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Matérias / Apollo 11

Quarentena imposta pela NASA durante a Apollo 11 é contestada em estudo

Com o sucesso da Missão Apollo 11, NASA deixou de se preocupar com um fator fundamente na volta à Terra; entenda!

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 06/07/2023, às 17h40

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Astronauta da Apollo 11 na lua - NASA
Astronauta da Apollo 11 na lua - NASA

Às 2h56 da manhã de 21 de julho de 1969, o astronauta Neil Armstrong se tornou a primeira pessoa a pisar na Lua. "Um pequeno passo para o homem, mas um salto enorme para a humanidade".

Superando a União Soviética na Corrida Espacial, a NASA passou a ter outra preocupação: microrganismos lunares que pudessem sobreviver da viagem de volta à Terra e dizimar a Humanidade.

Analisando de um ponto de vista mais atual, a ideia pode até parecer mais uma trama de um livro de ficção científica ou coisa do tipo. Entretanto, a preocupação era real. Hoje sabemos que não existe nenhuma forma de vida na Lua, mas naquela época as incertezas sobre nosso satélite natural ultrapassavam os 384 mil quilômetros de distância.

+ Por que nunca voltamos à Lua?

Para garantir a integridade de nosso planeta, o governo norte-americano decretou a Extra-Terrestrial Exposure Law ("Lei para Exposição Extraterrestre"), uma política de "responsabilidade e autoridade para proteger a Terra contra qualquer contaminação prejudicial".

De uma forma mais simplória, a medida previu uma quarentena não só dos astronautas, mas de todos os equipamentos que deixaram o solo terrestre. Desta forma, Neil Armstrong, Buzz Aldrin e Michael Collins tiveram de permanecer 21 dias confinados numa instalação construída especialmente para isso. Mas a verdade é que a prevenção se tratou de uma 'encenação'.

Os astronautas da Apollo 11, em quarentena, durante conversa com o então presidente Richard Nixon/ Crédito: NASA

A novidade

No último mês de junho, o historiador ambiental da Universidade de Georgetown Dagomar Degroot publicou um artigo na revista de história da ciência Isis falando sobre a quarentena da Apollo 11. O pesquisador descreveu os esforços de "proteção planetária" como inadequados.

O protocolo de quarentena parecia um sucesso", diz no estudo que foi repercutido pelo The New York Times, "apenas porque não foi necessário".

Em entrevista ao History os Science Society (HSS), Degroot explica melhor o contexto da época. "No início dos anos 1960, pouco se sabia sobre como a vida surgiu na Terra e como ela poderia responder às mudanças nas condições de outros mundos. Era inteiramente razoável supor que alguma forma de vida — talvez bactérias formadoras de esporos — pudesse sobreviver sobre ou sob a superfície lunar".

A pesquisa do historiador ambiental mostra que funcionários da NASA sabiam dos riscos que os germes lunares poderiam representar. Além disso, eles tinham consciência de que a quarentena, muito provavelmente, não manteria a segurança de nosso planeta.

"Em 1964, cientistas e funcionários federais se reuniram para discutir a possibilidade de que micróbios da Lua ou de outros mundos pudessem se reproduzir na Terra e, assim, ameaçar a biosfera — ou pelo menos a saúde humana", relata ao HSS.

Degroot estudou o resumo da conferência da Academia Nacional de Ciências e se deparou com uma surpreendente e sóbria frase sobre a questão: "As políticas de defesa contra a contaminação reversa devem ser baseadas na proposição de que, se a infecção da Terra por organismos extraterrestres for possível, ela ocorrerá."

Se microrganismos perigosos realmente existissem na Lua, reconheceram os participantes da conferência, então os astronautas da Apollo os trariam para a Terra e eles inevitavelmente escapariam da contenção", aponta.

Portanto, o objetivo do programa de quarentena não era impedir a contaminação terrestre, mas atrasar a fuga de qualquer microorganismo até que "a longo prazo, à medida que a natureza dos organismos exóticos se tornasse familiar, dispositivos como vacinas ou algum meio para destruir os micróbios pudessem ser desenvolvidos".

Apesar de reconhecer essa questão, a agência espacial norte-americana veio a público afirmar que poderia proteger a Terra de qualquer tipo de ameça lunar. Não só isso, a NASA investiu dinheiro na instalação de quarentena, que oficialmente recebeu o nome de Laboratório de Recepção Lunar. "Mas, apesar de toda essa bela complexidade, houve erros básicos e fundamentais", explanou.

Técnico no Laboratório de Recepção Lunar examinando camundongos deixados com amostras lunares/ Crédito: NASA

Os erros do laboratório

Embora, aparentemente, as medidas parecessem eficazes para quem olhasse de fora, os funcionários da própria NASA sabiam das coisas que aconteciam dentro do laboratório. Segundo o NYT, o artigo do historiador ambiental aponta que, após inspeções e testes, caixas de luvas e autoclaves esterilizantes foram rachadas, estavam vazando ou até mesmo ficaram inundadas.

Um caso que poderia ser ainda mais grave aconteceu semanas após o retorno dos astronautas da Apollo 11, quando 24 funcionários da NASA acabaram expostos ao material lunar do qual a infraestrutura da instalação deveria protegê-los. Por conta disso, todos eles tiveram que entrar em quarentena. Degroot aponta que as falhas foram "amplamente escondidas do público".

A falta de cuidado é corroborada por Jordan Bimm, historiador da ciência da Universidade de Chicago, que não teve envolvimento na pesquisa atual. "Isso acabou sendo um exemplo de teatro de segurança de proteção planetária", comentou.

Até mesmo o retorno dos astronautas da Apollo 11 ao nosso planeta colocou esses cuidados em xeque. Afinal, o veículo espacial foi projetado para ter ventilação durante sua descida. E, assim que a tripulação pousasse no oceano, a escotilha seria aberta. Mas isso aconteceu sem nenhum tipo de prevenção.

Se organismos lunares capazes de se reproduzir no oceano da Terra estivessem presentes, estaríamos fritos", alertou o ex-oficial de proteção planetária da NASA John Rummel.

A probabilidade de organismos lunares existirem e sobreviverem na volta à Terra era mínima, mas caso isso acontecesse, as consequências poderiam ser fatais. Mas a missão Apollo aceitou o risco.

Astronautas da Apollo 11 sendo resgatados por um bote salva-vidas/ Crédito: NASA

O artigo publicado pelo The New York Times aponta que as autoridades, durante a missão Apollo, não apenas pareceram minimizar os riscos como também não foram realmente transparentes sobre eles.

Todos esses erros, que hoje sabemos que não foram fatais como poderiam, devem ser essenciais para as próximas missões da NASA, que pretende trazer amostras de Marte — um planeta muito mais plausível para abrigar vida do que a Lua.

Nick Benardini, atual oficial de proteção planetária da NASA, disse que a agência espacial norte-americana aprendeu muito sobre proteção planetária desde as última cinco décadas. Agora, eles estão construindo proteções desde o começo.

A agência também realiza workshops para entender esses espaços em branco e dúvidas científicas, além de trabalharem para estabelecer um laboratório de amostras em Marte.

Por fim, Benardini declarou que a NASA pretende ser mais direta no que diz respeito à comunicação de risco. "O que está em jogo é a biosfera da Terra".