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Colunas / Valdo Resende / Tarsila do Amaral

Da vida intensa a arte que revela o Brasil: Tarsila do Amaral em três faces

Nascida no final do século XIX, Tarsila do Amaral ainda é a figura feminina mais destacada da história da arte no país

*Valdo Resende Publicado em 23/03/2024, às 10h00 - Atualizado em 24/03/2024, às 10h26

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Tarsila do Amaral (à esqu.) e Abaporu, de 1928 (à dir.) - Acervo pessoal e Arquivo Nacional
Tarsila do Amaral (à esqu.) e Abaporu, de 1928 (à dir.) - Acervo pessoal e Arquivo Nacional

Tarsila do Amaral permanece em evidência. Nascida no final do século XIX, foi personagem de ponta do Modernismo Brasileiro e continua sendo a figura feminina mais destacada da história da arte no Brasil.

1. Vida intensa

A história de vida de Tarsila do Amaral tem todas as características para uma narrativa emocionante. O princípio é de uma menina rica, nascida em uma das grandes fazendas de café que fizeram a fortuna de muitos paulistas. Educada nos moldes europeus, casa-se aos 18 anos com um primo e tem sua única filha, Dulce. Contrariando expectativas do ‘unidos para sempre’ se separa e muda para São Paulo. Começa a estudar arte, escultura e pintura.

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) Autorretrato, ou Le Manteau Rouge – 1923 - Tarsila do Amaral

Resolve aprofundar seus estudos na Europa e tempos depois volta ao Brasil, onde já havia ocorrido a Semana de Arte Moderna de 1922. Tarsila, que já conhecia Anita Malfatti, se aproxima de outras personagens de então. Gente como Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti del Pichia. Eles formam o Grupo dos Cinco e, ao mesmo tempo que buscam caminhos para a arte e a cultura do país, não deixam de lado questões como o amor: Tarsila inicia relacionamento com Oswald de Andrade.

De volta a Paris, com Oswald de Andrade transita entre os ateliês de arte e de alta costura. Segue sua carreira e retorna às origens ao voltar ao Brasil. Viaja para o Rio de Janeiro, Minas Gerais e torna-se personagem principal do Modernismo Brasileiro.

Novamente em Paris para assuntos de trabalho, retorna ao Brasil para se casar com Oswald, em 1926. As atividades em pintura prosseguem e a vida seria um conto de fadas, caso o marido não se apaixonasse por Pagu, a jovem Patrícia Galvão, e se não houvesse a quebra da Bolsa em New York, em 1929, o café perdendo mercado e muitas famílias, como a de Tarsila, passando a ter dificuldades financeiras. Crise no mercado e na vida da artista.

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Retrato de Oswald de Andrade. Tarsila do Amaral, 1922 - Tarsila do Amaral

Uma vida intensa prossegue plena de acontecimentos. A jovem senhora, separada de Oswald, enfrenta o trabalho. Encontra um novo companheiro, Osório Cesar, e vai parar na URSS onde participa de exposições, de reuniões de esquerda e, quando volta ao Brasil, é presa. Prossegue trabalhando, escreve para jornais, continua exercendo a pintura e ainda vive um novo amor, Luís Martins. Participa de exposições internacionais, recupera propriedades antes perdidas, ilustra livros, conhece em vida o sucesso e o reconhecimento.

Seria um final feliz, caso Tarsila não tivesse enfrentado a perda da neta e, depois, da filha. E mais. Uma operação mal sucedida e a mulher de inegável beleza, de porte elegante e altivo, passa o resto da vida em uma cadeira de rodas. Como toda boa heroína de romance, nunca perdeu a alegria de viver. Como artista, jamais deixou de exercer o seu ofício.

2. A pintora talentosa revela o Brasil

Pegue um bom livro ilustrado sobre a obra de Tarsila, ou visite o site dedicado à artista. Brasileiro ou estrangeiro, o observador descobre o Brasil visto através da técnica e da sensibilidade de uma grande pintora. A vida no campo, os hábitos e a paisagem urbana, o universo mágico do folclore e da cultura brasileira são representadas com poesia e beleza na pintura e nos desenhos da jovem que afirmou: “Quero ser a pintora do meu país”.

Paisagem com Touro – Tarsila do Amaral, 1925 - Tarsila do Amaral

Por volta de 1916 Tarsila estuda escultura, e seu primeiro professor de desenho e pintura foi Pedro Alexandrino. Depois continua estudos em Paris, entrando para a Académie Julian, que pioneiramente aceitava mulheres entre seus alunos. No mesmo ano da Semana de Arte Moderna, 1922, Tarsila expõe no Salon Officiel des Artistes Français. Até então, é uma pintora em formação, cuja personalidade irá se firmar ao voltar ao Brasil, quando faz parte do Movimento Modernista. Entre idas e vindas para a Europa, viaja pelo Brasil e cria sua obra notável.

Temas e gêneros comuns na pintura, os retratos e autorretratos de Tarsila chamam a atenção pelos avanços notáveis da artista pouco tempo após iniciar seus estudos. Nos retratos estão técnicas inovadoras, a apropriação antropofágica de conhecimentos adquiridos na Europa nos revelando personagens como Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Nos autorretratos conhecemos as diferentes faces de uma mulher. A menina da fazenda, a jovem senhora urbana, a mulher e artista dona de si. O Autorretrato (Manteau Rouge), de 1923, registra uma Tarsila presente no nosso imaginário: bela, talentosa e dona de seu ofício.

