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Desventuras / Hitler

Diante do fim iminente, Hitler penalizava os países ocupados, e a própria Alemanha

Com o 'Decreto Nero', Hitler dava carta branca a seus subordinados para, literalmente, implodir a Europa

Ricardo Lobato* Publicado em 05/11/2022, às 17h00 - Atualizado em 28/03/2023, às 17h54

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Imagem de Hitler nos Jogos Olímpicos de Berlim - Getty Images
Imagem de Hitler nos Jogos Olímpicos de Berlim - Getty Images

Querido(a) leitor(a), começo agradecendo por todo o carinho que recebo diariamente de você, que acompanha esta coluna. Como sabe, sempre disponibilizo meu contato no  rodapé da página e tenho recebido muitas mensagens.

Este diálogo direto é a maior satisfação que um pesquisador pode ter, é o verdadeiro sentimento de que as palavras encontram eco. E nesta coluna vou abordar o assunto de uma destas mensagens.

Depois do artigo de agosto de 2022, em que falei da libertação de Paris e da decisão do então comandante alemão, Dietrich von Choltitz, de não destruir a Cidade Luz, contrariando a vontade de Hitler, recebi o seguinte questionamento: “Como o Führerreagiu a esta decisão?”.

O Decreto Nero

Pois bem, além de contrariado, a resposta maior veio na forma do Decreto Nero. Contextualizando, em agosto de 1944, quando Paris foi libertada, as fronteiras do Terceiro Reich estavam diminuindo. Já estava claro para a alta cúpula em Berlim que, “o Império de 1000 anos” acabaria em poucos meses – mesmo o nazista mais fanático já sabia disso.

À medida que os anglo-americanos e demais aliados avançavam pelo Oeste e os soviéticos pelo Leste, várias ordens foram dadas para que infraestruturas específicas fossem destruídas. Por vezes, cidades inteiras eram penalizadas, mais tragicamente seus habitantes, como foi o caso, por exemplo, do Massacre das Fossas Ardeatinas, onde um oficial da SS ordenou o fuzilamento de mais de 300 civis italianos – este episódio será tema de um artigo em breve.

Estátua de Adolf Hitler no Museu Madame Tussauds - Crédito: Getty Images

Todavia, por mais sádicas e vis que essas ordens fossem, o pior ainda estava por vir, e ele veio justamente na forma do Decreto Nero. Em 19 de março de 1945, apenas 42 dias antes de supostamente cometer suicídio em seu Bunker em Berlim, Adolf Hitler assinou o infame decreto.

Documento original

Originalmente batizado de “Ordem de Demolição dos Territórios do Reich”,
o documento previa a destruição sistemática de toda e qualquer infraestrutura que pudesse ser utilizada pelos inimigos da Alemanha. Em linhas gerais, com os Aliados cada vez mais ganhando terreno, o ditador nazista disse que nada mais poderia ser salvo e reutilizado para a construção do Império que tanto almejara, ou seja, se o fim era iminente, não devia restar pedra sobre pedra.

Não apenas penalizava os países ocupados, mas a própria Alemanha. Ao fazer isso, Hitlerdava carta branca a seus subordinados para, literalmente, implodir a Europa. Se não bastasse toda a perseguição, destruição e morte causados até ali, agora todo o patrimônio humano de gerações deveria ser reduzido às cinzas.

A própria razão de o documento ter sido rebatizado para Decreto Nero era essa. Reforçar o paralelismo com o imperador romano que entrou para a História como o autor do grande incêndio de Roma em 64 d.C.

Estátua de Adolf Hitler no Museu Madame Tussauds - Crédito: Getty Images

Albert Speer

O responsável por levar a cabo tal ordem foi Albert Speer, arquiteto favorito do ditador e então ministro do Armamento e da Produção de Guerra. Os historiadores contam que esse foi o momento em que Speer, que é lembrado como “o bom nazista”, perdeu a fé em seu Führer.

O ministro sistematicamente ignorou a ordem, chegando a confessar para Hitler, pouco antes de os soviéticos tomarem Berlim, que havia negligenciado sua vontade. Contrariado e desapontado, Hitlerpermitiu que o arquiteto partisse da cidade em chamas. O Decreto Nero teve pouco efeito prático. Não foi apenas Speer que se recusou a cumpri-lo. Na linha de frente, vários comandantes viraram a cara para a ordem.

Alguns por de fato acreditarem que se tratava de algo errado, outros por não quererem passar para a História como os responsáveis por destruir o patrimônio material e cultural europeu, e ainda houve aqueles que não o fizeram por questões mais práticas: ao invés de desperdiçar munição e explosivos destruindo igrejas, prédios históricos e museus a bel prazer, preferiram poupar os escassos recursos para a próxima luta com o inimigo.

Anos de guerra

Da forma que for, somados a todos os crimes cometidos em seis longos anos de guerra (e em doze anos de Terceiro Reich), e em um momento em que a história é feita enquanto essas palavras são escritas, o Decreto Nero é uma amarga, mas necessária lembrança do que os tiranos são capazes, inclusive com seu próprio povo, quando percebem que seu fim está próximo.


RICARDO LOBATO É SOCIÓLOGO E MESTRE EM ECONOMIA, OFICIAL DA RESERVA DO EXÉRCITO BRASILEIRO E CONSULTORCHEFE
DE POLÍTICA E ESTRATÉGIA DA EQUILIBRIUM – CONSULTORIA, ASSESSORIA E PESQUISA @EQUILIBRIUM_CAP