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Matérias / A Sociedade da Neve

Frio, fome e mortes: Veja os relatos de um dos sobreviventes de A Sociedade da Neve

Fenômeno na Netflix e aposta no Oscar, 'A Sociedade da Neve' retrata uma das mais tensas histórias de sobrevivência do século 20

Éric Moreira Publicado em 26/01/2024, às 11h38 - Atualizado em 27/01/2024, às 16h08

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Fernando Parrado: realidade e ficção - Domínio Público via Wikimedia Commons / Divulgação/Netflix
Fernando Parrado: realidade e ficção - Domínio Público via Wikimedia Commons / Divulgação/Netflix

Nas últimas semanas, um dos filmes mais comentados pelos internautas, especialmente aqueles que acompanham os recentes lançamentos da Netflix, foi o filme 'A Sociedade da Neve'.

Um retrato brutal do cineasta espanhol Juan Antonio Bayona, o longa retrata uma das mais impressionantes histórias de sobrevivência do século 20, ocorrida em um dos ambientes mais inóspitos de todo o mundo: a Tragédia dos Andes, na imponente cadeia montanhosa sul-americana.

Lançado oficialmente na Espanha no dia 15 de dezembro de 2023, o filme conquistou grande parte do público desde sua estreia, e consagrado como um dos indicados ao Oscar 2024 de Melhor Filme Internacional.

O lançamento proporciona um dos mais impressionantes retratos de um dos acidentes aéreos mais chocantes da história da América do Sul, ocorrido no dia 13 de outubro de 1972.

Mas afinal, o que ocorreu de tão chocante na ocasião? Bem, não bastassem as várias mortes que ocorreram imediatamente após a queda do avião — inicialmente havia 45 pessoas a bordo, sendo um time de rugby do Uruguai, o Old Christians Club, e alguns familiares e amigos —, que deixou somente 33 sobreviventes, o grupo ainda enfrentaria o próprio ambiente, ao longo de mais de 70 dias.

Um grupo de pessoas sobreviver em meio a Cordilheira dos Andes, com escassez de alimentos e em um frio extremo, pode parecer uma missão quase impossível. Porém, para que isso fosse realizado com êxito, todos os sobreviventes do grupo precisaram participar de um pacto crucial: eles se alimentaram dos corpos daqueles que morriam, ao longo do tempo de sobrevivência.

Felizmente, depois que alguns membros do grupo notaram uma janela de oportunidade, aproveitaram-na e partiram em busca de ajuda. Esses homens, considerados heróis e grandes responsáveis pela história de sobrevivência — que, no fim, contaria com somente 16 sobreviventes —, eram Roberto Canessa e Fernando Parrado. Com isso em mente, confira abaixo os verdadeiros e fortes relatos de "Nando" Parrado!

+ A Sociedade da Neve: Veja como é a verdadeira história por trás do filme;

Fotografia de Fernando Parrado quando foi resgatado / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

"Absoluto inferno"

Era dia 13 de outubro de 1972, uma sexta-feira, quando Fernando Parrado, a mãe, Eugenia, e a irmã, Susana, embarcaram no Voo Força Aérea Uruguaia 571, que partia de Montevidéu, capital do Uruguai, em direção a Santiago, no Chile, onde aconteceria uma competição e rugby. No entanto, o Old Christians Club sequer participaria da competição.

Fernando Parrado, na época com 22 anos, conforme repercutido pela Euronews Culture, estava na fila nove do avião. Seu melhor amigo, Panchito, pediu para sentar-se em seu lugar, para ficar na janela e apreciar a paisagem. Para seu infortúnio, porém, ele morreria imediatamente com a queda do avião.

Caímos no meio da Cordilheira dos Andes", recorda Parrado. "Éramos o grupo menos provável de suportar essas condições."

Após o acidente, 12 pessoas morreram imediatamente, e várias outras ficaram feridas, algumas, inclusive, com fraturas e impossibilitadas de caminhar. Parrado, porém, sobreviveu, mas ficou em coma por quatro dias — o que ele descreveria depois como um "absoluto inferno". Ao acordar, ele se recuperou, muito graças às ações tomadas por Roberto Canessa, um estudante de medicina de 19 anos que estava a bordo e não se feriu gravemente. Mas os desafios ainda estavam apenas começando.

Roberto Canessa na vida real e no filme, interpretado por Matías Recalt / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons / Divulgação/Netflix

Sacrifícios e sobrevivência

Ao acordar, a primeira coisa que Parrado descobriu foi que sua mãe e sua irmã faleceram, bem como seus dois melhores amigos, Panchito e Guido. "Na civilização, eu poderia ter desmoronado de uma forma que não conseguiria me levantar, mas não tive tempo para isso", conta o sobrevivente em entrevista repercutida pela Euronews Culture.

Isso porque o local do acidente, conhecido como Vale das Lágrias, estava a mais de 3 mil metros de altitude. Além disso, o grupo não tinha equipamento, água e comida adequados no meio da neve e a temperatura chegava até -30ºC. A prioridade de Parrado era sobreviver.

Minha mente só me permitiu focar em lutar contra o frio, a fome, o medo, a incerteza."

