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Desventuras / Ditadura

"No pau-de-arara, você confessa qualquer coisa", diz vítima da ditadura militar

Em entrevista, Emilio Ivo Ulrich contou sobre seus dias no DOI-CODI e como venceu um processo movido contra o Estado

Isabelly de Lima Publicado em 30/03/2024, às 10h00 - Atualizado em 15/04/2024, às 17h50

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Imagem de militares durante a Ditadura Militar e Emilio Ivo - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons e Aventuras na História
Imagem de militares durante a Ditadura Militar e Emilio Ivo - Wikimedia Commons, sob licença Creative Commons e Aventuras na História

Você já imaginou ganhar um processo? Pode até ser que sim, ou talvez até já tenha ganhado algum, e é até normal. Mas já pensou processar o Estado brasileiro e ganhar? Pode até parecer loucura, mas Emilio Ivo Ulrich tornou esse feito realidade.

Natural do estado do Rio Grande do Sul, Emilio Ulrich, atualmente com 76 anos de idade viveu os horrores da ditadura militar. Ele participou da União Gaúcha de Estudantes e enfrentou sua primeira detenção no Deops/RS devido à sua atividade política no meio estudantil. Assim, foi alvo de perseguição política, que também atingiu sua família com violência física.

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Capa do livro 'Tortura Não Tem Fim' - Reprodução / Editora Insular

Posteriormente, mudou-se para São Paulo, onde se associou à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Emilio foi preso em 20 de novembro de 1970 pela OBAN, após denunciado por um colega da VPR, que, submetido a tortura, não resistiu à intensidade da dor e acabou o entregando.

No DOI-CODI, Emilio sofreu tortura, que marcou sua trajetória para sempre e se tornaram um grande trauma. Ao site Aventuras na História, Ivo relata algumas das torturas que viveu no local e também como foi reparado.

A prisão 

Emilio é autor do livro 'Tortura Não Tem Fim', em que relata os momentos de perseguição e tortura. Segundo ele, “a Ditadura não fazia investigação. O exército brasileiro foi preparado em um setor que só levava majores, capitães e tenentes para fichar, perseguir, localizar, prender, torturar, matar e desaparecer com os corpos”.

Ivo relatou ter sofrido diversos tipos de tortura, incluindo pau-de-arara, cadeira de dragão (uma cadeira que dava choque ao sentar), diferentes agressões físicas, e, claro, humilhações que ele sente muito ao relembrar. "Passei a apanhar mais porque disse que não era comunista, e sim democrata", afirmou ele. "Todos nos chamavam de comunistas, mas nós estávamos muito longe do partido comunista".

Entretanto, um momento importante que ele relata foi o pós-DOI-CODI, que acarretou muitas complicações em sua trajetória, tanto na juventude quanto na fase adulta. Os 30 dias de tortura, com certeza, mudaram o rumo de seus dias.

“No pau-de-arara, você confessa qualquer coisa. Na cadeira do dragão, aquela cadeira dando choque, você só assina. [...] Eu só não podia entregar meu companheiro [Yoshitane Fujimori], só isso, de resto, ‘ah, você matou o Papa’, é, eu matei e ponto", disse Ivo.

Quando saí do DOPS, eu assinei tudo que eles queriam, só não falei que tinha matado minha mãe. [...] No meu processo, eles diziam que eu ajudei a jogar a bomba que explodiu a Praça 14 Bis, que eu participei do sequestro do cônsul japonês, que eu assaltei um banco com um grupo, e ser comunista né, orientado pela União Soviética", continuou.

Causa ganha

O sobrevivente explica que foi preso não porque era inocente, até porque, além de ser contra a ditadura e participar de atos contra o regime militar, ele também andava armado, o que sabia que era errado. Anos depois, moveu um processo contra o Estado por danos morais.

"Eu não imaginava que essa causa tinha chance de vitória. Eu já tinha sido anistiado, eu recebi uma reparação pecuniária. [...] Mas eu topei", afirma Emilio. "Eu ganhei a causa. Ganhei o precatório, não recebi, um dia vou receber".

Protestos contra Ditadura Militar - Domínio público

Entretanto, Emilio confessa que ganhar um processo de danos morais, tendo em vista tudo aquilo que viveu, não tem sabor de vitória.

"Não foi um sentimento de vitória. Eu nunca poderia imaginar que eu poderia processar o Estado brasileiro pelo que aconteceu. Primeiro me perseguiu, 22 anos de SNI [Serviço Nacional de Informações]. Segundo, não consegui entrar em algumas faculdades, não consegui trabalho, tinha todo tipo de problema", afirmou ele.

Ainda que o resultado, ao menos, tenha sido justo, de certa forma, não vale o sofrimento de Emilio. Ele conclui que ainda tem medo de que algo similar se repita, principalmente após avaliar a situação da população brasileira, e o apoio “excessivo” de alguns aos militares. “O exército está sempre pronto para dar golpe, e nós, meros civis, nada somos”.

Para conferir a entrevista completa com Ivo, dê play no vídeo abaixo: