Ocorrida em 19 de abril de 1980, a prisão do metalúrgico foi o primeiro ato 'Lula Livre'
No dia 19 de abril de 1980, o então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Luiz Inácio Lula da Silva, foi preso pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), motivo que mobilizou a classe operária e estudantil no primeiro ato ‘Lula Livre’.
Ao todo, o sindicalista ficou 31 dias preso no órgão de repressão da ditadura militar, sob acusação de ser um dos principais líderes das greves dos operários. Na época, Lula e outros manifestantes reivindicavam por melhores condições de trabalho e contra o regime autoritário instaurado no país desde 1964.
Segundo a BBC, durante o depoimento do líder sindicalista à Comissão Nacional da Verdade (CNV), a situação dos operários começou a decair no final da década de 1960, após o Golpe de 64.
Até então, cada metalúrgico da indústria automobilística recebia todo santo mês um aumento de salário. Se você pegar a carteira de um trabalhador da Volkswagen em 1967, vai ver que ele recebia aumento em janeiro, fevereiro, março. Em abril tinha antecipação do dissídio coletivo... Em 1968, as empresas passaram a diminuir esses aumentos e acabar com alguns privilégios que a gente tinha. Fomos sendo sufocados... Isso criou um clima de animosidade [entre companhias e trabalhadores]", disse Lula à Comissão Nacional da Verdade.
Nos anos seguintes, a situação da sociedade brasileira piorou. Estudantes que eram contra o regime militar passaram a ser perseguidos, torturados e mortos pelos agentes da repressão; a censura foi instaurada; a classe operária sofria com condições desumanas nas fábricas e muito mais.
Diante deste cenário, dentro das fábricas, em 1978, começaram a surgir as primeiras mobilizações contra o sistema. Logo, o ato que começou dentro da montadora Scania se espalhou para as demais empresas localizadas no ABC.
Em um primeiro momento, os metalúrgicos conseguiram algumas melhorias. Contudo, um ano depois, as empresas começaram a demitir os manifestantes, motivo que levou o movimento para as ruas brasileiras.
Já em julho de 1979, Lula e outros grevistas começaram a planejar novos protestos contra a repressão. Conforme o doutor em história pela USP e professor do Instituto Federal de Minas Gerais, Francisco Macedo disse à BBC, a partir disso, a classe operária começou a perceber que a luta deveria se expandir e pautar a democracia.
As greves históricas iniciaram-se no dia 1º de abril de 1980, mas as empresas se recusaram a voltar atrás. Segundo Djalma Bom, tesoureiro do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC na época, Lula acreditava que era preciso acontecer algo extraordinário para de fato as mudanças virem.
De fato, a mudança veio com um evento extraordinário. Todavia, o metalúrgico não imaginava que aconteceria em decorrência de sua prisão, no dia 19 de abril daquele mesmo ano.
Na época, o operário morava no bairro de Ferrazópolis, em São Bernardo. Na manhã daquele dia, sua casa foi cercada por cerca de oito homens armados, que o levaram para o Dops. De acordo com a reportagem da BBC, outros sindicalistas do ABC também foram presos durante uma ação que aconteceu simultaneamente.
Quando eles (militares) bateram na porta, o Frei Betto falou: 'a polícia tá aí'. Eu não tinha nem lavado o rosto ainda. Falei para eles: 'espera que vou me trocar'. Eles disseram: 'não, não pode esperar'. Voltei para dentro de casa e fui me trocar", revelou Lula, em depoimento à Comissão Nacional da Verdade, conforme divulgou a BBC.
No entanto, diferente de outros presos políticos, o grevista não foi torturado — diferente de seu irmão, Frei Chico, que em 1975 foi torturado por militares, conforme noticiou o Estadão.
A prisão de Lula fez alavancar ainda mais o movimento sindicalista, que foi amplamente noticiado pelos veículos de imprensa da época. O metalúrgico, por sua vez, foi solto no dia 21 de maio de 1980.
Segundo Francisco, o episódio histórico foi responsável pelos eventos posteriores. Durante as greves, por exemplo, estima-se que 75 mil veículos deixaram de ser produzidos, conforme dados apurados pela BBC, a partir da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea).
O principal legado da greve de 1980 é simbólico: a ideia de que os trabalhadores são sujeitos ativos, que se organizam e lutam por suas reivindicações no espaço público", refletiu o especialista.