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Desventuras / Van Gogh

Amores imperfeitos: Conheça a vida íntima de Van Gogh

Sem nunca ter sido reconhecido por sua arte, Vincent van Gogh também enfrentou outra decepção em vida: nunca conseguiu se apaixonar 'verdadeiramente'

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 03/03/2024, às 00h00 - Atualizado em 15/04/2024, às 17h48

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Autorretrato com Chapéu de Palha - Van Gogh Museum
Autorretrato com Chapéu de Palha - Van Gogh Museum

"Penso que não há nada mais artístico do que amar verdadeiramente as pessoas", disse Vincent van Gogh, certa vez, de sua visão sobre paixão. Gênio problemático que jamais foi reconhecido, em vida, por sua arte, o holandês também nunca conseguiu se apaixonar 'verdadeiramente'. 

Algumas mulheres passaram pela vida de Van Gogh, é verdade. E muitas de suas relações ele transformou em arte. Mas, nada foi suficiente o quanto ele merecia. Incompreendido na profissão e no amor, o pintor terminou só. Embora jamais tenha sido sozinho. 

É difícil dizer por quais motivos as coisas não deram certo para Vincent em sua vida. A paixão que pulsava em seu coração percorria pelas pontas dos seus dedos e pelo brilho de seus olhos. Acontece que só não foi correspondida! 

Em sua visão, havia dois tipos de mulheres: as senhoras que ocupavam a mesma classe social, a quem ele via como "seres superiores", aponta o Van Gogh Museum. E também aquelas de níveis mais baixos na escala social, por quem ele simpatizava ainda mais. 

Ambas são recorrentes em sua vida amorosa, muitas vezes idealizadas pelo pintor, é verdade. Seu amor nasceu, geralmente, de um sentimento de pena e empatia pelo próximo. Van Gogh sempre pareceu dar muito mais do que ele também precisava receber. 

Mas, por quem Vincent se apaixonou? Conheça os quatro amores que marcaram a vida do pintor!

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Kee Vos-Stricker

A primeira grande paixão de Van Gogh aconteceu no verão de 1881, quando o pintor holandês se hospedou com seus pais em Etten. Com 28 anos, ele havia se encantado com sua prima Kee Vos-Stricker — que acabara de ficar viúva. 

O sentimento unilateral surgiu aos poucos e logo ficou fora de seu alcance. A paixão platônica foi confidenciada em carta enviada ao seu irmão. Conforme resgata o livro 'Cartas a Theo' (Editora 34), Vincent escreveu em 3 de novembro de 1881:

"Meu caro Theo, 

Há uma coisa no meu coração que quero contar a você. Talvez você já saiba algo sobre isso e o que vou lhe contar não seja novidade. 

Eu queria lhe dizer que neste verão passei a amar tanto Kee Vos que não consigo encontrar outras palavras além de ‘é como se Kee Vos fosse a pessoa mais próxima de mim e eu fosse mais próxima dela’ e — eu disse essas palavras a ela. Mas quando eu disse isso, ela respondeu que seu passado e seu futuro permaneciam os mesmo para ela e que, portanto, ela nunca poderia corresponder aos meus sentimentos. 

Fiquei, então, num terrível dilema a respeito do que fazer, me resignar em relação a esse não, nunca, jamais, ou — não tratar o assunto como decidido e encerrado, e manter a coragem e não desistir ainda. 

Escolho a última opção. — E até agora não me arrependi da decisão, embora ainda esteja confrontado com esse não, nunca, jamais…".

Conforme aponta artigo do Van Gogh Museum, embora não correspondido, o pintor ainda procurou Kee em sua casa em Amsterdã no final daquele ano. Mas nada adiantou, ela não queria vê-lo. 

Kee Vos-Stricker e seu filho - Domínio Público

Os pais de Vincent, assim como o resto de sua família, acreditavam que o sentimento por sua prima eram inapropriados. Isso o deixou terrivelmente chateado: "[Kee] é e continuará a ser uma ferida que vivo acima, mas que está lá no fundo e não pode curar", escreveu anos depois a Theo.


Sien Hoornik

No ano seguinte, enquanto vagava pelas ruas de Haia, Vincent van Gogh se encantou por Clasina Maria Hoornik, também conhecida como Sien. Prostituta, a bela mulher estava grávida e havia sido abandonada pelo pai de seu filho, vivendo nas ruas.

Doente, fraca e com complicações por questões pós-operatórias e devido às doenças venéreas — visto que havia encontrado na prostituição uma "acomodação", como ela própria descreveu —, a mulher foi acolhida pelo pintor e passou a morar com seus filhos em seu apartamento. 

Eles foram felizes por um tempo, mas seus sentimentos por Sien nunca foram tão fortes quanto por Kee. Em uma carta escrita entre os dias 1 e 2 de junho de 1882, Vincent diz para Theo

Meus sentimentos por ela [Sien] são menos apaixonados do que meus sentimentos no ano passado por Kee Vos, mas um amor como o meu por Sien é o único tipo de que sou capaz. Ela e eu somos dois infelizes que fazemos companhia um ao outro e carregamos juntos o fardo, e é assim que a infelicidade se transforma em felicidade e o insuportável se torna suportável". 

Um exemplo da miséria moral e física, ela se tornou sua musa inspiradora, sendo retratada na litografia chamada 'Sorrow' ('Tristeza', em tradução livre). Na obra, feita a lápis em novembro de 1882, o pós-impressionista holandês retrata uma mulher nua que está agachada com os braços apoiados em seus joelhos e cobrindo o rosto. Uma clara representação da melancolia. 

