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Matérias / Coluna

Papai e mamãe: Quando o sexo era sério

Coluna de Mary del Priore. O Kama Sutra do Brasil tinha uma posição só

Mary Del Priore, arquivo Aventuras na História Publicado em 23/10/2019, às 11h00 - Atualizado em 14/02/2022, às 10h56

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Imagem meramente ilustrativa - niekverlaan, via Pixabay
Imagem meramente ilustrativa - niekverlaan, via Pixabay

No passado, as regras da Igreja Católica pareciam esconder-se sob a cama dos casados, controlando tudo. Proibiam-se ao casal as práticas consideradas contra a natureza. Além das relações “fora do vaso natural”, eram pecados graves “quaisquer tocamentos torpes” que levassem à ejaculação.

Assim, se perseguiam os “preparativos” ou preliminares ao ato sexual. A prática aparece em tratados de confissão encarregados de simular o diálogo entre o pecador e o padre: “Pequei com algumas pessoas na cama, pondo-lhes as mãos por lugares desonestos e ela a mim, cuidando e falando em más coisas”, diria o primeiro. “Já pagar seus pecados!”, diria o segundo.

O sexo admitido era restrito à procriação. Donde a determinação de posições “certas” durante as relações sexuais. Era proibido evitar filhos, gozando fora do “vaso”. Era obrigatório usar o “vaso natural”, e não o traseiro. Era proibido à mulher colocar-se por cima do homem, contrariando as leis da natureza. Afinal, os homens comandavam. Ou colocar-se de costas, comparando-se às feras e animalizando um ato que deveria ser sagrado.

Certas posições, vistas como sujas e feias constituíam pecado venial, fazendo com que “os que usam de tal mereçam grande repreensão, por serem piores do que brutos animais”, dizia a Igreja. Controlado o prazer, o sexo no casamento virava débito conjugal e obrigação entre os cônjuges. Negá-lo era pecado, a não ser que a solicitação fosse feita em dias proibidos, ou se a mulher estivesse muito doente. Dor de cabeça não valia. O que se procura é cercear a sexualidade, reduzindo as situações de prazer.

Essa vigilância extrapola o leito conjugal, espalhando-se pela sociedade. Condenavam-se as cantigas lascivas, os bailes desonestos, os versos torpes, a alcovitice, as bebedices, os galanteios. Essas expressões resgatam o burburinho da vida social com seus encontros, festas, enfim, a sexualidade do cotidiano, que a Igreja precisava regulamentar, dominar desde o namoro às relações conjugais.

Gestos miúdos de afeto, como o beijo, eram controlados por sua “deleitação natural e sensitiva”, considerados “pecado grave porque é indecente e perigoso”. Além de evitar beijos, devia-se estar em guarda contra as sutilezas das menores expressões de interesse sexual que não conduzissem ao chamado “coito ordenado para a geração”. 

Retrato de uma família brasileira do século 19, por Jean-Baptiste Debret / Crédito: Wikimedia Commons

Casos de desajustes conjugais devido à pouca idade da esposa não foram raros e revelam os riscos por que passavam as mulheres que concebiam ainda adolescentes. Há meninas que, casadas aos 12 anos, manifestavam repugnância em consumar o matrimônio.

Num deles, o marido, em respeito às lágrimas e queixumes, resolvera deixar passar o tempo para não violentá-la. Escolástica Garcia, uma jovem casada aos 9 anos, declarava em seu processo de divórcio que nunca houvera “cópula ou ajuntamento algum” entre ela e seu marido, pelos maus-tratos e sevícias com que sempre tivera que conviver.

Os casos de casamentos contraídos por interesse, ou na infância, somados a outros em que idiossincrasias da mulher ou do marido revelam o mau estado do matrimônio, comprovam que as relações sexuais dentro do sacramento eram breves, desprovidas de calor ou refinamento.

Cada vez mais se evidencia o elo entre sexualidade conjugal e mecanismos puros e simples de reprodução. Maria Jacinta Vieira, por exemplo, bem ilustra a valorização da sexualidade sem desejo. Ela se recusava a copular com seu marido “como animal”. Bem longe já se estava dos excessos eróticos cometidos quando das primeiras visitas do Santo Ofício à colônia.

E como funcionava o matrimônio? Os casais desenvolviam tarefas específicas. Os maridos deviam se mostrar dominadores, voluntariosos no exercício da vontade patriarcal, insensíveis e egoístas. As mulheres apresentavam-se como fiéis, submissas, recolhidas. É provável que os homens tratassem as mulheres como máquinas de fazer filhos, submetidas às relações sexuais mecânicas e despidas de afeto. Basta pensar na facilidade com que eram infectadas por doenças e nos múltiplos partos. 

Acrescente-se à rudeza o tradicional racismo. Os gestos diretos, a linguagem chula eram destinados às negras escravas e forras ou mulatas. Os convites para a fornicação são feitos às negras e pardas, fossem elas escravas ou forras.

Afinal, a misoginia racista da sociedade colonial classificava as mulheres como fáceis, alvos naturais de investidas sexuais, com quem podia-se ir direto ao assunto. Gilberto Freyre chamou a atenção para o papel sexual dessas mulheres, reproduzindo o ditado popular: “Branca para casar, mulata para foder e negra para trabalhar”.


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