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Matérias / Cultura

Dublador Jorge Lucas discute papel dos negros no mercado brasileiro: 'Continuaremos aqui cada vez mais e melhor'

Em entrevista ao site Aventuras na História, Lucas, que dublou em 'Soul' e 'Simpsons' conversou sobre carreira e a atual situação do mercado no país

Fabio Previdelli Publicado em 21/03/2021, às 00h00

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O ator e dublador Jorge Lucas (cen.) junto com alguns personagens que ele dubla - Montagem: Divulgação e Nana Moraes
O ator e dublador Jorge Lucas (cen.) junto com alguns personagens que ele dubla - Montagem: Divulgação e Nana Moraes

Seja por suas visões estereotipadas, suas influências em práticas abusivas ao até mesmo pela falta de representatividade, os desenhos animados voltaram a acalorar discussões nas redes sociais nas últimas semanas.  

Em 2017, um documentário produzido pelo comediante indiano Hari Kondabolu, que ganhou o nome de “Os problemas com Apu”, criticava os diversos estereótipos negativos que eram reforçados pelo personagem Apu Nahasapeemapetilon, que trabalha como caixa no Kwik E-Mart, em Os Simpsons.  

Recentemente, uma discussão levantada pelo Movimento Black Lives Matter, após a morte de George Floyd, serviu para fomentar a falta de oportunidades aos negros americanos, que mesmo com qualificações melhores ou semelhantes aos brancos, são esquecidos no mercado de trabalho.  

Hari Kondabolu em "The Problem with Apu" (2017) / Crédito: Divulgação


Com isso, os produtores da série anunciaram que os atores brancos deixariam de dar voz a personagens de outras etnias, reformulando o elenco de dublagem da família amarelada.

Mas como essa situação chegou no Brasil? Será que por aqui as discussões raciais ainda influenciam em um mercado tão reconhecido com o de dublagem? 

“Creio que voz não tem cor, pois arte não tem cor”, diz o dublador Jorge Lucas em entrevista exclusiva ao site Aventuras na História. Com mais de 30 anos de carreira artística, sua voz é reconhecida em diversos protagonistas de grandes bilheterias do cinema, como Vin Diesel na franquia Velozes e Furiosos; ou Charlie Sheen em Dois Homens e Meio.  

A lista é imensa, mesmo assim, Jorge salienta: “Por uma questão de privilégios históricos, culturais, econômicos e sociais estabeleceu-se na no mercado, como um todo, o maior e melhor acesso aos principais personagens à maioria branca”. 

O mercado brasileiro de dublagem 

Jorge Lucas explica que, atualmente, o Brasil tenha em torno de 450 atores/dubladores, sendo que dessa parcela cerca de 40 atores/dubladores pretos estejam em atividade. “Poucos atingem destaque, assim como poucos conseguem se destacar no mercado artístico como um todo”.  

“Há a questão social que, sim, é enfrentada por todo e qualquer cidadão de cor preta que decide entrar na arte. Acesso aos melhores cursos de formação acadêmica desde a infância, acesso aos melhores papéis, já que esses são escritos majoritariamente para atores brancos”, exemplifica.  

O ator e dublador Jorge Lucas/ Crédito: Divulgação/ Nana Moraes

Mesmo assim, ele vê uma pequena melhoria na reflexão sobre a representatividade e sua importância mercadológica. “Percebo uma sutil, mas progressiva melhora desde os tempos de Grande Otelo e Dona Ruth de Souza, passando por Milton Gonçalves e Léa Garcia, pela minha geração e chegando aos dias atuais dos quais estou presente”, diz.  

“Quando comecei a dublar, há 30 anos, havia apenas o talentoso Paulo Flores como ator/dublador preto no Rio de Janeiro. A minha geração começou a mudar um pouco as cores dos estúdios de dublagem carioca”, celebra, mesmo sabendo que ainda é muito pouco. 

De negros para negros e outros exemplos 

Mas será que colocar dubladores negros para dar voz a personagens negros seja uma forma de garantir a inclusão dessa minoria ou apenas de segregá-las ainda mais? “É uma forma de dar a César o que é de César. Mas isso deve visto de forma muito sensível e minuciosa pois voz não tem cor”, diz Lucas

Para o ator, um exemplo que mostra bem esse ponto de vista pode ser visto em um de seus trabalhos mais recentes: o curta Soul, da Disney, que concorre ao Oscar em três categorias — Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Filme de Animação e Melhor Som. 

“Na questão da criação de uma animação como em Soul, por exemplo, onde o original é criado e interpretado magistralmente pelo grande Jamie Foxx, é uma questão de representatividade, inclusão e respeito ao contexto e à alma do personagem”, defende. 

