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Matérias / Ted Bundy

Ted Bundy: Veja os relatos da mulher que sobreviveu ao serial killer

Enquanto Ted Bundy se tornou uma figura glamourizada e extremamente popular, apesar de seus crimes, as vítimas tiveram suas histórias apagadas

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 27/02/2024, às 18h00 - Atualizado em 28/02/2024, às 10h05

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Teddy Bundy em montagem com foto de Kathy Kleiner - Getty Images e Arquivo Pessoal
Teddy Bundy em montagem com foto de Kathy Kleiner - Getty Images e Arquivo Pessoal

Estuprador, necrófilo, estudante de direito fracassado, assassino em série e… galã? Durante anos, Ted Bundy foi moldado por seriados, filmes, livros, documentários, peças de teatro, músicas e diversas outras coisas. 

Entre 1974 e 1978, Bundy assassinou pelo menos 30 mulheres e meninas. O período em que cometeu os crimes coincidiu com o surgimento do termo serial killer; o que impulsionou ainda mais sua 'fama' brutal pelo país. Seu julgamento, aliás, foi o primeiro a ser transmitido nacionalmente pela televisão. 

Mugshot de Ted Bundy - Florida Department of Corrections

+ A bizarra carta de amor enviada para Ted Bundy depois de condenado

Na cultura popular, Ted Bundy se tornou uma figura glamourizada. Quase que uma estrela. Mas enquanto a mídia jogava os holofotes sobre o assassino, os personagens principais dessa narrativa foram ser perdendo. Afinal, o quais as histórias de suas vítimas? 

Nova vida

Estudante do segundo ano da Florida State University, Kathy Kleiner só começou a conhecer o mundo quando passou a morar a 800 quilômetros de casa — em uma irmandade. 

Por lá, ela teve seu primeiro namorado; passou a imaginar seus possíveis futuros: como arqueóloga, repórter meteorológica ou professora de teatro, quem sabe? Ela sonhava alto e com todas as possibilidades. 

"Foi maravilhoso", disse Kleiner em entrevista ao The Guardian. "Eu estava longe da mamãe, que me mantinha em uma bolha protetora. Eu estava me divertindo, indo a festas, trabalhando quando precisava! Eu estava conseguindo liberdade".

Mas tudo mudou naquela noite fria de sábado, em janeiro de 1978. Após participar de um casamento naquele dia, Kathy achou melhor ficar em casa e estudar para sua prova de cálculo na segunda-feira. Era por volta da meia-noite quando ela e sua colega de quarto, Karen Chandler, resolveram apagar as luzes. 

Então, de madrugada, ouvi a porta do nosso quarto", relatou. 

Naquela noite, Ted Bundy invadiu a casa da irmandade Chi Omega, onde Kleiner morava. Segurando uma tora que estava empilhada do lado de fora para servir como lenha, Bundy — aquela altura — já era um fugitivo furioso. 

Suspeito de inúmeros crimes, ele havia sido condenado por tentativa de sequestro em Utah e era acusado de assassinato em primeiro grau no Colorado. Mesmo assim, conseguiu fugir da pequena prisão municipal e escapar para o leste. Para Tallahassee, na Flórida, para ser mais preciso. 

A casa da irmandade Chi Omega - Domínio Público

No primeiro quarto que adentrou — que ficava ao lado do de Kathy —, ele atacou a estudante Margaret Bowman. A jovem foi espancada e estrangulada logo em seguida. Após o ataque, ele entrou furtivamente no dormitório do outro lado do corredor.

Lisa Levy teve um destino parecido: estuprada, mordida (com marcas que, mais tarde, ajudaram a condená-lo) e violentada sexualmente com uma lata de spray para cabelo. A onda de crimes seguia. A próxima porta era do quarto de Kleiner e Chandler

Relatos de um ataque 

Apesar de sorrateiro nos dois outros cômodos, Bundy não teve o mesmo cuidado no terceiro quarto de suas vítimas. "Ele tropeçou no pequeno armário entre nossas camas e fez muito barulho", relembra. 

"Recordo de apertar os olhos no escuro, sem usar óculos, e ver uma sombra parada acima de mim, olhando para mim. A próxima coisa que vejo é que ele levanta o braço sobre a cabeça e bate algo no meu rosto. É estranho porque no começo parecia um baque. Não doeu", descreve Kathy

O golpe partiu a mandíbula da jovem em três e ainda abriu sua bochecha. A força da porrada foi tamanha que ela mordeu sua língua de tal modo que não conseguia falar. "Nesse ponto, minha colega de quarto se mexeu e foi para o lado dela na cama". 

[Bundy] ergueu o braço e bateu a madeira no rosto dela", diz. Kathy, desesperada, tentava gritar em meio ao choro. "Estou segurando meu rosto e ele está molhado e pegajoso. Tudo o que faço é emitir sons gorgolejantes".

Assim, a sombra passou a se voltar contra ela, lhe desferindo outro golpe. "Eu me enrolei como uma bolinha, tão pequena quanto poderia ser… Eu simplesmente sabia que morreria".

Kathy Kleiner durante o Natal - Arquivo Pessoal

Mas, como que por um milagre, o quarto todo ficou iluminado. Um carro havia estacionado do lado de fora para deixar alguém na irmandade e os faróis jogaram luz no quarto todo. Bundy, temendo que alguém do lado de fora pudesse vê-lo, deixou o local às pressas. 

