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Matérias / Brasil

A suposta suástica na pintura do Parque da Redenção, em Porto Alegre

Conversamos com especialistas para entender o que pode estar por trás do piso com cores da bandeira nazista

Isabela Barreiros Publicado em 13/11/2021, às 06h00

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Pintura no Parque da Redenção (Farroupilha), em Porto Alegre - Divulgação/Facebook/Felipe Kirst Adami
Pintura no Parque da Redenção (Farroupilha), em Porto Alegre - Divulgação/Facebook/Felipe Kirst Adami

No mês passado, um piso com uma pintura que remeteu visitantes do Parque da Redenção (Farroupilha), em Porto Alegre, a uma suástica nazista causou polêmica.

O professor universitário Felipe Kirst Adami foi responsável por publicar imagens da inscrição nas redes sociais, comparando-a com o símbolo usado pela Alemanha do ditador Adolf Hitler.

"Eu cheguei com a minha família, a gente subiu e foi ver o lago. Eu olhei para o piso, vi as linhas pretas e vermelhas. Quando me afastei um pouco, saltou aos meus olhos a suástica", escreveu Adami, que se perguntou se o que via estava em um parque da Alemanha nos anos 1930 ou na capital gaúcha no século 21.

De acordo com a prefeitura de Porto Alegre, “em documentos antigos, há registros da existência destes detalhes no piso já em 1943”.

No entanto, a nota divulgada, com base nos dados da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), informa ainda que os mesmos detalhes “fazem parte do projeto original” do parque, inaugurado em 1935. 

O diretor do Departamento de Patrimônio e Memória da Secretaria Municipal da Cultura, Nelson Boeira, disse ao portal local Zero Hora que o caso requer estudos e ainda existem controvérsias. Por isso, uma investigação está em andamento e deve concluir se há ou não alusão nazista na imagem no parque.

O que dizem os especialistas

“Ficou bem evidente que se trata de uma relação lógica e simbólica com a bandeira nazista pelos seguintes aspectos: pelas cores e pelas formas. Vemos o vermelho retangular, o branco, circular e o preto representando a suástica, que é 95% do emblema nazista, em forma dinâmica e estilizada”, explica Édison Hüttner, professor do Programa de Pós-Graduação em História (PUCRS) e pós-doutor em História pela PUCRS.

Para o pesquisador, que conversou com o site Aventuras na História, “a pintura é fruto de uma simbologia nazista praticada na época no Rio Grande do Sul”, pois esta era amplamente utilizada em locais como clubes, escolas e locais de recreação no geral, que transformaram a bandeira nazista em uma espécie de “figurinha”, vista por toda a região.

No próprio Parque da Redenção, por exemplo, foi hasteada uma bandeira com a suástica por ocasião da Grande Exposição Farroupilha, durante a inauguração do Parque Farroupilha, nome original do espaço, em 1935.

É possível que o projeto tenha sido feito no mesmo período e que a pintura remonte à essa data.

Estudo feito por Édison Hüttner mostra comparação do desenho no piso com bandeira nazista / Crédito: Édison Hüttner

Como apontam tanto Hüttner quanto René Gertz, historiador especialista em nazismo no Brasil, autor de “O neonazismo no Rio Grande do Sul” (2012), se a pintura data do período entre 1934 e 1935, é possível que ela tenha tido inspirações nazistas quando foi reproduzida no piso do parque. 

“Em 1935, há alguma possibilidade ou haveria, em tese, possibilidade de uma influência, porque o nazismo estava em evidência. O Brasil estava numa relação ótima com a Alemanha por razões econômicas, o prefeito da cidade, Alberto Bins, costumava dizer que Hitler estava fazendo um bom governo na Alemanha, e, ainda, o governador Flores da Cunha era bastante amigo do consulado alemão em Porto Alegre”, diz Gertz à Aventuras na História.

“Só que daí fica em primeiro lugar a pergunta: por que não é explícito? Porque aquilo não é uma suástica explícita. Poderia ser uma alegoria, mas porque fazer uma alegoria já que no parque havia, por exemplo, a bandeira nazista hasteada naquele mesmo período?”, questiona.

