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Matérias / Personagem

"Tive que trabalhar com metáforas”, diz Capinan sobre censura na ditadura militar

Em entrevista exclusiva ao site Aventuras na História, o grande José Carlos Capinan conta como foi viver em um período onde artistas eram perseguidos

Fabio Previdelli Publicado em 28/02/2021, às 09h00

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Capinan em imagem de Divulgação - Divulgação/ Victor Carvalho
Capinan em imagem de Divulgação - Divulgação/ Victor Carvalho

Com o golpe que derrubou João Goulart, o governo militar assumiu o poder em 1º de abril de 1964. Iniciava-se a ditadura militar no Brasil. Durante duas décadas, vários Atos Institucionais passaram a vigorar, o que fechava cada vez mais o cerco contra opositores do governo autoritário e nacionalista.  

Sob a influência das correntes artríticas da vanguarda e da cultura pop — nacionais e estrangeiras —,surgiu no Brasil um movimento que mesclava tradições da cultura brasileira com inovações estéticas radicas, além, é claro, de manifestações contra a Ditadura. Nascia a Tropicália.  

Superando restrições que os órgãos de informação e repressão impuseram à música, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Torquato Neto, Os Mutantes e Tom Zé subiam nos palcos para expor toda sua indignação da repreensão contra a sociedade que clamava por ser livre.  

Capa do disco Tropicalia ou Panis et Circencis (1968) / Crédito: Divulgação

Dentre os maiores letristas do movimento, podemos destacar José Carlos Capinan. Poeta, o baiano é reconhecido por grandes canções, como “Soy Louco por ti América”, “Gotham City”, “Viramundo”, “Ponteio” e “Papel Machê”. 

Agora, quase quatro décadas depois do fim da ditadura, a história do letrista será contada no documentário "O Silêncio que Canta por Liberdade", que é dirigido por Úrsula Corona e idealizado por Omar Marzagão

A obra, original da Sete Artes Produções (com coprodução da Luni Produções, SUPER 8 e Círculo Filmes), tem previsão de lançamento para o segundo semestre do ano. Em entrevista exclusiva ao site Aventuras na História, Capinan fala mais sobre o projeto e relembra momentos marcantes. Confira! 

Como tudo começou 

“A ideia partiu da Úrsula. Ela que me apresentou essa ideia do documentário”, diz o compositor sobre como surgiu o projeto. “Ela me convenceu que poderia ser uma coisa que interessasse as pessoas. Ainda estou navegando nessa ideia”, brinca. 

Baiano natural de Pedras, no arraial de São José, no interior de Entre Rios, o letrista se admira ao recordar tudo o que viveu, levando uma vida completamente diferente do que a que teria se estivesse em sua terra natal. “Eu me joguei nesse mundo incrível sem escudo algum”.  

José Carlos Capinan e Úrsula Corona // Crédito - Divulgação/ Victor Carvalho

O fato de ter conhecido diversas culturas e regiões, inclusive, é um dos motivos que José Carlos diz ter contribuído para a mobilização de seu trabalho. “É uma coisa muito bacana, importante, que me ajudou muito”.  

Outro ponto crucial que cita são as diversas parcerias que fez ao longo de sua carreira, com os mais diversos músicos. “Foram companheiros de diversas procedências. São verdadeiros casamentos, histórias maravilhosas”. 

Caetano Veloso e Gilberto Gil dividindo o palco em show / Crédito: Getty Images

“Ter parceiros tão urbanos como Gilberto Gil, embora ele tenha uma vivência do interior incrível, é uma mistura muito legal, conta Capinan. “Também tive parceiros que tiveram origem na roça, com valores iguais aos meus, como Geraldinho Azevedo; ou outros com uma carioquice mais estruturada, como o Jards Macalé, enfim, é uma coisa muito interessante, é uma coisa múltipla, com diversas variações. São pessoas incríveis, com personalidades distintas”. 

A luta contra a censura 

O documentário, que será dividido em oito episódios, apresentará diversos documentos originais e imagens de arquivo, que serão intercalados com depoimentos de alguns de seus parceiros, como Gil e Gal Costa

“O Silêncio que Canta por Liberdade” aprofundará, entre outros assuntos, como o compositor fazia para driblar a censura do governo e também falará sobre a perseguição que opositores do governo sofriam por expor ideias e opiniões.  

Militante do Partido Comunista, lembra que viu muito de seus amigos serem presos e torturados. “Muita gente que eu conhecia, que eram meus amigos, colegas, sumiram”, relembra Capinan. “Alguns eu até consegui encontrar depois, mas outros eu jamais vi novamente”. 

Para 'fugir' da perseguição, o letrista teve de sair da casa de seu pai. Depois de São Paulo, ele se mudou para o Rio, onde morou por mais de 10 anos. Durante suas idas e vindas, encontrava tempo para protestar em forma de poesia.  

Imagem de manifestantes durante o período militar / Crédito: Wikimedia Commons

"Quando eu escrevia, tentando passar pela censura, tive que trabalhar com metáforas. É o caso de ‘Soy Loco por ti América’, escrita no dia da morte de Che Guevara”, conta o grande artista. "Apesar da música não falar o nome dele, o cito quando digo ‘El nombre del hombre muerto/ Ya no se pode decirlo, quién sabe?".  

Capinan menciona às estratégias durante o período marcado pela perseguição a músicos.  “Eu também comecei a usar estratégias da linguagem poética para dizer coisas que, em certo ponto, eram fáceis de ficarem subentendidas. Embora muitas interpretações, erroneamente, entendam que ela seja uma homenagem aos Estados Unidos”.  

A sociedade atual 

Com a crescente da onda conservadora no Brasil, além do posicionamento cada vez maior de pessoas que negam a história recente do país — ou até mesmo que vangloriem torturadores e líderes extremistas —, muitas das pessoas que viveram durante a ditadura, passaram a temer com que tudo o que viveram possa se repetir um dia.  

José Carlos Capinan não é diferente, o letrista diz que o elogio ao terror é uma coisa que causa pavor, ainda mais nos dias atuais. “É uma coisa terrível, o elogio à tortura, a dor, é um absurdo contra o outro que pensa diferente”. 

“É uma coisa que me assusta. Eu tenho muito medo do caráter desse tipo de pessoa, principalmente quando elas aprecem tão deslumbradas com o terror ou a dor do outro”, diz José. “Não me parece sadio, é algo doentio. Isso sem falar que é um conceito ultrapassado, já que o mundo vive uma abertura diferente, que abrange outros pensamentos e a pluralidade de estilos de vida", conclui.


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