“Tive o prazer, honra e orgulho de dublar o desenho para a versão brasileira. Há alguns anos também dublo o ator em questão e considero como nada mais justo que assim o fosse. O personagem principal é negro, criado por ator negro, logo o ator que o dublou também é negro”, completa. 

Cena de Soul, da Disney, que no Brasil é dublado por Jorge Lucas/ Crédito: Disney+

Outro exemplo que o ator cita é a série 'Pose', da Netflix, que aborda o cenário LGBTQI+ afro e latino americano da cidade Nova York, com a cultura ballroom dos anos 1980 e início dos 1990. “Em ambos os casos esses seres humanos sabem desde seu nascimento das agruras de ser e estar naquela condição, seja social, racial, estrutural e de gênero”.  

Ainda assim, Jorge Lucas crê que não se deve restringir aos artistas/dubladores negros apenas aos personagens negros, “já que esses são sempre em muito menor número em qualquer produção, assim como é o caso das mulheres de maior idade, e também por que a dublagem é primordialmente interpretação vocal”, explica. “Repito: a arte não tem cor”. 

A falta de oportunidade por ser negro 

Apesar de hoje começar a colher os frutos por não ter desistido, como ele próprio diz, nem sempre foi fácil superar as discriminações do mercado em relação a sua cor. "Já fui retirado de entrevistas de trabalho no início de minha carreira jornalística, quando meu currículo era tão bom ou superior ao de muitos brancos que também pleiteavam a vaga; eu e apenas um outro jovem negro fomos convidados educada e sutilmente a sairmos pois não atendíamos aos requisitos exigidos pela companhia”. 

Ele acabou não seguindo a carreira de jornalismo, e optou pelos palcos. Apesar das dificuldades, Jorge Lucas se diz grato por tudo que vem conquistando ao longa de sua jornada. 

"Como ator/dublador tive, tenho e sigo tendo grandes oportunidades, de nada posso reclamar, pois a arte da voz não tem cor e devido ao meu talento e postura diante das situações galguei lugares e sou respeitado”, afirma.  

“A única questão que levanto é que até hoje, depois de 30 anos como profissional da dublagem brasileira e com um currículo vasto e respeitado, ainda não fui convidado a dirigir em empresa nenhuma”, completa. “Vale a indagação ou será mera paranoia minha?”.  

Mas como acabar com esse preconceito que parece vir de berço? Sim, não é nenhum exagero pensarmos assim, visto que desde muito novos somos expostos a obras culturais que apresentam ideias racistas.

Pôster dos filmes Mogli (1968) e Dumbo (1941), respectivamente/ Crédito: Wikimedia Commons

Tanto é que a Disney chegou a incluir alertas de conteúdo desta natureza em muitos de seus desenhos, como em Mogli e Peter Pan; e até mesmo grandes obras da nossa literatura tiveram que ganharem novas adaptações, como as de Monteiro Lobato.  

“O aviso [sobre o racismo presente na sociedade] deve ser dado desde os bancos escolares quando as crianças pretas e brancas se sentarem para juntas estudarem não só a incrível história da Europa e suas civilizações, reis e rainhas, mas também a história da África e suas civilizações, reis e rainhas. E que ambos os continentes foram de suma importância para a formação do que hoje conhecemos como o continente americano”, diz o ator. 

Mimimi ou uma discussão relevante? 

Apesar da posição de grandes estúdios, a mudança passou a ser discutida por diversos fãs, que acusaram as motivações para isso uma grande “lacração” ou “muito mimimi”. Porém, não é assim que Lucas enxerga isso. “Importância total e absoluta”, diz.  

“Só pode falar quem já foi vitimado por racismo, homofobia, violência contra a mulher, gordofobia, xenofobia, preconceito religioso etc. A cultura pop sempre teve e manter-se-á como irradiação e protesto; reclame e visualização; representatividade e existência. Estamos aqui, continuaremos aqui cada vez mais e melhor”, afirma.  

Para ele, toda e qualquer forma de racismo, seja em grandes produções ou no mercado dever ser “debatida, combatida, desmascarada, rechaçada, expulsa, execrada, e reduzida à sua real posição que é aviltante a condição humana”.  

O personagem Carl (dir.) de Os Simpsons também é dublado por Jorge Lucas/ Crédito: Divulgação/ Fox

Em sua opinião, os artistas devem levar esse diálogo de maneira racional e consciente, sempre se embasando em fatos reais e verídicos, como as dificuldades que qualquer mulher e homem preto tem a mais para alcançar onde um artista branco chega em “minutos”.  

“Dublo o personagem Carl dos ‘Simpsons’ há 25 anos e sinto-me muito feliz e representado por isso e creio ter sido muito assertivo que meus colegas artistas tenham aberto mão de seus personagens em prol de uma representatividade, respeito à arte e ao ser humano a qual eles também acreditam”, conclui.


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