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Matérias / Coluna

O polígrafo é um detector de mentiras confiável?

Professora de Direito da Universidade do Estado da Geórgia explica se a tecnologia realmente pode separar a verdade da mentira

Jessica Gabel Cino Publicado em 20/10/2019, às 09h00

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Crédito: Wikimedia Commons
Crédito: Wikimedia Commons

Há tempos as pessoas anseiam por alguma forma de separar a verdade da mentira, seja em processos judiciais de alto risco ou mesmo em conflitos familiares. Ao longo dos anos, foram desenvolvidos um conjunto de ferramentas e instrumentos para descobrir se alguém está mentindo.

Esses instrumentos tentaram incorporar cada vez mais a ciência, mas com diferentes graus de sucesso. A sociedade sempre procurou por aparelhos como o polígrafo para ter alguma objetividade na detecção do engano.

Como advogada de defesa, muitos clientes já me disseram que não cometeram o suposto crime. Mas nunca pedi a um cliente que se submetesse a um exame de polígrafo: os riscos são altos, as recompensas são baixas e os resultados — inadmissíveis em um caso criminal — são imprevisíveis. Quão confiável é um polígrafo na identificação de quem está mentindo e quem está falando a verdade?

Buscando sinais de mentiras

Os métodos de detecção de mentira progrediram a partir de técnicas de tortura. Os mais antigos métodos incluíam submeter alguém a um teste da água: aqueles que afundavam eram considerados inocentes, enquanto quem flutuava era culpado.

Na Europa medieval, acreditava-se que um homem inocente conseguiria colocar o braço em água fervente por mais tempo do que um mentiroso.

As pessoas acabaram desenvolvendo métodos mais humanos, concentrando-se em fatores fisiológicos que poderiam ser usados como árbitros da verdade. No início do século 20, William Moulton Marston — autoproclamado pai do polígrafo —, descobriu uma forte relação entre a pressão arterial sistólica e a mentira: se a pessoa estivesse mentindo, sua pressão subiria. Marston foi o criador da personagem Mulher Maravilha, cujo laço de ouro pode extrair a verdade daqueles que ela captura.

Em 1921, o fisiologista John Larson, da Universidade da Califórnia em Berkeley, foi o primeiro a medir a pressão arterial e a respiração, observando aumento e quedas na frequência respiratória. O Departamento de Polícia de Berkeley adotou seu dispositivo e o usou para avaliar a confiabilidade das testemunhas.

Em 1939, o aluno de Larson, Leronarde Keeler, atualizou o sistema. Ele o tornou compacto para viagens e adicionou um componente para medir a resposta galvânica da pele, que mede a atividade das glândulas sudoríparas — ela pode refletir a intensidade de um estado emocional.

O dispositivo de Keeler, comprado pelo FBI, foi o precursor do polígrafo moderno. Versões posteriores foram desenvolvidas a partir desta.

Detectores de mentiras atuais

Detector de mentiras é um termo amplo. Na maioria das vezes, o termo refere-se a um polígrafo, mas ele também se aplica a uma análise de estresse de voz, um exame de ressonância magnética cerebral ou até mesmo um software usado para analisar a escolha e a variação de palavras que uma pessoa usa ao relatar um evento.

O que o polígrafo de hoje faz pode ser explicado pela própria palavra — poli quer dizer muitos ou múltiplos, e grafo vem de grafia, que significa representação escrita.

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Leonarde Keeler testa seu aparelho em uma testemunha / Crédito: Wikimedia Commons

O que o sistema faz é registrar várias respostas fisiológicas — na maioria das vezes transpiração, frequência cardíaca, frequência respiratória e pressão arterial — e as grava visualmente para um examinador interpretar.

Há duas abordagens mais comuns para utilizar um polígrafo. Na técnica chamada de questão controlada, o examinador fará perguntas irrelevantes, questões de controle e questões relevantes. Com base na representação gráfica das respostas fisiológicas da pessoa, ele identificará se elas mudam significativamente em resposta a perguntas relevantes. A suposição é de que o engano, devido ao estresse induzido pela mentira, levará a uma resposta mensurável na forma de aumento da transpiração, frequência cardíaca, e assim por diante.

A segunda abordagem é conhecida como Teste de Conhecimento Culpado, que é, na verdade, um nome impróprio. Ele testa qualquer conhecimento de eventos, não apenas conhecimento culpado.

Nessa técnica, o examinador mede as respostas de um sujeito a perguntas específicas, na tentativa de descobrir se a pessoa realmente tem conhecimento pessoal de um evento. Pode ser qualquer coisa, desde saber quantas vezes uma vítima foi esfaqueada até a cor do carro de fuga.

