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Matérias / O.J. Simpson

Em julgamento de O.J. Simpson, detetive foi comparado a Hitler: "racista genocida"

Responsável por encontrar luva com sangue de Nicole Brown e Ron Goldman na casa de O.J., Mark Fuhrman se tornou arma para acusação e trunfo para a defesa

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 10/03/2024, às 15h00 - Atualizado em 11/04/2024, às 12h31

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O.J. Simpson durante seu julgamento - Getty Images
O.J. Simpson durante seu julgamento - Getty Images

Nicole Brown Simpson foi esfaqueada sete vezes no pescoço e sofreu um corte profundo na garganta  na noite de 12 de junho de 1994. Seu corpo estava deitado em posição fetal no jardim de sua casa em South Bundy Drive em Brentwood, Los Angeles (Califórnia).

No endereço, em que ela vivia com seus dois filhos, também foi encontrado corpo do garçom Ron Goldman, amigo de Nicole. A cena brutal só foi descoberta horas depois, por volta da meia-noite do dia 13. 

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Segundo artigo do Los Angeles Times, Robert Riske e seu parceiro foram os primeiros policiais a chegarem ao local. Por lá, eles encontraram uma luva esquerda de couro ensanguentada. 

Por ser ex-esposa do ídolo do futebol americano Orenthal James Simpson, conhecido popularmente como O.J. Simpson, uma equipe foi até a casa do ex-astro da NFL para avisá-lo pessoalmente sobre o óbito de Nicole

Várias gotas de sangue foram encontradas no Ford Bronco branco do atleta, que estava estacionado no local; já nos arredores da propriedade foi localizado a mão direita da luva de couro — que, segundo testes de DNA, estava encharcada com sangue de ambas as vítimas. 

A prova era contundente e parecia ser questão de tempo para que O.J. fosse considerado culpado pelos crimes. Mas uma coisa mudou o cenário completamente: o passado de Mark Fuhrman

As investigações 

Ex-detetive do Departamento de Polícia de Los Angeles (LAPD), Fuhrman e o seu superior, Ronald Phillips, foram os primeiros detetives a chegarem na cena do crime; mas pelo menos 14 oficiais já haviam passado pela South Bundy Drive desde Riske

Por já conhecer O.J. e Nicole, devido ao histórico de violência doméstica do ex-atleta, Mark foi ordenado a informá-lo pessoalmente sobre os assassinatos. Após detectar sangue no carro de Simpson, ele e seu parceiro, Brad Roberts, tentaram contato com alguém dentro da residência. 

Sem respostas, e também se mandado de busca, Fuhrman pulou o muro da propriedade — o que mais tarde ele 'justificou' que foi devido à preocupação de que O.J. pudesse estar ferido por lá. 

Mark Fuhrman - Concreteloop2 via Wikimedia Commons

Na casa de hóspedes, os detetives encontraram Kato Kaelin, amigo do ex-atleta, que relatou ter ouvido sons de murro no início da noite. Após uma ronda pelo local, Mark encontrou a tal luva pelo jardim. 

Embora tivesse viajado para outro estado, O.J. foi informado sobre o acontecido e voltou horas depois para a Califórnia. Ele acabou preso preventivamente em 17 de junho e, no dia 8 do mês seguinte, uma audiência preliminar determinou que havia provas o suficiente para levar Simpson para julgamento — que começou em 24 de janeiro de 1995 e se arrastou até o dia 3 de outubro do mesmo ano. 

Testemunha contestada 

Um mês após a prisão de O.J. Simpson, o advogado Jeffrey Toobin escreveu um artigo para a revista The New Yorker revisitando o passado de Mark Fuhrman. Nos anos 1980, o detetive havia sido descrito como "perigosamente desequilibrado" e havia suspeita de que ele tinha fingido problemas mentais para se aposentar do LAPD e ganhar uma pensão. 

A partir daí, a defesa de Simpson passou a alegar que o ex-atleta havia sido vítima de uma conspiração racial por parte do departamento de polícia. Iniciava-se um debate que ia além do julgamento de um duplo homicídio: o caso O.J. havia virado uma discussão sobre o histórico racista da polícia de Los Angeles.

Com o início do julgamento, meses depois da publicação do artigo, Mark Fuhrman se tornou tanto uma arma para a acusação quanto um trunfo para a defesa. 

Apesar das provas contundentes que relatou, quando foi interrogado pelo advogado de O.J., F. Lee Bailey, em março, Mark acabou questionado se havia usado a expressão 'nigger' (um termo pejorativo contra os negros, algo semelhante a 'crioulo') na última década; algo que ele negou. 

