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Matérias / Brasil

Primeira cirurgia de mudança de gênero no Brasil foi condenada pela Justiça

Waldirene Nogueira, primeira mulher trans operada no país, sofreu abusos e preconceitos do IML e do governo

André Nogueira Publicado em 08/10/2019, às 14h00

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Waldirene, a primeira mulher trans operada no Brasil - Crédito: Divulgação
Waldirene, a primeira mulher trans operada no Brasil - Crédito: Divulgação

O primeiro contato do IML com uma mulher trans operada foi uma epopeia de abusos e preconceitos. A abusada em questão, uma mulher chamada Waldirene, nascida em corpo masculino, foi operada no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, pelo reconhecido pioneiro nacional nesse tema, o doutor Roberto Farina.

Em 1971, pela primeira vez no Brasil, uma pessoa passou por uma cirurgia genital que construía um corpo condizente com sua identidade de gênero. Seria a “fixação do seu verdadeiro sexo, que sempre foi feminino", segundo Waldirene.

Completamente consentida por Waldirene, a cirurgia foi um sucesso. Porém, em 1976, o Ministério Público de SP descobriu o caso e denunciou Farina por lesão corporal gravíssima.

Waldirene foi considerada vítima cujo “bem físico”, tutelado pelo Estado, teriam sido alienados contra a lei. "Dizer-se que a vítima deu consentimento é irrelevante", colocou o relator do caso.

Os envolvidos com o caso de polícia foram afirmativos. “Monstro”, “prostituta”, “bichinha”... muitas foram as adjetivações usadas nos relatórios rebaixando Waldirene.

Trechos da investigação / Crédito: Reprodução

Farina era um relevante cirurgião nos anos 1970. Em um congresso científico, afirmou ter realizado pelo menos uma dezena de cirurgias de mudança de sexo consentidas, além de Waldirene, incluindo pessoas pobres e até indígenas.

Pelo pronunciamento, o MP pediu a investigação de Farina por lesão corporal e mutilação de homens, pressionando o médico a fornecer o nome original das pacientes, mas ele se recusou.

A investigação foi intensificada quando Waldirene entrou na justiça para trocar seu nome, originalmente Waldir, nos documentos oficiais. Assim, o MP descobriu sua identidade original e informações sobre o ocorrido, iniciando um cerco judicial ao caso. Nesse momento, o Instituto Médico Legal (IML) foi convocado.

A descoberta do caso foi um bizarro constrangimento a Waldirene: abordada por supostos policiais, ela teria sido levada ao IML de São Paulo, obrigada a de despir e a sofrer investigação pericial. Ela chegou a pedir o habeas corpus para não se submeter à investigação, mas a Justiça paulistana o negou.

Dossiê de Waldirene no IML / Crédito: Reprodução

A operação foi comandada pelo presidente do IML, dr. Harry Shibata, médico alinhado à repressão policial e ao governo militar. Nua e exposta, Waldirene foi fotografada em diversas posições, tentando evitar contato direto com os médicos.

Após as fotos, houve o exame ginecológico. Com o auxílio de uma espátula de metal, o canal vaginal de Waldirene foi fotografado, medido e violentado, com o objetivo de se identificar o que ocorria no caso: o IML elencava na ficha de Waldirene o nome Waldir Nogueira e não aceitava a presença do genital feminino.

Porém, o laudo do IML não pode ser diferente: declarou Waldirene mulher, pela característica biológica. Apesar do constrangimento, os médico-legais acabaram apoiando a narrativa da vítima e declararam a intervenção médica “terapeuticamente necessária”.

Essa não foi a posição do promotor da investigação judicial, Messias Piva.  Ele reprovou a posição do IML, chamando-a de sensacionalista e declarou: “A realidade é outra: Waldir Nogueira é um doente mental”.

Dr. Roberto Farina / Crédito: Reprodução

O caso gerou comoção internacional, a ponto de uma série de médicos e cientistas de diversos países enviarem cartas e notas em apoio a Farina. Muitos apontaram erros jurídicos, médicos e éticos da posição do Estado Brasileiro em relação aos casos. Ao mesmo tempo, dentro do Brasil, Farina e a equipe estavam sozinhos.

O apoio a Farina não foi o suficiente para combater o autoritarismo do aparato público brasileiro, que vivia plenamente a Ditadura. Em 1978, o médico foi sentenciado pelo juiz Adalberto Spagnuolo a dois anos de prisão por lesão corporal gravíssima.


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