O serial killer encontrou abrigo no porão de um apartamento a alguns quarteirões, onde atacou a dançarina Cheryl Thomas. Já na irmandade, Chandler recobrou a consciência e saiu cambaleando do quarto em busca de ajuda. A partir daí, Kathy tem apenas alguns lapsos de memória

A sobrevivente

Quando a ajuda chegou, Kleiner só se recorda dos olhares horrorizados das pessoas que viam o quarto manchado de sangue. 

Durante uma semana internada no hospital, Kathy foi submetida a sua primeira cirurgia no maxilar. Seus dentes foram fechados com arame e sua língua estava esfacelada. Ela não tinha a real noção do ataque que sofrera. 

Após receber alta, sua família decidiu que ela precisava voltar para casa, em Miami. Mas antes, a polícia ainda pediu para que a jovem voltasse ao quarto para tentar encontrar alguma pista deixada por seu agressor. 

Entramos no meu quarto. Havia poeira de impressões digitais e muito sangue. Minha cabeceira, minha colcha, meu colchão, as paredes, tudo manchado de marrom. Eu apenas olhei e observei. Foi horrível, mas útil. Isso me deu alguma clareza: então foi isso que aconteceu… Saí daquela cama sabendo que estava nela, tão pequena quanto uma bola poderia ser, e agora estava de pé. Eu ia sair de tudo isso e ir para algum lugar melhor".

Kathy jamais voltou para a universidade. Em casa, vivendo ao lado dos pais e da irmã, passou a curar suas cicatrizes — não só a de ferimentos físicos. "Tenho uma mãe cubana e, como muitos pais cubanos, o jeito dela foi varrer isso para debaixo do tapete. Você não fala sobre seus problemas nem deixa as pessoas conhecerem sua situação. Você certamente não faz terapia". 

Mas ela desenvolveu seu próprio método para superar seus traumas. "Nas primeiras semanas, senti que a escuridão iria me cobrir e me consumir… Fiquei com medo de olhar para trás porque aquela coisa terrível estava bem ali, tocando meus ombros". 

Kleiner passou a se imaginar no caminho para uma pequena ilha deserta. "Tinha uma palmeira e uma cadeirinha de praia e eu queria chegar àquela ilha. Todos os dias, eu dava pequenos passos nessa direção".

"Um dia eu faria as unhas ou sentaria lá fora com o sol no rosto e olharia as árvores. Pequenos objetivos para me afastar ainda mais da massa negra e rodopiante. Fiquei ansiosa para que minha boca fosse desenrolada e então fiz minha primeira refeição sólida: ovos mexidos e presunto. Depois fui ao shopping. Eu não estava apenas 'fingindo' estar feliz. Eu estava pensando nisso, sabendo o que queria para mim, meus pais e minha irmã — porque eles não poderiam ser felizes a menos que eu fosse feliz".

Kathy Kleiner e seu filho, Michel - Arquivo Pessoal

A terapia de exposição também a ajudou na superação dos traumas, principalmente por se sentir desconfortável perto de homens que não conhecia. Três meses após o ataque, Kathy conseguiu um emprego como caixa em uma madeireira. "Foi onde pensei que poderia ver mais homens no menor espaço de tempo… Eles nunca me incomodaram. Eles eram apenas pessoas. Funcionou. Eu estava um passo mais perto daquela ilha".

Recomeçando

Kathy Kleiner até tentou se reconectar com a casa da irmandade, entretanto, jamais teve retorno. Logo, decidiu-se que ela casaria o mais rápido possível com seu então namorado: "Ele foi o primeiro cara com quem namorei. Depois do ataque, meus pais e os pais dele pensaram que eu precisava de cuidados", explicou.

Enquanto ela se casava, no verão de 1978, Ted Bundy era preso. Após sua lua de mel, ela foi chamada para testemunhar perante um grande júri em Tallahassee — onde seria decidido se as acusações contra o assassino em série iriam adiante ou não. 

Bundy estava sentado na ponta de uma longa mesa de conferência e eu sentei na outra ponta. Até então eu conhecia a história dele, o caso que eles estavam construindo. Eu não estava com medo… Ele é lembrado como bonito, mas era apenas uma pessoa comum — que passaria despercebida. Ele estava sentado lá, impaciente, arrogante, como um gerente intermediário entediado, como se estivéssemos desperdiçando seu tempo".

No ano seguinte, Ted Bundy acabou condenado pelos assassinatos de Bowman e Levy; e pelas tentativas contra Kleiner, Chandler e Thomas. "Ele não era um 'gênio do mal' ou 'uma mente jurídica brilhante'", rebate Kathy sobre toda mitologia construída em cima do serial killer. 

Ted Bundy foi executado por cadeira elétrica em 24 de janeiro de 1989, cinco anos depois de Kathy terminar seu casamento de seis anos, que não durou porque ela se "casou pelos motivos errados". 

Ted Bundy no momento de sua execução - Divulgação / Arquivo dos Estados da Flórida

Mais tarde, porém, ela se uniu com o professor de neurociência Scott Rubin pelos "motivos certos" e já estão juntos há 35 anos. Eles viveram em diferentes estados e hoje são aposentados — residindo no sul da Flórida, perto dos netos. 

Além de Bundy, Kathy Kleiner superou outros momentos difíceis na vida, como abortos espontâneos e o câncer de mama. Hoje, aos 66 anos, elas se considera sortuda por chegar a tão sonhada ilha deserta com palmeira: "Sentei-me naquela cadeira com os dedos dos pés na areia".