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Matérias / StandWithUs Brasil

Intolerância: O que um sobrevivente do Holocausto tem a dizer sobre os casos de apologia ao nazismo no Brasil

Em uma parceria com a StandWithUs Brasil, Gabriel Waldman, sobrevivente do Holocausto, faz uma importante reflexão

Gabriel Waldman, sobrevivente do Holocausto Publicado em 18/11/2022, às 13h40

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Judeu observa uma pichação antissemita em Petah Tikva, perto de Tel Aviv, no centro de Israel - Getty Images
Judeu observa uma pichação antissemita em Petah Tikva, perto de Tel Aviv, no centro de Israel - Getty Images

Nasci em maio de 1938 na Hungria, descendente de uma família judaica. Dei minha entrada no palco do mundo cronologicamente no meio de dois acontecimentos decisivos daquele ano e talvez de todo o século XX: A anexação da Áustria pela Alemanha nazista que acabou com o “estado tampão” entre a Alemanha e a Hungria e pela primeira vez meu país passou a ter fronteiras diretas com o nazismo.

Por outro lado, a “Noite dos Cristais”, ocorrida em novembro daquele ano, quando pela primeira vez o nazismo mostrou suas garras, atacando em larga escala propriedades, lares, sinagogas e associações judaicas e matando judeus abertamente, à vista de todos. Sobrevivi por milagre, ou melhor, por uma série de milagres, como se o universo conspirasse para que eu permaneça vivo por algum motivo que eu procuro desvendar até hoje.

Gabriel Waldman, sobrevivente do Holocausto /Crédito: Divulgação

Eu era criança no auge da perseguição entre 1944-45. Lembro apenas da fome, do frio, do repentino desaparecimento de familiares, entre eles meu pai que morreu em campo de concentração. Lembrança suficiente para me dedicar hoje a combater a intolerância em todas as suas manifestações: raciais, religiosas, nacionais e políticas. Faço parte de uma ONG internacional StandWithUs Brasil cuja finalidade é justamente esta: combater pela persuasão, pelo argumento, pelo diálogo e pela educação a proliferação do ódio.

Porém, muito cuidado. Verter luz sobre a intolerância pode também nutri-la pela divulgação que recebe, mesmo que a  divulgação seja negativa. O ditado “falem de mim, que seja mal, contanto que falem...” explica o fenômeno. Às vezes o silêncio na mídia e nas redes sociais é o melhor remédio. Com a educação e o esclarecimento.

Felizmente no Brasil, não existe clima de intolerância generalizada, mesmo considerando-se as eleições recentes que acirraram os ânimos. Ela surge, em geral, quando se impõe a uma nação ou a outro grupo social “situações de limite” insuportáveis. Hitler nunca teria se apoderado da Alemanha, não fosse pelo desastrado Tratado de Versalhes que, mais do que um tratado, foi um ato de vingança que os Aliados impuseram à Alemanha. Da mesma forma, Lenin e o comunismo teriam permanecido apenas um rodapé na história se não fosse pela guerra mal conduzida pelo czar e seus generais na Primeira Guerra Mundial e que vitimou milhões de soldados e civis.

Emblemático de nosso trabalho é um incidente que ocorreu recentemente em uma escola pública. Um adolescente de uns 15 anos em atitude típica de jovem rebelde desenhou uma suástica em um computador da escola. Ele sabia que se tratava de algo ruim, embora não soubesse o seu significado. O que o motivava era o ato de transgressão.

As portas do inferno se abriram como resultado. Ameaças de morte, de linchamento, insultos. A escola solicitou aos pais afastá-lo do colégio até que a tempestade amaine. Durante a entrevista com o diretor da escola, o menino interrompeu-o timidamente: “Desculpe Senhor, o que quer dizer suástica?”.

Sabiamente, em vez de punir ou expulsar, a diretoria aceitou o contato e a proposta da StandWithUs Brasil. Realizamos palestras na escola expondo os horrores do nazismo e eu como sobrevivente dei o meu testemunho pessoal. No fim, o rapaz “transgressor” pediu desculpas com lágrimas nos olhos. “Eu não sabia”, ele confessou. A fim de aliviar a tensão e diminuir a carga de culpa do menino, eu ainda brinquei: “Não faça mais. Mas se tiver que fazê-lo, pelo menos desenhe corretamente a suástica. Os ganchos são da esquerda para direita e não o contrário como você fez...”.

Gabriel Waldman durante a palestra em uma escola /Crédito: Divulgação

A ignorância, o esquecimento, a atitude de tocar a vida sem o retrovisor, sem escutar as lições da história é que nos norteia. O mal aparece e depois retorna por causa deste esquecimento teimoso. E eu tive a satisfação de participar na inoculação de 800 jovens participantes da palestra contra a recorrência da maldade pelo menos por algum tempo. Pois não devemos subestimar a resiliência do mal. Como no caso da poliomielite ou do sarampo, a inoculação deve ser constante para evitar a volta da malignidade.


*O texto de Gabriel Waldman foi proporcionado pela StandWithUs Brasil, instituição que trabalha para lembrar e conscientizar sobre o antissemitismo e o Holocausto, de maneira a usar suas lições para gerar reflexões sobre questões atuais.