Sorrow, litografia de Van Gogh - Domínio Público

Mais do que inspiração, Sien compartilhou com Van Gogh uma propensão ao alcoolismo e a depressão. A família de Vincent, porém, o pressionou para encerrar o relacionamento. Tanto seus pais quanto Theo desaprovavam que o casal estivessem sob o mesmo teto sem o casamento, principalmente porque Sien era uma mulher de classe social mais baixa e por seu trabalho. 

Embora fossem porto-seguro um do outro em momentos de tristeza, o casal acabou se separando 18 meses depois; além da oposição da família à relação, a falta de apreço da mulher pela arte e literatura os colocou em caminhos diferentes. Apesar disso, dois filhos de Sien acabaram enviados para familiares de Van Gogh, que assumiram suas guardas. 


Margot Begemann

Aquela altura, os pais de Vincent, Anna Cornelia Carbentus e o pastor da Igreja Reformada Holandesa, Theodorus van Gogh, já se preocupavam com a intensa vida amorosa do filho. 

Estavam desconfortáveis com o fato de Kee Vos-Stricker ser sua prima e Sien uma prostituta abandonada. Quando tudo acabou, eles mal puderam respirar aliviados: o pintor se apaixonou por outra escolha considerada "duvidosa", segundo repercute o Van Gogh Museum. 

Margot Begemann - Van Gogh Museum

Quando tinha 30 anos, em 1884, Van Gogh passou a morar com seus pais em Nuenen, mesmo período em que se envolveu com sua vizinha, Margot Begemann — considerada uma mulher mentalmente instável. 

Theo, sinto muita pena dessa mulher…", começou Van Gogh em 2 de outubro de 1884, "... precisamente porque sua idade e, possivelmente, um distúrbio no fígado e na vesícula biliar estão pairando de forma tão fatal sobre sua cabeça. E isso é agravado pelas emoções. Ainda assim, veremos o que pode ser feito ou o que o destino tornou impossível. Mas não farei nada sem um médico muito bom, por isso não farei nenhum mal a ela".

A paixão por Begemann foi outro amor que surgiu, na maioria, por empatia a sua trágica história. Vincent tinha a intenção de se casar com Margot, mas as irmãs dela e os pais dele se opuseram à união. Ninguém, achava que o casal combinava. 

O caso terminou de forma dramática: quando Begemann soube que sua família era contra a relação, tentou se matar. Ela acabou sobrevivendo. Mas o amor estava aquém de qualquer resistência.


Agostina Segatori

Van Gogh sempre demonstrou dificuldade em ficar sozinho, muitas vezes ansiava por uma esposa e uma família. Entretanto, permaneceu solteiro. Seu infortúnio no amor continuou até em Paris, onde se mudou quando tinha 32 anos, em 1886. 

Também conhecida como a 'Cidade do Amor', a capital francesa não foi capaz de mudar os rumos do coração de Vincent. Ainda assim, por lá, ele conheceu Agostina Segatori — italiana proprietária do restaurante Le Tambourin, no Boulevard de Clichy. Os dois tiveram um relacionamento e, segundo Paul Gauguin, amigo de Vincent, ele estava profundamente apaixonado por ela.

Para ela, Van Gogh até dedicou um quadro 'No Café: Agostina Segatori em Le Tambourin', onde a mulher aparece sentada em um banquinho perto de uma mesa em formato de pandeiro. Na mesa, há um copo de cerveja, enquanto Agostina segura um cigarro aceso. 

No Café: Agostina Segatori em Le Tambourin - Domínio Público

Aquela época, aponta o Van Gogh Museum, o café era extremamente popular entre os artistas, que exibiam seus trabalhos por lá — como foi o caso do próprio pintor holandês. Sobre a relação, ninguém sabe como terminou, apenas que durou poucas semanas. 

Em 'Cartas a Theo' (Editora 34), Vincent van Gogh escreve sobre a relação em carta escrita para Theo entre 23 e 25 de julho de 1887: 

"Quanto a Segatori, é toda uma questão, ainda tenho afeições por ela e espero que ela também ainda tenha por mim. 

Mas agora que ela está em uma posição difícil, ela não é livre nem dona da própria casa, sobretudo está doente e sofre. Embora eu não vá dizer isso em público — tenho para mim a convicção de que ela fez um aborto (a menos que tenha tido uma falsa gravidez) — seja como for, no caso dela, eu não a culparia,

Em dois meses ela vai estar recuperada, e espero, e talvez ela reconheça que eu não a incomodei…".

Além do quadro já citado, no período em que se encontravam, Vincent realizou diversas pinturas de casais em momentos de paixão, sendo 'Jardim com Casais Namorando' uma das mais expressivas entre elas. A tela mostra uma visão romântica do pequeno parque da Square Saint-Pierre. Muito se especula se o homem de bata azul e chapéu de palha ao lado da mulher da sombrinha seria o próprio Van Gogh

Jardim com Casais Namorando - Domínio Público

Depois de tantas tentativas frustradas, Vincent van Gogh parece ter aceitado que, talvez, não teria mesmo sorte no amor. Ou que, ao contrário de sua mais icônica pintura, sua forma de amar não se resumia 'apenas' uma bela noite estrelada. 

Sem esperança de acalentar seu coração, ele, ainda assim, encontrou a paz. Ao se mudar para o sul da França, descobriu seus "amores correspondidos": a arte, a natureza e seu irmão Theo. Justamente, esta fase se tornou um dos seus períodos mais produtivos como artista.

Como disse certa vez: "O amor é eterno — a sua manifestação pode modificar-se, mas nunca a sua essência… através do amor vemos as coisas com mais tranquilidade, e somente com essa tranquilidade, um trabalho pode ser bem-sucedido".