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Matérias / Rita Lee

Rita Lee: Ícone do rock brasileiro, cantora foi presa grávida na ditadura militar

Rita Lee foi presa em 1976, aos 28 anos e grávida de seu primeiro filho

Éric Moreira sob supervisão de Giovanna Gomes Publicado em 09/05/2023, às 12h41 - Atualizado às 13h02

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Fotografia de Rita Lee em setembro de 1972 - Domínio Público via Wikimedia Commons
Fotografia de Rita Lee em setembro de 1972 - Domínio Público via Wikimedia Commons

Na última segunda-feira, 8, um dos maiores ícones da música nacional, a cantora, compositora, multi-instrumentista, atriz, escritora e ativista, mas principalmente conhecida como "rainha do rock brasileiro", Rita Lee Jones de Carvalho, faleceu. Em abril do ano passado, seu filho mais velho, Beto, anunciou que a mãe havia se recuperado de um câncer no pulmão, mas sua saúde debilitada levou-a a óbito.

Com uma carreira de muito sucesso ao longo de décadas, Rita Lee não só foi uma grande artista no conturbado período da Ditadura Militar, como também é tida, por alguns pesquisadores, como uma das mais censuradas na época. Isso, no entanto, foi um título que carregou com muito orgulho nos anos que se sucederam.

E nesses complicados anos da ditadura, não só sofreu com a censura como, da mesma forma que outros artistas e opositores aos militares, foi presa. Tudo começou quando, no dia 24 de agosto de 1976, grávida de três meses de seu primeiro filho, Beto Lee, a Divisão de Entorpecentes bateu na porta de sua casa, no bairro da Vila Mariana, em São Paulo.

Conforme divulgado pelo O Globo, a polícia informou à imprensa na época que foram até a residência da cantora depois de receberem denúncias relacionadas a uso de drogas na temporada de shows com a banda Tutti-Frutti no Teatro Aquarius. Depois de revirarem tudo na casa, disseram ter encontrado 300 gramas de maconha, além de restos de cigarro e um narguilê.

Na época, garantiu que a droga não lhe pertencia e afirmava que tinha parado de fumar depois de descobrir a gravidez, mas os agentes não ouviram. Em entrevista à revista Quem, em 2010, a rockeira alegou, ainda, que tudo aquilo havia sido plantado pela polícia, em um plano para incriminá-a e, por fim, prendê-la, afinal, não só era declarada pelo governo uma guerra às drogas, como também a própria Rita Lee simbolizava a liberdade sexual feminina em um período extremamente conservador.

Rita Lee e integrantes da banda 'Os Mutantes', em 1971
Rita Lee e integrantes da banda 'Os Mutantes', em 1971 / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Visita inesperada

Então, a ex-vocalista dos Mutantes foi presa, assim como suas empresárias e outros oito integrantes da banda Tutti-Frutti, ficando detida a princípio no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). E foi lá que, no seu segundo no xadrez, recebeu uma visita que ficaria lembrada como uma de suas histórias mais marcantes e inesperadas: a cantora Elis Regina, que carregava seu filho João Marcello Bôscoli, então com 6 anos.

"Na época dos festivais da Record, Mutantes e Tropicalismo, Elis passava pela gente virando a cara. Ela fez parte daquela passeata contra a guitarra elétrica na música brasileira. A última pessoa que eu esperava que fosse me visitar na cadeia era a Elis", contou Rita Lee em conversa com o cantor Ronnie Von, em novembro de 2020. "Quando o carcereiro falou: 'Ô, Ovelha Negra, tem uma cantora famosa rodando a baiana, dizendo que vai chamar a imprensa. Ela quer te ver'", a rockeira saiu curiosa da cela para o encontro.

Ainda durante a conversa, a artista continuou: "Fiquei esperando, não sei, uma Nossa Senhora do Rock, e, de repente, vejo a Elis com o João Marcelo. Ela soltou a mão do filho e me deu um abraço. Perguntou como eu estava, disse que eu estava muito magra. Aí começou a falar duro com os policiais: 'O que vocês estão fazendo com ela?'"

"O que ela berrou, o que ela aprontou lá dentro... E você pensa que os caras falavam alguma coisa? Não falavam nada. Ela baixinha cobrando: 'Eu quero um médico já. Se não vier já, eu chamo a imprensa'. Ninguém mexia com a Elis. Ela era do Olimpo. Que mãezona! Mandou que comprassem comida para mim, deu dinheiro e ainda pediu troco (risos). Me ajudou como se fosse uma amiga de infância", acrescentou Rita.

Elis Regina e Rita Lee, renomadas cantoras brasileiras
Elis Regina e Rita Lee, renomadas cantoras brasileiras / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

"Rita, Rita, Rita!"

Depois de dois dias no Deic, Rita Lee foi encaminhada ao presídio feminino do Hipódromo, sendo recebida calorosamente pelas detentas que ali estavam. "Eu saí do camburão escutando palmas e gritos", narrou ao Globo em 4 de novembro de 1976. "Pensei comigo: 'será que estou sonhando?' Aí, vi pelas grades as mãozinhas acenando pra mim e ouvi gritos de 'Rita, Rita, Rita!'. Para chegar na minha cela, atravessei um corredor, e elas dando a maior força."

Na entrevista, contou também que, a princípio, estranhou a comida oferecida na penitenciária, mas apenas engolia tudo que recebia, "morrendo de vontade de sobreviver, pensando sempre no meu filho". Ela já se dizia conformada de que daria à luz ao seu primeiro filho atrás das grades mas, felizmente, seu período ali não se prolongaria muito mais.

Sentença

Depois de oito dias no Hipódromo, pouco depois das 13h do dia 2 de setembro de 1976, vestindo um terno branco, colete verde e botas pretas, a cantora chegou à 20ª Vara Criminal, em São Paulo. No local, advogados e outros funcionários do fórum se misturavam a estudantes e hippies.

Ao longo de toda a audiência, Rita Lee manteve-se inabalável e séria frente ao promotor Neuton Ramos, que pedia sua condenação, ao mesmo tempo que olhava de vez em quando aos jornalistas. Porém, quando o juiz Antonio Aurélio Maciel decretou sua sentença — um ano de prisão domicilar e multa de 50 salários mínimos —, a "rainha do rock brasileiro" desabou em lágrimas.

Durante sua reclusão, Rita Lee morou na casa de seus pais, com direito a sair diariamente entre as 7h e as 19h, vendo-se obrigada a suspender sua vida de estrela do rock. Porém, como ela mesma contou em diversos momentos de sua vida, quem lhe deu forças nesse difícil momento de sua vida era seu filho, que aguardava: "Ele me deu muita força, naquele momento de desespero."

Quando Beto Lee finalmente nasceu, em março de 1977, a artista ainda estava sob a sentença de prisão domiciliar. Neste período, inclusive, escreveu a música 'X 21', inspirada em seu período no Hipódromo (uma referência à sua cela, o "xadrez 21"), mas que foi proibida pela censura dos militares, que ainda governariam o país por mais quase uma década.

Apesar de tudo, posteriormente sua sentença foi completa, e Rita Lee nunca deixou de ser uma artista inspiradora para inúmeros brasileiros. Nem na década de 1970, nem na década de 2020. E neste 2023, sua história se encerra, mas com certeza sem que a 'Ovelha Negra' do rock nacional venha a ser esquecida em algum momento.

Rita Lee
Rita Lee / Crédito: Reprodução/Instagram