia-se criar um mártir da contrarevolução. Matos cumpriu cada um dos 7,3 mil longos dias de sua pena. Só foi libertado em 1979. E saiu da prisão afirmando ter sido vítima de tortura, tanto física quanto psicológica.

Fidel, que sempre repudiou tais acusações, refere-se ao ex-colega de guerrilha como alguém desprezível e traiçoeiro. “Percebemos sua veia pró-capitalista, sua vaidade tremenda”, disse o líder revolucionário na famosa entrevista concedida ao jornalista
e sociólogo espanhol Ignácio Ramonet, que daria origem ao livro 'Fidel Castro: Biografia a Duas Vozes' (Boi Tempo, 2006).

Já se via que era um arrogante, um ambicioso. Foi mais por necessidade e menos por merecimento que lhe demos uma pequena coluna, na última etapa da guerra”, acrescentou.

Exilio nos EUA

Huber Matos faleceu em 2014, nos Estados Unidos, onde liderava o movimento Cuba Independente e Democrática, sediado em Miami. O governo de Havana acusa a organização de ser um braço terrorista financiado pela CIA – responsável pelo planejamento de atentados contra dirigentes da revolução e sabotagens a instalações econômicas, militares e políticas em território cubano.

Matos negou e até mesmo disse que apenas trabalhava para que os cubanos recuperem o direito de viver num regime livre e democrático. “Só a verdade nos faz livres. E a liberdade nos dá força para defender a verdade”, escreveu, nas últimas linhas de suas memórias, aquele que foi o primeiro fiho da Revolução Cubana a ser engolido por ela.