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Matérias / Personagem

A saga de Gabriel Waldman: o homem que viveu os horrores do nazismo e a opressão do comunismo na Hungria

Em entrevista exclusiva à Aventuras na História, Waldman contou sobre sua história de vida e seus principais desafios, desde a infância em seu país de origem até o momento em que chegou ao Brasil

Giovanna Gomes Publicado em 24/11/2020, às 15h00

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Gabriel em visita à Hungria há alguns anos - Gabriel Waldman
Gabriel em visita à Hungria há alguns anos - Gabriel Waldman

Movidos por ideologias, os regimes ditatoriais do século 20 e as guerras por eles desencadeadas geraram enormes atrocidades redor do mundo. Ainda que muito diferentes, o governo nazista e regimes comunistas, mesmo que tenham travado uma guerra como opostos, acabaram ambos por causar o sofrimento de famílias inteiras. Foi o caso de Gabriel Waldman.

Nascido na Hungria e judeu, ele viveu os horrores dos dois regimes quando era criança. Hoje, décadas depois, ele nos contou sua história em uma entrevista exclusiva.

O comunismo na Hungria

A União Soviética saiu da Segunda Guerra Mundial de uma forma extremamente vitoriosa, uma vez que os aliados haviam derrotado o fascismo e o nazismo. Assim, o comunismo foi implantado em diversas localidades do globo, inclusive na Hungria, que antes estava sob o domínio dos nazistas.

Mulheres judias capturadas durante o regime nazista, em 1944  / Crédito: Divulgação

Porém, a visão heróica que muitos tinham da URSS logo foi desfeita. A implantação do comunismo no país fez com que a população húngara se rebelasse contra o regime. Nas palavras de Gabriel Waldman, a Revolução Húngara representou a abertura de uma brecha na "armadura de anjos salvadores" que os soviéticos possuíam. 

Além do controle de Moscou, um outro gatilho para a eclosão da Revolução Húngara foi um incidente ocorrido pouco antes na Polônia.

Aconteceu que manifestantes que exigiam eleições livres e a saída do Exército Vermelho do país acabaram sendo violentamente atacados pelos militares soviéticos. Isso alimentou uma sede por mudanças na Hungria, de modo que em 23 de outubro 1956, iniciou-se a Revolução Húngara.

Estátua de Stálin destruída durante a Revolução Húngara/ Crédito: Divulgação

Por um momento, os rebeldes pareciam vitoriosos, uma vez que, após vários dias de conflito, os soviéticos deixaram o país. Porém, no início do mês seguinte, o Exército Vermelho invadiu novamente a Hungria e destruiu a capital Budapeste, desmantelando a revolta. Durante o conflito, que teve fim no dia 10 de novembro, milhares de soldados de ambos os lados, além de civis húngaros, perderam suas vidas.

A infância de Gabriel em seu país de origem

Como Gabriel era criança quando quando viveu os horrores na Hungria, ele não possui memórias muito vívidas da época. Porém ele se recorda de ter sentido fome, frio, sede e medo. Além disso, perdeu grande parte de seus familiares durante a guerra, inclusive seu pai, que morreu no campo de concentração de Buchenwald, na Alemanha. Naquela época, Waldman constantemente tinha de se esconder das tropas nazistas. 

Uma de suas poucas memórias do período em que o país estava sob o regime comunista era sobre a escola. "Eu era muito bom estudante quando se tratava de História, o resto era uma porcaria! Mas História, História da Hungria eu dominava! Até que um dia, minha mãe estranhou que de repente comecei a trazer notas medíocres para casa."

Assim, sua mãe foi até a escola para tentar entender a razão das notas baixas. "Nada a ver com o seu filho", disseram-lhe. "O partido comunista deu ordens de que ninguém de origem burguesa possa ter nota maior do que cinco". Como a nota máxima era dez, a mãe de Gabriel logo percebeu que ingressar na faculdade seria algo impossível para ele. "Acho que um ano depois - em 1949 - fugimos da Hungria," disse Waldman.

Da insegurança do nomadismo à nova vida no Brasil

Gabriel no Brasil aos treze anos / Crédito: Gabriel Waldman

Até os treze anos de idade a vida de Gabriel foi marcada pelo nomadismo. Após ter fugido da Hungria com a mãe, ele passou anos viajando para diferentes países, período no qual enfrentou sérias difilculdades financeiras.

Porém, tudo mudou quando chegou ao Brasil em 1952. "De repente tivemos segurança, de repente tivemos uma existência digna desse nome."

"Ninguém queria saber de nós. Nós éramos simplesmente o refugo da Terra, por assim dizer. Agora, quando cheguei aqui, encontrei um ambiente seguro, um ambiente estável, consegui fazer amizades, refiz minha vida, ou melhor, fiz minha vida, porque antes dos treze anos, quando cheguei aqui, a vida era praticamente ligada à minha mãe e à minha família, metade da qual foi exterminada", disse ele.

Quando questionado de como superou esses acontecimentos, Gabriel declacou: "Eu diria que não superei nunca, tanto é que estou dando esta entrevista e escrevo e falo o tempo todo sobre a Segunda Guerra Mundial e o comunismo". No entanto, ele afirma não ter raiva pelo que passou, pois "isso já foi absorvido pelo tempo e pela racionalidade."

Gabriel e seus dois filhos / Crédito: Gabriel Waldman

No Brasil, Gabriel Waldman também se dedicou à escrita, prática que realizava desde a infância. Seu mais recente livro A Estratégia do Escorpião, foi lançado em 2018, é inspirado na obra de Humberto Eco, O Nome da Rosa.

A história ambientada em dois períodos distintos: o personagem principal visita a Hungria durante o século 20, quando o país ainda estava sob o domínio dos comunistas e, lá, desvenda o mistério de um crime cometido durante a Idade Média. Segundo o autor, ao contrário de outros livros, que são um tanto autobiográficos, A Estratégia do Escorpião é totalmente fictício.

Considerações sobre negacionismos e regimes ditatoriais

Sabemos que os movimentos negacionistas têm ganhado força recentemente. Questionado sobre o tema, Waldman declarou que a melhor forma de combatê-los é não dando notoriedade a eles. "Não dá para mudar a opinião deles, pois eles não querem razão, eles querem dar vazão aos seus desejos históricos, o que gostariam que tivesse acontecido."

"Quanto mais você reage, mais trela você dá para eles e isso é bom evitar. Então, eu prefiro simplesmente ignorá-los," prosseguiu. "Quanto aos regimes ditatoriais eu tenho pena deles. Eles pensam que vão mudar tudo e não mudam nada no fim das contas."


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