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Matérias / Ditadura Militar

Antro da Ditadura: O que revelaram as escavações no DOI-Codi de São Paulo?

Entre possíveis mancha de sangue e sinais da resistência, as marcas que revelam o passado do centro de torturas da Vila Madalena

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 14/08/2023, às 20h00

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Registro das escavações no DOI-Codi em São Paulo - Reprodução/Vídeo/G1
Registro das escavações no DOI-Codi em São Paulo - Reprodução/Vídeo/G1

Em 26 de junho de 1969, uma cerimônia inaugurou, de forma não oficial, a Operação Bandeirantes (Oban). No auge da Ditadura Militar, a Oban serviria para fechar o cerco contra organizações revolucionárias de esquerda — armadas ou não.

Criada em caráter experimental, a Operação Bandeirantes operou, inicialmente, como um órgão clandestino. No ano seguinte, o sucesso em suas operações, aponta o Memorial da Resistência SP, serviu para a estrutura nacional de repreensão.

Rua Tomás Carvalhal, 1030, fundos da 36ª Delegacia de Polícia, onde funcionava a Oban/ Crédito: FrancisW via Wikimedia Commons

Surgia assim o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), que era comandado pelo Exército — que ordenava a captura, investigação e interrogatórios de suspeitos.

O DOI-Codi de São Paulo, sediado na Vila Madalena, Zona Sul da capital, foi um dos centros mais cruéis de tortura e assassinato de civis, muitos dos quais desapareceram forçadamente e jamais foram encontrados.

Segundo reportado pela Folha de São Paulo, cerca de 7 mil pessoas ficaram presas no DOI-Codi, na Rua Tutóia, entre 1969 a 1983. Estima-se que entre 52 e 79 pessoas morreram por lá durante o período.

As escavações

Desde o dia 2 de agosto até a tarde desta segunda-feira, 14, escavações foram feitas no local por profissionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Por lá, pesquisadores encontraram material biológico, que pode ser sangue, e inscrições que podem ser a marcação de um calendário, além da descoberta de outros objetos que ajudam a contar o passado do espaço.

É a primeira vez que trabalhamos ao mesmo tempo com três linhas da arqueologia: a das escavações, a forense — que permite que o investigador busque informações que podem ser usadas judicialmente— e a pública, voltada para a divulgação do trabalho", explica Deborah Neves, pós-doutoranda em história pela Unifesp e coordenadora do projeto, à Folha.

Ao trabalhar nestas três vertentes, o estudo entra numa frente inédita no país que diz respeito às investigações de centros de repressão — o que pode contribuir, inclusive, com o achado de vestígios que podem ser usados em processos judiciais.

Na antiga sede do DOI-Codi foram encontrados solas de sapatos, botões de camisas, vidros de colônia, papéis de bala e até mesmo material biológico — que pode ser sangue — em algumas salas.

Registro das escavações no DOI-Codi em São Paulo /Crédito: Reprodução/Vídeo/G1

Conforme explica ao G1 a arqueóloga forense Claudia Plens, os vestígios foram encontrados em duas salas do primeiro andar através do uso de uma substância demarcadora chamada Luminol — que reage ao entrar em contato com outras substâncias metálicas, sejam orgânicas ou não.

A hipótese de ser sangue se deve ao ferro encontrado nas hemoglobinas, que em reação com o Luminol emite luz em um processo chamado quimioluminescência. A confirmação, porém, só será determinada em uma análise laboral feita pela Unifesp.

No primeiro andar também foram encontradas inscrições em um banheiro que podem ter sido feitas como um calendário, indicando dia, mês e ano. Entretanto, ainda não foi possível estabelecer o ano exato do período marcado. Mas estima-se que sejam marcas associadas a símbolos de resistência das pessoas que por lá passaram.

Descoberta feita durante escavações no DOI-Codi em São Paulo /Crédito: Reprodução/Vídeo/G1

Andres Zarankin, coordenador da equipe de escavações, aponta que entre 350 e 400 objetos foram achados no local, o que inclui um vidro de tinta para caneta e carimbo — usado no fichamento dos sequestrados.

Elementos que por si só talvez não sejam muito, mas quando a gente associa com as histórias que temos dos próprios prisioneiros, ganham outro significado", diz

Dentro do DOI-Codi

Em março de 2021, Adriano Diogo, que presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva, concedeu uma entrevista exclusiva à equipe do site do Aventuras na História, onde relembrou sua prisão no DOI-Codi.

"Eu fui preso no dia 17 de março [1973], às 11 horas da manhã, na minha casa, no meu pequeno apartamento na Mooca, onde eu morava com a minha esposa, Arlete", relembrou.

Diogo ainda contou que o motivo de sua prisão jamais foi revelado, embora alguns militares tenham lhe dito que foi em virtude dele pertencer ao movimento estudantil. Na ocasião, Adriano pontuou que os militares estavam escondidos em um caminhão da Folha de São Paulo.

Adriano Diogo (esq.), aos 18 anos, durante passeata em São Paulo, em 23 de julho de 1968/ Crédito: Divulgação/ Arquivo Pessoal

Encapuzado, ele foi levado ao DOI-Codi enquanto era constantemente agredido pelos militares dentro de um veículo. "Chegando lá, passei por um corredor polonês antes de ser recebido pelo então coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Naquela época ele ainda era Major".

Antes de ser preso, Adriano relembrou que um de seus colegas de classe na Geologia da USP, Alexandre Vannucchi Leme, também tinha sido capturado pelos militares. "Ele [Ustra] falou que meu colega de classe, Alexandre, tinha acabado de morrer. Ele morreu lá dentro das dependências do DOI-Codi, na cela-forte. Me contou que estava estrebuchando em sangue."

Ustra me disse que havia mandando o Alexandre para a Vanguarda Popular Celestial, ou seja, que tinha mandado ele para o céu e que eu iria ter o mesmo destino que ele", narra.

Relembre a entrevista completa de Adriano Diogo ao Aventuras na História clicando aqui!