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Matérias / Idade Moderna

Petrus Gonzales: Menino-lobo na realeza

No século 16, o rei da França adotou – e criou como um membro da realeza – um garoto com condição rara, que se tornou sensação na Europa

Ramon Botifa Publicado em 28/05/2019, às 13h18

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Wikimedia Commons
Wikimedia Commons

Petrus Gonzales nasceu em 1537, nas ilhas Canárias. O menino era muito, muito peludo – tinha cabelo até na palma das mãos. A notícia logo chegou ao continente: as ilhas Canárias – que ficam no oceano Atlântico, a oeste do Marrocos, receberam esse nome pelo grande número de cães (canis) que lá foram encontrados na Antiguidade. Seria Petrus, então, uma espécie de "menino-lobo"?

Aos 10 anos, ele foi morar em Paris. Ninguém sabe ao certo quem deu o garoto "de presente" ao rei Henri II, conhecido por sua atração por coisas e pessoas exóticas. O fato é que Sua Majestade gostou do menino desde o início e garantiu que ele fosse educado como um membro privilegiado da corte. Petrus teve aulas de latim e boas maneiras, ganhou um emprego, casou-se e teve quatro filhos e três filhas, quase todos peludos como ele.

Petrus Gonzales / Créditos: Wikimedia Commons

A saga dessa família incomum na Europa renascentista é o tema de The Marvelous Hairy Girls: The Gonzales Sisters and Their Worlds (As Maravilhosas Meninas Peludas: As Irmãs Gonzales e Seus Mundos), da historiadora Merry Wiesner-Hanks. "Eu estava fazendo uma pesquisa sobre outro tema quando me deparei com a imagem de Antonietta (uma das filhas de Petrus).

Não consegui esquecer aquele rosto peludo e infantil. Decidi, então, investigar a fundo a história da família Gonzales. A pintura que despertou minha curiosidade virou a capa do livro", conta Merry, que é professora de história na Universidade de Wisconsin-Milwaukee (EUA).

Em sua pesquisa, a historiadora encontrou citações sobre Petrus, sua mulher e seus filhos em cartas, certidões de batismo, obituários, livros e relatórios médicos e diplomáticos dos séculos 16 e 17.

Freak Show

Para Henri II, quanto mais bizarro, melhor. Em turnês que passavam por centenas de cidades e duravam anos, a corte francesa produzia espetáculos com figuras extraordinárias e seus feitos incríveis. Numa dessas viagens, em 1550, uma "vila brasileira" foi reproduzida com papagaios, árvores, macacos, ocas, redes e 50 indígenas de verdade.

Nus, dançaram, cantaram e lançaram flechas de fogo, incendiando as ocas. A França, na época, ocupava um pedaço do Brasil, na região do Rio de Janeiro.

Apesar da presença de atrações inusitadas como essa, a chegada de Petrus causou alvoroço na corte francesa. A princípio, ninguém sabia o que fazer com o menino. Pensaram em mandá-lo para um zoológico.

Outra opção seria treiná-lo para entreter o rei, como fizeram com um grupo de anões – nesse caso, a piada era vesti-los de monarca. Para a sorte do garoto, Henri II tinha outros planos. Mais que um humano com cara de cachorro, ele queria um humano com cara de cachorro que se comportasse como um nobre.

Petrus foi nomeado assistente do carregador de pão do rei, cargo que exigia um treinamento protocolar. Uma caverna foi construída para o garoto num dos parques da realeza. "Diziam que a ideia era amenizar a saudade que Petrus sentia de casa, mas claro que estavam apenas criando uma sensação para impressionar os visitantes", afirma Merry.

Rosto escondido

O primeiro registro sobre sua chegada à Europa é uma carta que Giulio Alvarotto, representante na corte francesa do Duque de Ferrara, enviou ao seu mestre: "O rei está com um menino de cerca de 10 anos, nascido nas Índias, que tem o rosto completamente coberto de cabelos desde que nasceu, exatamente como as pinturas de homens selvagens das florestas. Os pelos têm cerca de cinco dedos de comprimento. São muito finos, o que torna possível ver todos os traços de seu rosto.

O pelo é louro-claro e muito delicado, como o de um antílope, e tem um cheiro bom. Ele fala espanhol e se veste como uma pessoa normal. Mas o pelo o deixou frustrado a vida inteira. Aqueles que cuidavam dele o deram para nossa majestade".

Mais tarde, Gonzales virou secretário confidencial do rei, casou-se com uma mulher chamada Catherine e teve sete filhos. Um deles, Ercole, morreu muito cedo e nada se sabe sobre sua aparência. Entre os demais, apenas outro menino, Paulo, não era peludo. As três filhas, portanto, herdaram a condição do pai.

Entre 1580 e 1590, toda a família viajou em direção ao sul da Europa. Na Suíça, foram examinados pelo médico Felix Platter, que publicou um livro com observações sobre os Gonzales: "Em Paris, havia um homem excepcionalmente peludo em todo seu corpo, muito querido do rei Henri II e que fazia parte de sua corte. As sobrancelhas e o cabelo na testa eram tão longos que ele tinha que puxá-los para poder enxergar".


Saiba mais

The Marvelous Hairy Girls: The Gonzales Sisters and Their Worlds, Merry Wiesner-Hanks, 2009.