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Matérias / Chumbo

Chumbo: Roberto Drummond inspira sobrinho em graphic novel sobre a ditadura militar

Escrita pelo francês Matthias Lehmann, graphic novel 'Chumbo' foi lançada em memória aos 60 anos do golpe militar; confira entrevista com o autor!

Éric Moreira Publicado em 24/03/2024, às 10h00

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Emblemática fotografia de manifestação estudantil na Ditadura Militar, e capa de 'Chumbo' - Domínio Público via Wikimedia Commons / Divulgação/Nemo | Grupo Autêntica
Emblemática fotografia de manifestação estudantil na Ditadura Militar, e capa de 'Chumbo' - Domínio Público via Wikimedia Commons / Divulgação/Nemo | Grupo Autêntica

Em memória aos 60 anos do golpe que deu início à ditadura militar no Brasil (1964 - 1985), um dos períodos mais sombrios de nossa história, a Editora Nemo, do Grupo Autêntica, lançou a graphic novel 'Chumbo'. Escrita pelo francês de família brasileira Matthias Lehmann, a obra acompanha a família Wallace desde os anos 1930, passando pelo desenrolar do regime militar e até a redemocratização em 1985.

Ao longo da trama, é abordado não só o cenário político da época, mas também as desigualdades do Brasil, os traços culturais e comportamentais daquela sociedade, a relação entre classes sociais, e outros temas. Tudo isso em uma complicada trama familiar escrita por Matthias, que é sobrinho do escritor e jornalista Roberto Drummond.

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Capa de 'Chumbo' / Crédito: Divulgação/Nemo | Grupo Autêntica

Lehmann forneceu uma entrevista ao site Aventuras na História, na qual falou mais sobre sua criação e suas intenções por trás. Confira!

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Interesse no Brasil

Lehmann explica que sempre quis escrever uma história ambientada no Brasil, e sua família seria um bom ponto de partida.

"Acima de tudo, pus certos traços de caráter de meus tios e tias em alguns de meus personagens e, claro, em um certo número de eventos", afirma ele sobre a obra, que é ficcional. 

"Além da família, queria também falar sobre a história política do país. Tanto para mim, para me incentivar a aprender mais nesse assunto, mas também para os diferentes públicos do livro. Na França, quis dar a conhecer outro Brasil, longe dos clichês habitualmente conhecidos por aqui."

Um personagem de destaque em 'Chumbo' é Severino, jornalista, escritor e militante de esquerda. E, parcialmente, teve sua personalidade inspirada no tio de Lehmann, o também escritor e jornalista Roberto Drummond. Porém, o autor reafirma que "Severino não é Roberto".

"Roberto foi de fato comunista na sua juventude, mas, que eu saiba, nunca foi envolvido na luta armada. [...] Talvez o principal ponto comum seja que os dois, de um certo modo, reproduziram o padrão social e familiar do qual queriam escapar na juventude", afirma.

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Manifestação estudantil em 1968 contra a Ditadura Militar / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Foco na História

Segundo Lehmann, um elemento gráfico importante na concepção de 'Chumbo' é o fato de ser em preto e branco. Isso porque, além de sua técnica preferida, ele "não quis usar cor porque o público francês já tem uma imagem muito 'colorida' do Brasil: futebol, Carnaval, tropicalismo, etc."

Eu queria que eles se concentrassem na história, e a história é sombria em muitos aspectos, então preto e branco é perfeito para transmitir isso."

Além disso, graças às pesquisas sobre a arte e a cultura brasileira, Lehmann chegou a representar algumas referências em sua graphic novel: "De repente, os personagens vão viajar no meio de um quadro de Guignard ou a gente vê um Portinari pendurado na parede, uma cadeira da Lina Bo Bardi na sala, um disco do João do Vale num canto, numa outra sequência meu desenho vai tentar parecer com as pinturas de Tarsila do Amaral, etc."

Ainda sobre o trabalho das ilustrações, ele acrescenta: "Para mostrar as tensões políticas e os grandes acontecimentos, muitas vezes me inspirei em fotos emblemáticas da época para que o leitor saiba intuitivamente do que se trata. Até copiei as cenas de manifestações quase exatamente ao milímetro; na verdade, tive que colocar óculos quando cheguei na metade do livro, porque minha visão estava piorando!"

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Duas páginas de 'Chumbo' / Crédito: Divulgação/Nemo | Grupo Autêntica

Expectativas 

O autor de 'Chumbo' também conta que considera o lançamento da obra no Brasil importante, pois, faria parte "de um movimento global de pessoas que querem combater o revisionismo que o período Bolsonaro autorizou e até generalizou, com todos os seus excessos e consequências, principalmente a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023 e a multiplicação de fake news."

Nesse sentido, além do trabalho artístico, que é obviamente preponderante, esse livro também é uma espécie de 'gesto cívico'. Não tenho muitas outras formas de fazer valer minha cidadania brasileira no dia a dia, dada a distância", inclui.

Lehmann também espera que sua obra contribua para a compreensão e reflexão acerca da Ditadura Militar entre os brasileiros. "Na medida em que o livro não hesita em esclarecer e recordar coisas que são, no entanto, óbvias, documentadas e indiscutíveis (pelo menos seriam, num mundo ideal), que provam que nada justifica o golpe de Estado de 1964 e acima de tudo, nada justifica a sistematização da tortura e da repressão que o acompanhou e o seguiu."

Contar isso atraves de uma saga, de ficção familiar, permite criar outros vínculos com os leitores, uma outra dramaturgia e, idealmente, uma forma de identificação também. Trata-se também de mostrar que a polarização dentro de uma sociedade não ocorre naturalmente, somos pressionados a nos posicionar, por diversos meios, sociais, políticos, econômicos, etc", finaliza.

Sobre o autor

Matthias Lehmann é um quadrinista, pintor e ilustrador franco-brasileiro. Em meados dos anos 1990, começou a publicar fanzines autoproduzidas com linóleo. Seu apego a essa técnica marca a estética do seu trabalho. Além de fazer desenhos com caneta, pinta e destaca-se pelo domínio da raspagem, que utiliza em ilustrações, nas histórias em quadrinhos e em grandes formatos para exposições.

Matthias Lehmann / Crédito: Blaise Harrison

É autor de vários álbuns de HQs, entre os quais estão Le Gumbo de l'Année (Les Requins Marteaux, 2002), L'Étouffeur de la RN115 (Actes Sud, 2006), Personne ne sait que je vais mourir (l'Association, 2016) e La Favorite (Actes Sud, 2015), que lhe rendeu uma nomeação para a seleção oficial do Festival de Angoulême em 2016. Paralelamente, publica regularmente ilustrações na imprensa, em veículos como Libération, Le Monde des Livres e Siné Mensuel, e contribui também para antologias como Comix 2000, Lapin e Dirty Stories.