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Matérias / 'Bella Ciao'

Como a Segunda Guerra deu novo significado para a música ‘Bella Ciao’

Na resistência contra o fascismo, a música italiana ganhou um novo significado

Ricardo Lobato Publicado em 13/08/2023, às 19h00 - Atualizado em 15/08/2023, às 19h25

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Campo com soldados da Segunda Guerra - Domínio Público
Campo com soldados da Segunda Guerra - Domínio Público

Quando se fala de conflitos que mudaram o mundo, todos os aspectos sociais devem ser analisados, inclusive aspectos sociais. Dessa vez, trataremos sobre uma música específica que se tornou símbolo de resistência e é muito entoada mundo a fora: ‘Bella Ciao’. Recentemente o cântico ganhou as telas como um dos temas da aclamada série ‘A Casa de Papel’, da Netflix. E mais recente ainda foi sua aparição nos telejornais, em comícios e discursos contra a atual primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, sempre em tom de protesto.

Imagem da série 'La Casa de Papel' - Crédito: Divulgação / Netflix

Mas, afinal, o que une uma série televisiva e uma premiê do século 21 a uma canção de quase cem anos? Pois bem, a resposta está, como sempre, na História. ‘Bella Ciao’ se notabilizou como “o hino da resistência antifascista italiana” no final da Segunda Guerra Mundial.

Para entender isso, é preciso avaliar o contexto (peculiar) da Itália durante o conflito: o país entrou na guerra em 1940 do lado do Eixo; sofreu uma série de reveses no campo de batalha; foi invadido em 1943 pelos Aliados – com o ditador fascista Benito Mussolini sendo deposto –; mudou de lado, passando a combater a Alemanha; foi invadido pelos nazistas e se viu completamente livre apenas com a capitulação de Berlim e o fim da Segunda Guerra em maio de 1945.

O sul da Itália pode ter sido libertado pelos Aliados em 1943, mas, com a guerra se alongando por mais dois anos, o norte do país permaneceu sob controle nazifascista. Neste cenário, foram os próprios italianos que pegaram em armas contra a extrema direita. Os chama dos partisans (guerrilheiros) aterrorizavam a retaguarda do inimigo e combatiam de igual para igual uma força extremamente bem treinada, como eram as tropas do Eixo. Entretanto, no contexto italiano, os partisans possuem um significado diferente.

Se na União Soviética e na Iugoslávia o termo era usado para designar os guerrilheiros comunistas/socialistas, na Itália, servia para agregar praticamente todos os italianos, incluindo homens, mulheres e, por vezes até crianças, que pegavam em armas contra as forças de Mussolini e os alemães.

Os partisans

Os partisans italianos eram democratas cristãos, comunistas, socialistas, monarquistas, republicanos e tantos outros que se empenhavam em libertar a Itália. E é nesse contexto que surge ‘Bella Ciao’. A canção era “neutra”. Ao contrário de outras, como ‘Fischia il Vento’ (Sopra o vento, em tradução livre), que possui uma ideologia presente – sendo, sobretudo, entoada pelos partisans comunistas e garibaldinos –, ’Bella Ciao’ tem um forte apelo popular, pois fala da natureza, do amor e do trabalho no campo, mais especificamente nos arrozais (que, por sinal, têm uma influência direta em sua origem).

O fato é que ninguém sabe precisar como exatamente a canção surgiu ou quem a originou, tendo apenas a concordância de que a versão dos partisans é uma adaptação de cantos populares entoados durante o trabalho das Mondine, as trabalhadoras rurais temporárias, em geral provenientes da Emilia Romagna e do Veneto, que se deslocavam para as plantações de arroz.

Na Primeira Guerra Mundial, travada pela Itália principalmente em sua fronteira Norte (contra a então Áustria Hungria), “um esboço” de ‘Bella Ciao’, adaptado destes cânticos rurais, era cantado pelos soldados.

E no contexto de resistência ampla contra o fascismo na Segunda Guerra, ganhou sua versão atual, adquirindo o significado de “canção da liberdade”. Do ponto de vista sociocultural, é interessante pensar na força de uma canção, cujas origens no trabalho simples, conseguiu atravessar duas guerras mundiais e se firmar como um ícone cultural.

É por isso que, nos dias de hoje, ‘Bella Ciao’ é representada como um “hino antissistema” – como no caso de ‘A Casa de Papel’ –, ou entoada como uma forma de pro testo, como pelos opositores da premiê italiana(que vem de um partido de direita).

Apesar de a letra apresentar um fim melancólico para o destino do narrador, nos mais de 40 idiomas para os quais já foi traduzida, e nos diferentes ritmos em que foi adaptada, a essência permanece inalterada. O sacrifício por algo em que acredita faz com que feitos heroicos, como a luta pela liberdade face à opressão, adquira contornos de simplicidade – algo tão essencial em um mundo em reconcerto.