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Matérias / Idade Média

Queda de Acre: A derrota final das cruzadas

Neste dia, em 1291, a Palestina voltava para mãos islâmicas

Natalia Yudenitsch Publicado em 18/05/2019, às 07h00

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A queda da fortaleza em ilustração de 1840 - Wikimedia Commons
A queda da fortaleza em ilustração de 1840 - Wikimedia Commons

No fim de 1290, a situação no porto mediterrâneo de São João de Acre, hoje a cidade israelense conhecida como Akko, estava para lá de tensa. Baybars, um sultão mameluco do Egito, já havia reduzido o reino de Jerusalém, o mais importante estado cristão estabelecido pelos cruzados, a uma pequena faixa de terra entre Sidão e Acre em 1268. 

A paz era precariamente mantida pelos esforços do rei Eduardo I da Inglaterra, apoiado pelo papa Nicolau IV. Só foi preciso que um grupo de soldados italianos se metesse numa encrenca com camponeses muçulmanos para que o delicado equilíbrio que mantinha a região sob controle fosse pelos ares. Os italianos católicos encerraram a pendenga degolando os islâmicos e eliminando na mesma leva outro tanto de sírios cristãos. 

Quando a história da matança chegou aos ouvidos do sultão egípcio al-Ashraf Jalil, ele imediatamente exigiu a cabeça dos assassinos. Pega em meio a uma disputa pela sucessão do trono de Jerusalém, Acre disse não ao sultanato. Em abril de 1291, a cidade acordou cercada por mais de 200 mil soldados muçulmanos. A cristandade correu em socorro de um de seus pontos mais estratégicos na Terra Santa.

Canal de comunicação

Cavaleiros hospitalários, teutônicos e templários, somados a tropas inglesas e italianas, partiram para defender o porto. Só que aí já era tarde demais. Em 18 de maio, as forças turcas e egípcias tomaram oficialmente a cidade. Caía o último bastião dos europeus e, com ele, o sonho que por anos alavancou as cruzadas para o Oriente. 

“Para entender a importância de Acre nesse período, é preciso voltar à sua época dourada, logo após sua tomada, em 1104, por um dos líderes da Primeira Cruzada, Balduíno de Boulogne, mais tarde coroado como o primeiro monarca do reino latino de Jerusalém”, diz Norman Edbury, professor de história medieval da universidade de Oklahoma, nos EUA. “A cidade era um dos mais importantes centros comerciais do mundo medieval, o maior porto da costa da Palestina. Acre era bastante próspera e civilizada, recebendo comerciantes italianos, bizantinos, africanos e egípcios. Sua localização geográfica, ao norte da baía de Haifa, a tornava um canal de comunicação entre o Oriente e o Ocidente e foi muito utilizada pelos cruzados entre os séculos 11 e 13.”

Além de ser um centro econômico e político estratégico, Acre, como capital do reino de Jerusalém, tinha ainda um grande valor simbólico para três grandes religiões: a cristã, a judaica e a muçulmana. Sua população chegava a 25 mil habitantes – cerca de 10% de todo o reino. Somados todos os interesses, a cidade trocou de mãos várias vezes desde sua fundação, por volta de 1500 a.C., pelos cananeus, sendo ocupada por assírios, romanos, bizantinos, muçulmanos e cristãos.

A Batalha de Hattin / Crédito: Wikimedia Commons

Acre nas cruzadas

O período mais turbulento da vida do porto, contudo, foi durante as Cruzadas, quando foi batizado de São João de Acre. O primeiro revés ocorreu pelas mãos do sultão egípcio Saladino, em 1187, na Batalha de Hattin. Do lado cristão, as tropas do francês Guy de Lusignan, o rei consorte de Jerusalém, e o príncipe da Galiléia Raimundo III de Trípoli.

Ao todo, havia cerca de 60 mil homens, entre cavaleiros, soldados desmontados e mercenários muçulmanos. Já a dinastia aiúbida, representada por Saladino, contava com 70 mil guerreiros. Quando os cruzados montaram acampamento em um campo aberto, forçados a descansar após um dia de exaustivas batalhas, os homens de Saladino atearam fogo em volta dos inimigos, cortando seu acesso ao suprimento de água fresca. A cortina de fumaça tornou quase impossível para os cristãos se desviar da saraivada de flechas muçulmanas. 

Sedentos, muitos cruzados desertaram. Os que restaram foram trucidados pelo inimigo, já de posse do porto. “Em um de seus famosos momentos de clemência, Saladino poupou a vida de Guy, enquanto Raimundo escapou da batalha com sucesso. Com a cidade tomada, o sultão restaurou a fé islâmica e reforçou o sistema defensivo, formado por muralhas que envolviam o porto”, afirma John Hildebrand, professor de história medieval da Universidade de Edimburgo, na Escócia.

Coração de Leão

O gesto magnânimo de Saladino, porém, custaria caro. Em 1189, Guy de Lusignan tentou reconquistar a cidade, num conflito que duraria anos e só seria resolvido com a chegada de um novo personagem: Ricardo Coração de Leão, o rei da Inglaterra. Foi ali, na Terceira Cruzada, em 1191, que o rei Ricardo fez sua fama de guerreiro e conquistou o título de Coeur de Lion ("Coração de Leão", em francês) ao garantir a volta de Acre às mãos da cristandade. 

Ricardo Coração de Leão / Crédito: Wikimedia Commons

Apesar de inimigos e de nunca ter se encontrado, Saladino e Ricardo Coração de Leão se respeitavam. Trocaram presentes e honrarias, culminando num acordo que deixou Jerusalém em mãos muçulmanas. Isso transformou São João de Acre na grande capital dos Estados Latinos na Terra Santa. Seu porto recebeu peregrinos e guerreiros cruzados, como o rei Luís IX da França na Sétima Cruzada, em 1250.

Seu retorno à Europa quatro anos depois e a posterior morte durante a Oitava Cruzada deixaram uma lacuna na sucessão do reino de Jerusalém. Sem proteção, a cidade de Acre foi enfraquecida por Baybars. Até que finalmente cedeu, em 1291, às investidas dos mamelucos egípcios. Depois disso, o porto conheceu a decadência, passando posteriormente para o domínio turco otomano e finalmente sendo anexado a Israel em 1948.