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Desventuras / 'A Outra História Americana'

A reviravolta na vida do neonazista que inspirou 'A Outra História Americana'

Ex-skinhead, Frank Meeink chegou a fazer parte da Ku Klux Klan, mas mudou de vida e inspirou o filme 'A Outra História Americana'

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 26/03/2024, às 19h00

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Frank Meeink e Edward Norton em 'A Outra História Americana' (1998) - Arquivo Pessoa e New Line Cinema
Frank Meeink e Edward Norton em 'A Outra História Americana' (1998) - Arquivo Pessoa e New Line Cinema

O neonazista da vida real que inspirou o personagem de Edward Norton em 'A Outra História Americana' (1998), mudou de vida completamente após descobrir suas origens através de um teste de DNA. Acontece que Frank Meeink, agora com 48 anos, descobriu ter ascendência judaica. 

No início dos anos 1990, Meeink se tornou líder de um grupo violento de extrema-direita, torturando inimigos que cruzavam seu caminho na tentativa de iniciar uma guerra racial. Com uma suástica tatuada em seu pescoço, ele acreditava que os judeus eram a "raiz de todo o mal". 

Sua história inspirou a criação do personagem Derek Vinyard, vivido por Norton — que foi indicado ao Oscar pelo papel. Entretanto, Frank mudou completamente de vida após a reviravolta surpreendente.

Uma nova vida

Segundo aponta matéria publicada pelo New York Post, muito tempo após abandonar o neonazismo e tentar reparar seu passado, Frank Meeink resolveu fazer um teste de ancestralidade após um amigo dizer, em um comentário casual, que ele "parecia um judeu". 

Eu só queria ver se era verdade, queria ver se era real", disse Meeink em entrevista ao veículo. "Descobri por um lindo presente de Deus que era judeu através do DNA".

Conforme os resultados do teste, Meeink tinha 2,4% de judeus Ashkenazi — o termo vem de uma palavra em hebraico que quer dizer Alemanha e se refere aos judeus da França e Alemanha que eram considerados um povo 'isolado' — em sua composição ancestral. 

A taxa é referente a uma pessoa importante de sua árvore genealógica: sua bisavó materna, Elizabeth Zellman Rementer. Assim, seguindo a tradição da descendência matrilinear, ele também é judeu. Vale ressaltar que nem todos os estudiosos judeus aceitam essa definição, mas muitos o fazem — assim como Meeink aceitou suas origens. 

Seguindo as tradições de seu povo, Frank reza três vezes ao dia usando o talit e tefilin dos judeus praticantes. Ele também frequenta sinagogas, participa três vezes por semana de aulas de estudo da Torá e mantém uma alimentação baseada na dieta kosher.

Preconceito

Frank Meeink cresceu em um enclave católico irlandês no sudoeste da Filadélfia com sua mãe e seu padrasto abusivo, cercado por famílias negras. Sua vida — e ideologia — começou a mudar aos 13 anos, quando passou a morar com seus tipos em Lancaster, na Pensilvânia, onde vivia seu primo neonazista que tinha um mural de Adolf Hitler em seu quarto. 

Frank Meeink na adolescência - Arquivo Pessoal

Durante o período, ele desenvolveu um 'temor' pelas pessoas negras. "[O grupo skinhead do meu primo] justificou todos os meus medos", disse ainda ao NY Post. 

Ao voltar para casa, passou a viajar pelos Estados Unidos se encontrando com proeminentes neonazistas, o que incluiu David Duke — que fez com que ele ingressasse, aos 15 anos, na Ku Klux Klan

Me agarrei nesta informação que me estava sendo transmitida. Eu queria tornar esse movimento ainda maior", disse. 

No entanto, logo expulso da KKK e criou seu próprio grupo com seu primo, o Strikeforce. Usando a Bíblia para pregar o ódio, ele começou seu próprio programa de televisão por cabo de acesso público em Springfield, Illinois, que se chamava 'O Reich', onde apresentava "esquetes e piadas" racistas.

A prisão

Frank acabou preso aos 17 anos, por sequestro agravado. Com a tatuagem 'sharp killer' (ou 'assassino afiado', em tradução livre) em seu lábio inferior, ele convidara um membro do grupo para uma festa na véspera do Natal de 1992. A vítima, porém, acabou mantida em cativeiro e torturada. 

"Então nós o sequestramos, usamos armas de fogo — tínhamos armas e outras coisas. Fizemos com que ele ficasse no apartamento e o torturamos por horas sem remorso, sem empatia, sem nada", lembrou.

Sob custódia no Departamento de Correções de Illinois, ele passou a uma mudança em sua vida quando se uniu a dois presidiários negros, Jello e G, durante partidas de futebol americano no pátio da prisão. Sua jornada de arrependimento do neonazismo ajudou a inspirar o personagem de Norton

Quando saiu da prisão, pouco mais de um ano depois, continuou participando de comícios neonazistas, aponta o New York Post, mas passou a zombar do racismo dos grupos — embora ainda mantivesse seus ideais antissemitas. 

Quis o destino que, em 1994, Frank, então com 19 anos, fosse acolhido por Keith Brookstein. Ele ofereceu trabalho em sua loja de antiguidades em Nova Jersey. Brookstein, no caso, era judeu. 

Frank Meeink com Keith - Arquivo Pessoal

"Você contou a ele sobre mim; sobre a suástica?", indagou ao amigo que havia lhe conseguido a vaga de emprego. "Keith não dá a mínima para o que você acredita, apenas não quebre a mobília dele", respondeu.

A predisposição para perdoar fez com que Frank passasse a refletir sobre seus atos. Ele passou a se questionar sobre seu antissemitismo: "Quem é você para julgar o mundo? Você é um criminoso, um bêbado…. Esse foi o dia em que eu pensei: 'Acabou. Estou fora'". 

Na manhã seguinte, pela primeira vez em anos, Meeink não raspou a cabeça. Mais tarde, ele ainda removeu sua tatuagem da suástica e tirou a palavra 'skinhead' que estava tatuada nos nós de seus dedos. 

Frank passou a se tornar um ativista ativo contra o neonazismo, embora sua adesão ao judaísmo só tenha ocorrido, de forma significativa, mais tarde. Ele acredita que sua fé o ajudou a superar o momento mais sombrio de sua via. 

Em 2019, Frank Meeink esteve internado em Los Angeles para superar não só seu vício em álcool e drogas, mas também a perda de seu filho Josh, de apenas 19 anos; de sua mãe Thomasine, devido a uma overdose de fentanil; e ao colapso de seu casamento. Tudo isso em um período de apenas cinco anos.

Por lá, ele conheceu seu 'padrinho', um judeu que o apelidou de "rabino da recuperação". "Deu muito trabalho", recorda. 

Frank diz que a fé lhe concedeu a humildade e o permitiu a ajudar e defender os outros. "Na minha caminhada matinal de oração, continuo dizendo a palavra 'stay'. S-T-A-Y. 'Stop thinking about yourself' [ou 'pare de pensar em você mesmo', em tradução livre]".

Agora, Frank Meeink espera transformar a história completa de sua vida em um filme que seria a continuação de 'A Outra História Americana', já em negociações com o diretor Sam French — indicado ao Oscar em 2013 pelo curta 'Buzkashi Boys'.

O amor é mais poderoso que o ódio", diz sobre a mensagem e essência que deseja passar com a produção.