Presumivelmente, uma pessoa que não tem conhecimento de um evento não reagiria de maneira significativamente diferente à resposta, porque não saberia o que é certo e o que não é. Enquanto isso, segundo a lógica, uma pessoa que tenha conhecimento em primeira mão demonstraria uma resposta fisiológica.

Obviamente, esse método também possui limitações inerentes, a respeito, entre outras coisas, de quais tipos de perguntas podem ser apresentadas.

Os polígrafos podem realmente separar a verdade da mentira?

A eficácia dos polígrafos é muito debatida nas comunidades científica e jurídica. Em 2002, uma revisão do Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos constatou que, em populações “não treinadas em contramedidas, os testes de polígrafo para incidentes específicos podem discriminar a mentira da verdade em taxas bem acima do acaso, embora bem abaixo da perfeição”.

Assim, o polígrafo seria melhor do que jogar uma moeda para descobrir se alguém está dizendo a verdade, mas ainda está longe de alcançar resultados consistentes e confiáveis.

O Conselho Nacional alertou contra o uso de polígrafos nas avaliações de emprego, mas observou que os testes de polígrafo de incidente específico em campo produzem resultados mais precisos. Perguntas direcionadas e relevantes, como “O assalto foi cometido com uma arma?”, podem funcionar melhor, ajudando a desmascarar um sujeito que pode ter fortes motivos para mentir ou ocultar informações.

Os polígrafos podem fornecer falsos positivos, dizendo que alguém está mentindo quando, na verdade, não está. As consequências de um polígrafo falhar podem ser sérias — desde não conseguir um emprego até ser rotulado como serial killer.

No controverso caso da Suprema Corte de 1998, Estados Unidos vs. Scheffer, a maioria declarou que “simplesmente não há consenso de que a evidência do polígrafo é confiável” e “como outras testemunhas especializadas deram o depoimento sobre questões factuais fora do conhecimento do júri, como na análise de impressões digitais, balística ou DNA encontrados em uma cena de crime, um especialista em polígrafo pode fornecer ao júri apenas outra opinião”.

Notavelmente, o litígio a respeito do precursor do polígrafo moderno deu origem à opinião do teste Frye — usados nos EUA para determinar a admissibilidade de evidências científicas —, em 1923, de que a evidência do polígrafo era inadmissível em tribunal.

Em 2005, o 11º Circuito de Tribunal de Apelações reiterou que “a poligrafia não gozava de aceitação geral da comunidade científica”.

Examinador faz anotações durante o teste do polígrafo / Crédito: Wikimedia Commons

A realidade é que vários fatores — incluindo o nervosismo em uma situação de alto risco — podem afetar as leituras detectadas por uma máquina de polígrafo e dar a impressão de que o sujeito está mentindo.

Por esse motivo, os polígrafos geralmente não são admissíveis em nenhum caso criminal, embora os interrogadores da polícia às vezes induzam um suspeito a se submeter ao teste. Os polígrafos podem ser admissíveis em casos civis em alguns estados americanos, e alguns estados permitem que os testes de polígrafos sejam usados em casos criminais se todas as partes envolvidas concordarem.

Melhor que nada?

Em suma, os polígrafos podem oferecer certa confiança, embora leve, de que uma pessoa esteja dizendo a verdade sobre um incidente específico. Estudos demonstraram que, quando um examinador bem treinado usa um polígrafo, pode detectar uma mentira com relativa precisão.

Mas o polígrafo não é perfeito: a interpretação do examinador é subjetiva, e os resultados são idiossincráticos para a pessoa que está sendo testada. Sob as circunstâncias certas, o polígrafo pode ser enganado por um indivíduo treinado.

Até alguns dos meus alunos de provas forenses “vencem” o teste quando trago um examinador de polígrafo para uma demonstração em sala de aula.

Talvez o 11º Circuito tenha resumido melhor: não há fator Pinóquio associado aos polígrafos. Por mais que gostássemos de um sinal tão óbvio quanto um nariz em crescimento, não há nenhum sinal físico 100% confiável que denuncie uma mentira.

Um exame de polígrafo demonstra “que a pessoa examinada acredita em sua própria história”. E talvez isso seja o suficiente. A disposição de um sujeito de se submeter a um exame geralmente revela um nível de veracidade e pode preencher um vazio quando a outra parte não se submeteu de maneira semelhante a um exame.


Jessica Gabel Cino é diretora associada de Assuntos Acadêmicos e professora de Direito na Universidade do Estado da Geórgia.

Este artigo foi traduzido e republicado sob a licença Creative Commons.


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