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Matérias / 'Cálice'

A história de resistência por trás de 'Cálice', música de Chico Buarque e Gilberto Gil

Composta em 1973, 'Cálice' se tornaria um clássico da luta contra a opressão no Brasil

por Giovanna Gomes

ggomes@caras.com.br

Publicado em 30/10/2023, às 17h57 - Atualizado em 04/11/2023, às 09h48

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Os músicos Chico Buarque e Gilberto Gil - Wikimedia Commons/Palácio do Planalto e Getty Images
Os músicos Chico Buarque e Gilberto Gil - Wikimedia Commons/Palácio do Planalto e Getty Images

Recentemente, um perfil na rede social X, antigo Twitter, envolveu-se em uma grande polêmica ao distorcer o significado da histórica canção 'Cálice', associando-a a ideais de extrema-direita.

Ao tomar conhecimento desse fato, Chico Buarque — um dos compositores da obra —não hesitou em entrar com uma ação judicial para que a postagem da página fosse removida. Afinal, uma das canções mais importantes de sua carreira foi utilizada de maneira deturpada, contrariando seu significado original.

De autoria de Chico e Gilberto Gil, 'Cálice' foi composta no ano de 1973, durante a ditadura militar. Devido à censura, entretanto, a canção somente seria gravada cinco anos mais tarde, nas vozes marcantes de Chico e Milton Nascimento.

Metáfora religiosa

A música, que se destaca por seu caráter político e de resistência, utiliza-se de metáforas religiosas para passar a angústia e o desejo de liberdade num país sob comando de um regime autoritário.

Chico Buarque no ano de 1967 / Crédito: Wikimedia Commons/Arquivo Nacional

Pensei em levar alguma proposta [a Chico] e, um dia antes, me sentei no tatame, onde eu dormia na época, e me pus a esvaziar os pensamentos circulantes para me concentrar”, relembrou Gil, em publicação no Twitter no ano de 2021, sobre a criação da canção.

No dia seguinte, Chico receberia de Gil ideias de letras e notas a partir das quais surgiria 'Cálice'.

“Como era sexta-feira da Paixão, a ideia do calvário e do cálice de Cristo me seduziu, e eu compus o refrão incorporando o pedido de Jesus no momento da agonia”, relembra o compositor baiano. “Em seguida escrevi a primeira estrofe, que eu comecei me lembrando de uma bebida amarga chamada Fernet, italiana, de que o Chico gostava e que ele me oferecia sempre que eu ia a sua casa.”

Ambiguidade

No sábado, Chico ofereceu a Fernet ao amigo e Gil mostrou suas ideias. “Quando, cantando o refrão, cheguei ao ‘cálice’, no ato ele percebeu a ambiguidade que a palavra adquiria, e a associou com ‘cale-se’, introduzindo na canção o sentido da censura”, contou. “Depois, como eu tinha trazido só o refrão melodizado, trabalhamos na musicalização da estrofe a partir de ideias que ele apresentou. E combinamos um novo encontro.”

O músico Gilberto Gil / Crédito: Getty Images

Finalizando a composição

Posteriormente, Gil fez mais uma estrofe e Chico, outras duas. Todas as quatro, vale ressaltar, foram escritas em oito decassílabos.

"Dois ou três dias depois nos revimos e definimos a sequência. Eu achei que devíamos intercalar nossas estrofes, porque elas não apresentavam um encadeamento linear entre si. Ele concordou, e a ordem ficou esta: a primeira, minha, a segunda, dele; a terceira, minha, e a última, dele. Na terceira, o quarto verso e os dois finais foram influenciados pela ideia do Chico de usar o tema do silêncio.”

O tema já aparecia antes, no verso “Silêncio na cidade não se escuta”. Segundo Gil, o trecho apresenta a ideia de que no barulho da cidade, não é possível escutar o silêncio.

Quer dizer: não adianta querer silêncio porque não há silêncio, ou seja: não há censura, a censura é uma quimera; além do mais, ‘mesmo calada a boca, resta o peito’ e ‘mesmo calado o peito, resta a cuca’: se cortam uma coisa, aparece outra.”

Símbolo de uma luta

A mensagem de resistência e coragem presente em "Cálice" logo se tornou um hino da luta contra a opressão. No entanto, devido à sua natureza política e crítica ao regime militar, a música foi censurada pelas autoridades da época, o que a tornou ainda mais poderosa e simbólica.