O pesquisador ressalta que mesmo a presença da bandeira no parque pode ser relativizada. Segundo ele, "em 1935, havia bandeiras de muitos países no parque e, entre elas, a bandeira da Alemanha, que, naquele momento, era a nazista". Como um país de partido único naquele período, a bandeira do Partido Nazista era a bandeira da própria Alemanha. 

Dentre as hipóteses, ainda é possível que a pintura tenha sido feita a partir de 1943, data indicada pelos documentos consultados pelas autoridades gaúchas, que divulgaram a nota durante a polêmica. O especialista descarta inspirações na Alemanha nazista se esse for o caso. 

“Se o piso foi construído em 1943 é absolutamente improvável que tenha conotação nazista, porque justamente foram os anos 1942 e 1943 em que o governo do Rio Grande do Sul começa a rebentar com tudo que denotava a Alemanha nazista e qualquer coisa do tipo. O Brasil entrou em guerra com a Alemanha naquele período”, explica.

Se os detalhes do piso realmente fizessem alusão a elementos nazistas, provavelmente teriam sido retirados pelo governo ou seriam depredados pela população, que chegou a arrancar placas de rua só por terem nomes alemães ou até mesmo pelo nome da capital, Berlim.

Segundo a prefeitura de Porto Alegre, a última reforma feita no parque, que é tombado como patrimônio histórico, cultural, natural e paisagístico da capital desde 1997, fez com que o piso colorido se “destacasse”. A mais recente restauração foi feita em fevereiro de 2020. 

“Pode ser que eles tenham tirado, agora, o que tinha por cima e, limpando o piso, apareceu o desenho. Então alguém pode ter feito uma pintura antes, em um processo de tentar esconder essa imagem. Teria que ver se alguém fez uma reforma no parque antes dessa de 2020 e pintou esse piso”, sugere Hüttner.

Repercussões do caso

Piso do Parque da Redenção / Crédito: Divulgação/Facebook/Felipe Kirst Adami

Com a repercussão da suposta suástica no parque, a pintura acabou sendo vandalizada, com parte do piso sendo coberta por pichações de tintas de cor verde e branca no final do mês de outubro. Para Gertz, a ação consiste em uma enorme “irracionalidade e insensatez” ao depredar um patrimônio público simplesmente “porque alguém disse que aquilo é nazismo”. 

“Eu acho que soma negativamente, até porque está em discussão ainda”, afirma Hüttner. “Por outro lado, — não estou dizendo que é positivo —, mas é um sinal de que existe a vontade de fazer uma intervenção. Eu acredito que a pichação talvez seja uma manifestação de tudo isso que está acontecendo”, completa. 

Perguntados se as semelhanças apontadas pelo público do piso com a bandeira nazista e a polêmica por si só poderiam ser motivos suficientes para a alteração ou remoção do piso, mesmo que se comprove que ele não tenha inspirações com a Alemanha de Hitler, os dois especialistas têm opiniões diferentes.

“Isso comprova que tem que ser alterado ou retirado. Eu não vejo nenhum problema em alterar ou retirar a pintura. É uma coisa que liga a algo negativamente, ainda mais no Parque Farroupilha. O símbolo falou por si próprio”, opina Hüttner. “Mas no meu ponto de vista, a prefeitura de Porto Alegre deveria se aproximar da comunidade israelita local formalmente em nível de estudos, porque envolve a sensibilidade de um povo”.

“A minha opinião é que se a gente fizesse isso, estaríamos incorrendo em um erro gravíssimo”, julga Gertz. “Se nós cedermos, daqui a pouco alguém vai sair na rua com blusa vermelha, saia preta e meias brancas e será vandalizado e atacado, em via pública porque algum intérprete disse que são as cores da suástica. Precisamos ter bom senso”. 

A prefeitura e Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre foram procuradas para se posicionarem sobre o caso, mas não retornaram o contato até o fechamento desta reportagem. 

“Eu espero que logo tudo isso se resolva, porque ficar assim como está vai somar negativamente para o município de Porto Alegre. Ficar parado e não deixar falar mais é uma solução impensável. Alguma coisa tem que ser feita”, finaliza Hüttner