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Matérias / A Vida é Bela

Rubino Romeo Salmonì: O sobrevivente judeu que inspirou ‘A Vida é Bela’

Otimista e sempre com um sorriso no rosto, Salmonì se tornou fonte de esperança para seus companheiros em Auschwitz; seu jeito alegre ainda cativou Roberto Benigni

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 29/10/2023, às 09h00 - Atualizado em 02/01/2024, às 18h59

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Roberto Benigni em 'A Vida é Bela' ao lado de Rubino Romeo Salmonì - Divulgação e Domínio Público
Roberto Benigni em 'A Vida é Bela' ao lado de Rubino Romeo Salmonì - Divulgação e Domínio Público

Seu caráter lúdico e seu otimismo pulsante permitiram confortar seus companheiros de campo de concertação. Sua graça e seu sorriso fizeram florescer um sentimento de esperança. Figura caricata, seu humor virou um ponto de conforto para todos que enfrentavam as mazelas do Holocausto.

Rubino Romeo Salmonì foi único e teve sua figura eternizada com maestria por Roberto Benigni no sempre aclamado 'A Vida é Bela'. Seus relatos ainda emocionaram a todos no livro 'Ho sconfitto Hitler' ('Derrotei Hitler', em tradução livre).

Cena de A Vida é Bela (1997)/ Crédito: Divulgação/ Melampo Cinematografica

+ Joseph Schleifstein: O sobrevivente do Holocausto que inspirou Giosué, de A Vida é Bela

Fugindo da morte

Oriundo de uma família judia, Rubino Romeo Salmonì nasceu em Roma, na Itália, em 22 de janeiro de 1920. Aos 23 anos, escapou de um dos episódios mais sombrios e nefastos da história de seu país: o ataque nazista ao Gueto de Roma, em 16 de outubro de 1943.

Naquele sábado, as tropas alemãs realizaram ataques por diversas áreas de Roma — mas seu epicentro se deu no Gueto; onde 1.259 mil judeus foram capturados (sendo 689 mulheres, 363 homens e 207 crianças), apontam Lidia Beccaria Dolfi e Bruno Maida em 'Il futuro spezzato: i nazisti contro i bambini'.

Após cercarem o bairro ao amanhecer, as unidades da SS sequestraram inúmeras pessoas. Muitas delas, então, foram retiradas à força de dois edifícios renascentistas para serem deportadas.

Deportação de judeus da cidade de Roma em 16 de outubro de 1943 / Crédito: Domínio Público

Em um primeiro momento, o grupo foi trancafiado no Colégio Militar do Palazzo Salviati, na Via Della Lungara. Posteriormente, acabaram transferidos para a estação ferroviária de Tiburtina — onde foram embarcados em um comboio composto de 18 carroças de gado que tinha como destino o campo de Auschwitz-Birkenau. O trajeto durou cerca de quatro dias, entre 18 e 22 de outubro. Entre os 1.023 transferidos, apenas 16 sobreviveram (15 homens e 1 mulher).

Nos 80 anos do episódio, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que tem um passado polêmico por demonstrar simpatia por Benito Mussolini, enfatizou a importância de relembrar o acontecimento: "Uma atrocidade que marcou para sempre a história do povo italiano e que deve servir de alerta para que nada semelhante volte a acontecer, mesmo sob outros disfarces".

Os nazistas, com a cumplicidade do regime fascista, desencadearam uma caçada humana cruel na capital", apontou.

A vida no campo

Romeo Salmonì conseguiu se manter 'foragido' até abril de 1944, quando foi detido pela polícia fascista em Roma, após ser dedurado por um informante. Rubino foi levado para a prisão Regina Coeli antes de ser encaminhado para o campo de Fossoli (norte da Itália), em 22 de junho.

De lá, conforme o próprio relata em seu livro de memórias, começou uma "longa viagem em direção à morte", mas que ele conseguiu sobreviver. Ao chegar em Auschwitz-Birkenau, em 26 de junho, na companhia de seus dois irmãos, foi marcado com o número de identificação A15810.

No campo de concentração, foi forçado a trabalhar nas oficinas mecânicas. Por lá, ele permaneceu até pouco antes da Libertação de Auschwitz — em 27 de janeiro de 1945, pelas tropas soviéticas.

Prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz/ Crédito: Getty Images

Rubino Romeo Salmonì participou das 'marchas da morte' que rumaram até o campo de Nossen. Segundo matéria do italiano La Repubblica, ele aproveitou um colapso na cidade, devido à próxima capitulação alemã, em meados de março de 1945, para realizar uma fuga ousada pela Alemanha ainda em guerra.

Ele só conseguiu retornar à Roma ao final do conflito, em setembro de 1945. Na capital italiana, reencontrou seus pais, mas teve que lamentar a morte dos irmãos, Angelo e Davide, que foram assassinados pelos nazistas.

Todas as manhãs eram vistos pobres seres pregados às redes de alta tensão elétrica. Estavam cansados de sofrer e se abandonavam à piedade de Deus para pôr fim ao inferno de todos os dias, à fome, ao frio", relatou sobre a vida no campo.

Fonte de inspiração

Após a guerra, Rubino se tornou um ativista pelo testemunho e memória das vítimas do Holocausto. Palestrou em escolas, reuniões públicas e ainda lutou para que a história fosse relembrada em datas comemorativas. Sua vida também foi contada no documentário 'Memoria' (1997), de Ruggero Gabbai.

Em seu livro, 'Ho sconfitto Hitler', apresentou uma coleção de seus diários, cartas e escritos de vida. A obra foi publicada e distribuída gratuitamente pela Província de Roma. Seu legado de bom-humor e esperança pode ser facilmente resumidos no trecho:

Já fiz os meus cálculos. Saí vivo dos campos de extermínio, tenho uma família linda, comemorei minhas bodas de diamante, tenho 12 netos esplêndidos, acredito que derrotei o plano de Hitler".
Cena de A Vida é Bela (1997)/ Crédito: Divulgação/ Melampo Cinematografica

Conforme repercute a Agência EFE, a vida de Rubino Romeo Salmonì também serviu como uma das inspirações para Roberto Benigni criar seu personagem, Guido Orefice, em 'A Vida é Bela'. A outra foi seu próprio pai, Luigi Benigni, que durante dois anos foi enviado ao campo de concentração de Bergen-Belsen.

Adeus, Rubino

Um dos últimos judeus romanos sobreviventes da perseguição nazista, Rubino Romeo Salmonì faleceu, aos 91 anos, em 10 de julho de 2011. Com a confirmação da notícia, sua família recebeu inúmeras mensagens de condolências de autoridades do país.

Foto de Rubino Romeo Salmonì/ Crédito: Domínio Público

O então prefeito de Roma, Gianni Alemanno, o definiu como um "grande homem com sua coragem e força". Já Gianfranco Fini, que era presidente da Câmara dos Deputados italiana, destacou a dedicação de Salmonì em "toda sua vida a manter viva a lembrança, consciente de que só a memória pode representar um eficaz e potente antídoto capaz de impedir a volta dos monstros do passado".