No entanto, em meados de setembro, a equipe de Simpson voltou a intimá-lo após apresentar provas de que Fuhrman tinha certa animosidade contra casais intrarraciais; além de um passado de perpetuar violência contra os afro-americanos e fabricar provas ou testemunhos. 

Naquele mês, a defesa de O.J. também reproduziu uma entrevista gravada de Fuhrman para Laura Hart McKinny, que o usou como consultor, entre 1985 e 1994, para seu trabalho como escritora num projeto sobre uma série de policiais femininas. 

Conforme revelou parte das fitas, visto que poucos trechos foram liberados para os jurados ouvirem, segundo determinação do juiz Lance Ito, Mark havia usado a expressão 'nigger' por 41 vezes nos relatos à Laura — incluindo referências onde dizia ter violentado afro-americanos.

Se fosse como eu queria, todos os niggers seriam reunidos e queimados", disse, conforme recorda o Time. "O único nigger bom é um nigger morto", proferiu em outra ocasião. 

Em 6 de setembro, com a ausência dos jurados, Fuhrman foi questionado pela defesa se ele tinha alguma vez falsificado relatórios da polícia, plantado ou manufacturado provas no caso de Simpson. Embora, em outras ocasiões, tenha afirmado que não, desta vez ele invocou a Quinta Emenda (seu direito de permanece em silêncio). 

Comparado a Hitler

Com a moral abalada e o fato de ter cometido perjúrio no tribunal, Mark Fuhrman ainda foi atacado efusivamente pela equipe de defesa de O.J. Simpson, conforme aponta Jeffrey Toobin no livro 'American Crime Story: O Povo contra O.J. Simpson' (lançado no Brasil pela Darkside). 

"Era, no frigir dos ovos, uma conclusão bem ao estilo Johnnie Cochran [líder da equipe de defesa do astro de futebol americano], requentada de outras ocasiões. O advogado afirmou que o processo dizia respeito à polícia, não a seu cliente. A única diferença neste caso eram as implicações, muito mais graves. 'O veredicto vai muito além das portas deste tribunal', disse Cochran. 'Não quero pressioná-los, apenas dizer o que realmente passa lá fora'. Quanta gentileza a de Cochran, ao alertar os jurados como poderia ser a vida deles, caso decidissem votar pela condenação do réu", escreveu Toobin.

Incitando ainda mais a questão racial do caso, que nessa altura havia virado o ponto principal do julgamento segundo desenhado pela defesa — como O.J. havia sido acusado apenas pelo fato de ser negro —, Cochran fez um dos depoimentos mais emblemáticos e controversos do julgamento. 

Johnnie Cochran - Getty Images

"Acabem com essa farsa. Acabem com essa farsa. Se os senhores não o fizerem, quem fará?", disse aos 12 jurados, 9 dos quais eram negros. "Acham que será departamento de polícia? Acham que será a promotoria? Acham que podemos nós mesmo acabar com essa farsa? Quem tem que dar um basta neles são os senhores. [...] A polícia é policiada através do veredicto dos senhores. São os senhores que mandam o recado", começou. 

Se referindo a Mark como "racista genocida", aponta Jeffrey, o advogado de defesa foi ainda mais efusivo na sequência: "Em um passado não muito distante, havia outro homem que no mundo que compartilhava dessas mesmas visões".

Esse homem, esse flagelo, tornou-se um dos piores indivíduos da história da humanidade, Adolf Hitler, porque as pessoas não se importam ou não tentaram impedi-lo. Ele tinha o poder que precisava para disseminar o racismo e o antissemitismo. Ninguém queria detê-lo, e assim acabamos na Segunda Guerra Mundial", completou. 

Embora jamais tenham existido provas que Mark Fuhrman tenha plantado a luva na casa de O.J. — que, vale ressaltar, ficaram apertadas nas mãos de Simpson quando ele tentou colocá-las do durante o julgamento —, seu perjúrio e suas declarações passadas se tornaram fundamental para o ex-astro ser inocentado de forma unânime.

Por fim, recorda o LA Times, tanto a Liga Antidifamação quanto o Centro Simon Wiesenthal condenaram a declaração de Johnnie Cochran.

"Por mais vis que tenham sido as palavras de Fuhrman, a comparação com os feitos de Hitler é um insulto e humilhante para os milhões de suas vítimas e para um mundo que foi devastado pela guerra durante seis anos. A metáfora banaliza uma profunda tragédia histórica", afirmou a ADL num comunicado.