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O sonho comunista acabou?

O sonho comunista acabou?

Ferreira Gullar Publicado em 01/10/2007, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
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A revolução comunista de 1917, na Rússia, mudou o curso da história. Fruto de fatores circunstanciais, que a viabilizaram em um país de capitalismo atrasado – contrariando a tese marxista –, era de qualquer forma a efetivação de uma utopia que incendiara a imaginação de homens generosos, que sonhavam com uma sociedade justa e solidária. Com o Iluminismo, o homem descobrira que podia ser senhor de seu destino e eliminar a desigualdade entre as pessoas. O fator decisivo, que alimentou essa utopia, foi a desumana exploração que o capitalismo impunha aos operários, obrigando-os a trabalhar até a exaustão por salários miseráveis. Após a revolução na Rússia, os capitalistas dos outros países passaram a fazer concessões aos trabalhadores que, por sua vez, mobilizavam-se na reivindicação de seus direitos.

A implantação do regime socialista, na URSS, implicava a instauração da ditadura do proletariado, exercida pelo Partido Comunista, que passou a ter o controle de toda a sociedade. Com a morte de Lenin, em 1924, e a assunção por Stálin do poder, essa ditadura tornou-se mais rígida e intolerante. De qualquer modo, grandes transformações operaram-se no país, com o crescimento da economia e do poder militar determinado pela disputa entre capitalismo e socialismo. Essa disputa levaria à produção maciça de armas atômicas. E só terminaria em 1989, com o colapso do regime soviético.

Durante essas sete décadas, o socialismo sofreu crises e divisões, provocadas, sobretudo, pelo stalinismo, que contrariava o sonho da sociedade sem opressão. Não obstante, os partidos comunistas que atuavam nos países capitalistas mantinham-se leais ao PCUS, tanto mais quanto a luta ideológica dividia o mundo em dois campos hostis, fazendo pairar sobre a cabeça de todos a ameaça da guerra nuclear. As críticas ao stalinismo eram repelidas como calúnias que visavam desmoralizar o regime soviético. Até que, em 1956, após a morte de Stálin, Kruschev confirmou todas as denúncias, provocando crises e cisões nos partidos comunistas do mundo inteiro.

A partir de então, em face dos riscos da Guerra Fria, soviéticos e americanos optaram pela “coexistência pacífica”, que visava evitar a hecatombe nuclear, da qual nenhum deles sairia ileso. A China Comunista assumiu o papel de antagonista radical dos EUA. Mas, com a déblaque do sistema soviético e a morte de Mao Tse-Tung, ela se reconciliou com os americanos e pôs a ditadura do partido a serviço da transformação econômica do país – hoje, paraíso do empresariado capitalista ocidental.

Após o fim do socialismo real, os comunistas – como a esquerda em geral – entraram em crise, perderam o rumo. De fato, que perspectiva real poderiam ter agora? De minha parte, estou convencido de que a utopia da sociedade igualitária cumpriu seu papel e esgotou-se. É impossível imaginar que, depois de tudo, aquelas idéias ainda tenham o poder de entusiasmar as novas gerações, como no passado.

O capitalismo deve ser visto como algo que surgiu espontaneamente do processo econômico, sem ter sido inventado por ninguém. Semelhante à natureza, é como ela: criativo, vital e indiferente à justiça. Pouco se lhe dá que, em função da lucratividade, pessoas sofram, passem fome. Já o socialismo, não. Ele foi inventado pelo homem para intervir no processo natural e torná-lo justo. Essa intervenção carrega o risco de inibir as forças produtivas e reduzir a criatividade e a liberdade individuais. Talvez esteja aí a causa do fracasso do socialismo real. Mas, como o sentimento de justiça e igualdade se incorporou à consciência social, creio que o homem continuará lutando por uma sociedade menos injusta, sob qualquer nome que isso tenha.

Ferreira Gullar é poeta, cronista, autor de teatro, ensaísta e crítico de arte. Colaborou, entre outras publicações de vanguarda, com o jornal O Pasquim e com a revista Opinião. E foi comunista de carteirinha – filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) no dia seguinte ao golpe militar de 1964. Escreve regularmente no jornal Folha de S. Paulo.