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Matérias / Legião Tchecoslovaca

A saga da Legião Tchecoslovaca nas frias estepes russas

A epopeia dos legionários na Rússia em episódios marcantes do século 20

Redação Publicado em 04/09/2022, às 12h27

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Imagem ilustra escultura que homenageia Legião Tchecoslovaca - Wikimedia Commons / Dezidor
Imagem ilustra escultura que homenageia Legião Tchecoslovaca - Wikimedia Commons / Dezidor

Querido(a) leitor(a), na coluna do mês passado demos início a um dos acontecimentos mais fantásticos do século 20: a saga da Legião Tchecoslovaca. Falamos de suas aventuras na França e na Itália, no entanto, a cereja do bolo ficou para este mês: a epopeia dos legionários na Rússia.

Esta expressão, aliás, não poderia ser outra, afinal uma epopeia se dedica “à exaltação de feitos históricos, lendários ou míticos considerados representativos de uma determinada cultura”, exatamente o que esses homens passaram nas frias estepes russas.

Como dito no mês passado, com exceção da Áustria-Hungria, a maior concentração de tchecos, morávios e eslovacos ficava no Império Russo e, quando estourou a Grande Guerra, muitos se mobilizarama favor do czar Nicolau II– que até chegou a desconfiar de suas intenções, pois, num primeiro momento, achava que ter esses homens em suas fileiras seriauma “traição a outro monarca”, no caso, o imperador Habsburgo da Áustria.

Mas, como guerra é guerra, e diante do bom desempenho demonstrado pelo que viria a ser a Legião já nos primeiros embates, o czar passou a vê-los com bons olhos. Além do mais, o soberano Romanov tinha outros problemas. Sob a Rússia, pairava o espectro da revolução e, embora não lhe dissessem respeito, os legionários se veriam no epicentro do evento que definiu o resto do século 20: o Outubro Vermelho.

Outubro Vermelho

Quando a revolução naquele mês de 1917 foi deflagrada, Lenine os demais bolcheviques tinham um objetivo muito claro: tirar a todo custo a Rússia da guerra. Para isso, abriram negociação com os alemães no que viria a ser conhecido como o Tratado de Brest-Litovsk.

Vladimir Lenin em imagem colorizada / Crédito: Domínio Público/Klimbim

Os membros da Legião Tchecoslovaca não tinham nada a ver com isso, e não eram inimigos dos comunistas, pelo contrário, para eles, a principal preocupação continuava sendo a derrota das potências centrais e o estabelecimento de um Estado tche-coslovaco independente.

Como a luta seguia no Ocidente, acordaram com os bolcheviques uma saída da Rússia. Porém, em pleno processo de negociação, os alemães e austríacos não deixariam que mais de 60 mil homens armados e com experiência de combate cruzassem suas linhas para se juntar a seus compatriotas na França e na Itália.

A única solução encontrada pela legião foi, literalmente, dar a volta. Com o caminho pelo oeste bloqueado, tiveram de voltar paraleste e atravessar a extensão da Transiberiana atéchegar a Vladivostok no Pacífico e, de lá, seguiremem comboios navais para a Europa ocidental. E é aqui que a epopeia toma contornos realmente épicos.

Como se isso já não fosse problemático osuficiente, os alemães atacaram o que hoje é a Ucrânia para pressionar os bolcheviques na mesa denegociação em Brest-Litovsk. Adivinha onde estava estacionada a Legião? Sim, na Ucrânia. Os legionários tiveram de lutar contra os alemães para que conseguissem sair rumo à Vladivostok.

Em trajeto

No caminho, iniciou a guerra civil russa tomando para si mais um problema com o qual, a princípio, não tinham relação. Numa guerra entre “brancos” e “vermelhos”, não estavam de nenhum lado e precisavam se virar como podiam. Desconfiado de que os legionários pudessem se unir aos “brancos”, o comissário do povo no sul da Rússia – ninguém menos que Josef Stalin – fez com que entregassem a maior parte das armas pesadas, mantendo apenas armamentos leves para a própria defesa.

O líder soviético Josef Stalin / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Ainda que tivessem um acordo com Stalin, a Rússia revolucionária era um barril de pólvora, e os bolcheviques não detinham o controle de todoo território. Por onde passavam, fossem contra os “brancos” ou contra os “vermelhos”, os legionários eram forçados a lutar ou negociar.

Em um dos embates, tomaram a cidade de Ecaterimburgo (uma semana depois de o czar e sua família terem sido executados), já, em outro, tomaram Kazan, onde se encontrava boa parte das tão cobiçadas reservas de ouro do czar. Isso serviu para aumentar o moral da tropa, pois, além das dificuldades diárias, estavam lutando há meses sem soldo.

Quando os legionários estavam finalmente chegando à última parada da jornada, um novo desafio surgiu; o general Kolchak, um dos mais importantes comandantes do Exército “branco” – já em séria desvantagem contra os “vermelhos” – fez contato com a Legião.

Sabendo que não se podia confiar em Kolchak e não desejando mais problemas com os bolcheviques, os comandantes da Legião fizeram um acordo final: trocaram Kolchak e a carga de ouro sob sua posse por livre trânsito até o mar. De lá, foram resgatados por navios japoneses, britânicos e americanos, e deram uma volta ao mundo que passava por Suez ou Panamá para, finalmente, chegarem em casa.

A Grande Guerra já havia acabado, mas, ainda assim, chegaram a tempo para lutar contra húngaros e poloneses que ameaçavam a recém-criada Tchecoslováquia. Juntando-se aos camaradas que lutaram na França ena Itália, os legionários passaram a compor não apenas as Forças Armadas do país, mas também serviram de base para muitas outras instituições – já que, em suas fileiras, havia professores, advogados, artistas e diversos profissionais necessários para uma jovem nação.

A Legião, no entanto, foi celebrada só até 1939 porque anos de dominação nazista seguida de comunista fizeram com que sua história fosse esquecida, sendo novamente trazida a público apenas como fim da Cortina de Ferro.

Quem visita Praga hoje em dia se depara com um monumento curioso sobr eseus feitos, a fachada do Legiobanka – com anos desalários não pagos acumulados, e (reza a lenda) comuma parte do ouro do czar ainda sob sua custódia, os legionários precisavam de um lugar seguro paraguardar seus proventos, uma justa recompensa portudo o que passaram.


Ricardo Lobato é sociólogo e mestre em Economia, oficial da reserva do Exército Brasileiro e consultor-chefe de política e estratégia da Equilibrium – consultoria, assessoria e pesquisa.