Uma semana após o acidente, o grupo recebeu via rádio uma notícia de que as equipes de busca abandonaram a região, e que esperariam o fim do inverno austral para buscar os corpos. "Naquele momento quase entrei em pânico, mas lembrei que o pânico mata e o medo salva".

Com o passar dos dias, outro inimigo deu as caras: a fome. "Não saber quando voltar a comer é o medo mais assustador que um ser humano pode ter", disse Nando Parrado. "É uma ansiedade terrível que você não consegue entender até que o corpo comece a se consumir."

Criando um tipo de sociedade para aguentar os dias de luta, os sobreviventes criaram um "pacto absolutamente inimaginável": teriam que se alimentar dos corpos de seus companheiros, amigos e familiares que faleciam conforme o tempo passava.

Fomos as primeiras pessoas a doar conscientemente nossos corpos (para que outros pudessem viver)", relembrou Parrado.
Cena de 'A Sociedade da Neve' / Crédito: Divulgação/Netflix

Busca por ajuda

Após mais de dois meses nessas terríveis condições, quando a região apresentou melhores condições climáticas — e apenas com apenas 16 sobreviventes —, Parrado e outros dois homens, Roberto Canessa e Antonio "Tintin" Vizintin, decidiram que sairiam da fuselagem do avião para buscar ajuda.

Mesmo na entrevista, Parrado reflete não saber se o que o motivou a tomar a decisão foi o medo ou a coragem. "Talvez fosse o meu amor pelo meu pai; eu só queria voltar para ele."

Depois que os três partiram, carregando uma certa quantidade de carne em meias para a viagem que não saberiam quanto tempo levaria, não demorou até que percebessem que teriam que desviar da rota prevista. 

Além disso, perceberam que o percurso poderia ser maior que o esperado. Por isso, Vizintin regressou, e a esperançosa missão ficou incumbida somente a Canessa e Parrado.

Acho que só eu e o Roberto sabemos o que é chegar ao verdadeiro limite porque não sobrou nenhuma força física em nós. Perdi 45 quilos e minha pele, meu cabelo, meus sapatos estavam me pesando."

Então, após dez longos diasde caminhada, os dois homens presenciaram o que poderiam considerar até mesmo como um milagre: chegaram à encosta de uma montanha e avistaram a margem de um rio.

E foi lá também que, ao olhar em direção ao norte, Canessa avistou um tropeiro chileno — quem transporta mercadorias em mulas —, Sergio Catalán, montado em seu cavalo.

Aproximando-se da margem do rio, ainda era difícil que os homens conseguissem conversas eficientemente. "Mas Sergio Catalán teve muito bom senso: pegou uma pedra, enrolou nela um papel e um lápis e jogou-a para o outro lado do rio", recorda o sobrevivente.

Foi então que ele escreveu um bilhete, sem sequer assiná-lo: "Venho de um avião que caiu nas montanhas. Sou uruguaio, tenho 14 amigos lá em cima". De imeditato, Catalán jogou dois pães para os homens, e partiu para Puente Negro, uma cidade a dez horas de distância a cavalo, em busca de ajuda. No dia seguinte, novas equipes de resgate chegariam.

+ A Sociedade da Neve: O que aconteceu com o homem que ajudou os sobreviventes?

Fernando Parrado e Roberto Canessa juntos a Sergio Catalán, que os encontrou perdidos nos Andes / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Resgate

Ainda durante a entrevista, Parrado destacou que os socorristas chocaram-se e não acreditavam que aqueles dois homens, extremamente esgotados, eram passageiros do avião caído dois meses e meio antes.

Então, três helicópteros da Força Aérea Chilena chegaram, e Fernando e Roberto guiaram os pilotos com um mapa até o local onde estavam os outros companheiros.

Um piloto me disse que este foi o pior voo de sua vida porque eles simplesmente não conseguiam entender para onde estavam indo", recorda Parrado.

A vida após a tragédia

Logo após ser resgatado, Parrado e os demais sobreviventes ficaram internados, para que tratassem de seus ferimentos e quaisquer outras questões de saúde, provenientes de tanto tempo sob condições extremas. Algum tempo depois, então, ele retornou para casa.

"Quando voltamos ao Uruguai, meus irmãos da montanha foram abraçados por suas famílias. Cheguei em casa e meu pai estava desesperado, pois havia perdido toda a família", conta. Ainda assim, ele não se arrepende do que aconteceu nos Andes: "Graças aos nossos amigos, 16 de nós saímos e agora, juntamente com as nossas famílias, somos 140 pessoas".

Em entrevista de 2022, o sobrevivente também afirmou que todo o grupo de sobreviventes nunca perdeu conexão entre si, e ainda hoje, mais de 50 anos depois do acidente, aqueles que seguem vivos continuam unidos. 

Fotografia recente de Fernando Parrado / Crédito: Getty Images

Nos anos que se seguiram, Parrado tentou seguir carreira profissional como piloto de carros de corrida, no entanto, decidiu seguir os negócios de seu pai, atuando como empresário de eventos, e tornou-se apresentador de televisão e palestrante motivacional.

Ele também é coautor de um livro sobre sua experiência traumática, chamado 'Milagre nos Andes: 72 dias na montanha e minha longa jornada para casa', em nome traduzido.