Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Hollywood

Merle Oberon: A atriz hollywoodiana que se passou por branca para ter sucesso

Nascida na índia, Estelle Merle O'Brien Thompson teve que viver um personagem diferente durante toda a vida: a de Merle Oberon

Fabio Previdelli Publicado em 16/10/2022, às 13h01

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
A atriz Merle Oberon - Domínio Público via Wikimedia Commons
A atriz Merle Oberon - Domínio Público via Wikimedia Commons

Em 1939, a atriz Merle Oberon marcou sua carreira ao interpretar o clássico ‘Morro dos Ventos Uivantes’. Porém, para prosperar na Era de Ouro de Hollywood, ela teve que omitir um fato sobre sua vida: sua origem. 

Nascida em Bombaim, na Índia, em 1911, na época que o país ainda era uma colônia britânica, Estelle Merle O'Brien Thompson — nome de batismo da estrela — precisou posar como uma pessoa branca até seu último ato. 

O preconceito racial na sétima arte, naquela época ainda mais evidente, fez com que Oberon renegasse seu passado — o que só foi possível por conta do tom de sua pele, que ela mais clara que de seus conterrâneos.

A vida de atuações

Filha de um pai britânico com uma mãe do Ceilão, onde hoje compreende-se o Sri Lanka, ela mudou logo cedo para Calcutá, em 1917, apenas três anos após perder o patriarca. Já na década seguinte, começou a atuar por meio da Sociedade Teatral Amadora de Calcutá.

Uma de suas maiores inspirações, conforme aponta matéria da BBC, veio quando Merle viu, pela primeira vez no cinema, o filme mudo ‘Angel of Darkness’. Havia se encantado com a atuação da protagonista Vilma Bánky.

Em 1928, Oberon começou a atuar em pequenos filmes na França, dirigidos por Rex Ingram, que conheceu a atriz por meio de um coronel do exército. Nesse período, sua mãe, Charlotte Selby, a acompanhou. Porém, como tinha a pele mais escura, era tratada como se fosse sua empregada. 

Merle Oberon em 1936/ Crédito: Domínio Público

Na verdade, Charlotte não era de fato sua mãe, mas sim sua avó. Em 2002, o documentário ‘The Trouble with Merle’ revelou que a filha de Selby, Constance, havia engravidado ainda na adolescência e sua mãe, avó de Merle, criou as duas como irmãs.

Apesar de todos esses problemas, Merle Oberon chegou às telonas em 1933, quando viveu Ana Bolena em ‘Os Amores de Henrique VIII’, dirigido por Alexander Korda — com quem se casou mais tarde. Foram os agentes de Korda, aliás, que inventaram uma história para explicar o passado da atriz. 

A Tasmânia, na Austrália, foi escolhida como seu novo local de nascimento porque estava muito longe dos Estados Unidos e da Europa e era geralmente considerada uma região 'britânica'", explicou a diretora Marée Delofski, aponta a BBC. 

Com isso, Oberon passou a ser apresentada como uma garota de classe alta de Hobart, capital da Tasmânia. Essa personagem lhe acompanhou até o fim de sua vida e ela jamais conseguiu abandoná-la. Nessa ‘realidade’, ela havia perdido o pai em um acidente de caça. 

O sucesso fez com que a atriz fosse muito admirada pela Tasmânia, um local que Estelle Merle O'Brien Thompson não possuía nenhum laço. Mesmo assim, Calcutá ainda fazia parte de sua história, e isso era praticamente impossível de esconder.

"Nas décadas de 1920 e 1930, havia menções passageiras nas memórias de muitos ingleses [que viviam na cidade indiana]", aponta a jornalista Sunanda K. Datta Ray. "As pessoas diziam que ela nasceu na cidade, que era telefonista e que ganhou um concurso no restaurante Firpo". 

Os bastidores da minha vida

Por já ser uma figurinha carimbada em Hollywood, Oberon acabou se mudando para os Estados Unidos e passou a ser cada vez mais benquista pela indústria. Em 1935, por seu papel em ‘O Anjo das Trevas’, acabou sendo indicada ao Oscar. 

Entretanto, o ponto alto de sua carreira foi em ‘Morro dos Ventos Uivantes’ (1939), quando atuou junto de Laurence Olivier, considerado uma lenda do cinema. Um ponto curioso é que Merle foi escolhida para o papel ao invés de Vivien Leigh que, por ventura, também havia nascido na Índia. 

Para viver a ‘personagem’ de Merle Oberon, Estelle Merle O'Brien Thompson teve que mudar até mesmo seu sotaque — contando com a ajuda de Korda e também com a do veterano produtor Samuel Goldwyn

Merle Oberon atuando ao lado de Laurence Olivier em 'Wuthering Heights' (1939) / Crédito: Domínio Público

"Ela muitas vezes ainda sentia a necessidade de silenciar os murmúrios frequentes de que ela era mestiça. Os jornalistas de cinema de sua época notaram sua pele mais bronzeada", aponta Mayukh Sen, escritor e acadêmico norte-americano que está escrevendo a biografia da atriz.

Segundo a BBC, relatos dão conta de que tratamentos de clareamento acabaram danificando a pele de Oberon. Em 1937, a atriz ainda sofreu um acidente de carro, o que fez com que o diretor de fotografia Lucien Ballard — com quem ela se casou após se separar de Korda — desenvolvesse uma técnica que ajudasse a disfarçar seu rosto. 

Algumas fontes sugeriram que a técnica também era uma maneira de clarear o rosto de Merle na câmera", aponta Sen.

O passado não tão esquecido

Com o tempo, ficou cada vez mais difícil para Merle negar suas origens — embora ela se manteve firma até o fim da vida. Em 1965, por exemplo, ela cancelou uma viagem à Austrália após descobrir que jornalistas estavam querendo saber mais detalhes de seu passado. 

Já em 1978, durante sua última visita à Tasmânia, ela passou a ficar perturbada quando questionamentos sobre sua identidade surgiram. Merle Orben morreu, em 1979, sem nunca admitir ter sido Estelle Merle O'Brien Thompson. Ela foi vítima de um acidente vascular cerebral. 

Sua verdade só foi revelada em 1983, quando a biografia ‘Princess Merle: The Romantic Life of Merle Oberon’ foi publicada. Charles Higham e Roy Moseley, autores da obra, encontraram a certidão de nascimento da atriz em Bombaim, assim como sua certidão de batismo e antigas fotografias com parentes indianos. 

Michael Korda, sobrinho de Oberon, havia publicado um livro de memória da família um pouco antes, em 1979, chamado ‘Alexander Korda: Uma Vida de Sonho’. Posteriormente, ele confirmou ter ocultado detalhes do passado da tia após ela ameaçar deserdá-lo. 

Achei que havia água suficiente debaixo da ponte, mas ela ainda se importava muito com seu passado", disse declarou, tempos depois, ao Los Angeles Times.