Blaise Cendrars, um escritor e artista amigo de Tarsila, chegou ao Brasil em 1924. Uma viagem para que ele conhecesse o carnaval do Rio de Janeiro, e a Semana Santa nas cidades históricas mineiras, causa profundas mudanças no trabalho da pintora. Tarsila registra o que vê por duas razões. Uma, pois, será a ilustradora do livro de Cendrars sobre o Brasil. A outra é de cunho absolutamente pessoal. Ela intensificará a técnica aprendida na Europa para representar o Brasil em todas as suas cores e faces.

Tarsila já havia pintado “A Negra” (1923) antes da viagem ao Rio e a Minas; um claro registro de seu mergulho no passado de menina nascida em fazenda que mantinha gente escravizada. Abandonando a figuração tradicional, passa a se valer do domínio de técnicas do cubismo e de outros movimentos aprendidas em Paris. Concretizará em seu trabalho os ideais propostos nos anos seguintes, constituindo-se no marco pictórico dos manifestos Pau Brasil e Antropofágico, ambos fruto das ideias de Oswald e dos Modernistas.

Os trabalhos da Fase Pau Brasil registram locais específicos, como nas obras “São Paulo”, “Morro da Favela”, “Feira”, e manifestações populares presentes em “Anjos”, “Carnaval em Madureira”, todas essas obras feitas em 1924. O Brasil de Tarsila é diverso, colorido, rico em manifestações. A pintora elabora paisagens que calam na alma de quem observa o Brasil em suas diferentes regiões. Nossa riqueza tropical está presente em suas telas que valorizam o litoral e o interior do país e telas como “Paisagem com Touro” (1925), e “O Mamoeiro” retratam um país que tateia entre o rural e o urbano, este muito bem definido em “EFCB” (1924) e em “A Gare” (1925).

Operários, Tarsila do Amaral - 1933 - Arquivo

Em janeiro de 1928 Tarsila presenteou Oswald de Andrade com o “Abaporu” (1928). Uma ‘figura monstruosa de pés colossais, pesadamente apoiados na terra’, nas palavras da própria pintora. Impressionado, Oswald dividiu impressões com o poeta Raul Bopp. Foram eles a darem o nome Abaporu, junção de vocábulos tupis, podendo ser traduzido como Antropófago. Surge então o movimento artístico e literário, que tem entre seus marcos a Revista de Antropofagia, de grande repercussão.

A fase antropofágica está entre o que se pode denominar maturidade artística. Tarsila atinge o ápice do domínio técnico e da capacidade expressiva. Amplia as possibilidades de representação do nosso país criando imagens lúdicas, como em “O ovo (urutu)”, ou em “O lago,” ambas de 1928. São imagens oníricas, criadas com apuro técnico e baseadas na percepção de mundo da artista, como se pode observar em obras como “A lua” (1928) ou “Sol Poente” (1929).

Outra face de Tarsila, já na década de 30, aparece em obras de cunho social. Em viagem a Moscou e participando de reuniões do Partido Comunista, Tarsila lança um olhar diferenciado para nossa população nas telas “Segunda Classe” (1933) e “Operários” (1933), um grande marco no conjunto da obra da artista. Nos anos seguintes a pintora visitaria outras questões sociais, às vezes revisitando a si mesma em trabalhos que remetem ao Pau Brasil ou a Antropofagia.

3. A artista além do próprio tempo

Um musical 100% nacional, informa a divulgação de "Tarsila, a Brasileira", o espetáculo protagonizado por Claudia Raia em São Paulo. Cenários coloridos e exuberantes, dezenas de atores-cantores se unem para contar a vida da pintora. Um exemplo concreto da atualidade de Tarsila, da popularidade da pintora e do interesse do mainstream pela figura e pelo trabalho da artista, cuja imagem já alavancou venda de sandálias, perfumes, e tapeçaria, entre outros.

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Abaporu, Tarsila do Amaral, 1928 - Arquivo Nacional

Certamente interessaria à própria artista ter sua obra valorizada. No Brasil, o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e o Museu de Arte Contemporânea da USP, em São Paulo, estão entre os locais públicos onde podemos ver trabalhos da artista. Fora do país, o MoMA (Museum of Modern Art), em Nova York, o Reina Sofia, em Madri e o MALBA, Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires. Neste, o “Abaporu” é apresentado com grande destaque. A maioria dos trabalhos de Tarsila estão em coleções particulares, que vez em quando cedem quadros para exposições.

Há outras possibilidades de conhecer mais sobre Tarsila que, em vida, foi bela e elegante. Usou vestidos exclusivos de criadores franceses e, com Oswald, trabalhou para que suas roupas apresentassem aspectos da estética modernista, o que pode ser conferido na intensa pesquisa da professora Carolina Casarin, publicado no livro “O Guarda-roupa Modernista”.

Um jeito brasileiro de se apropriar antropofagicamente e fazer moda. Aos poucos vão aparecendo trabalhos como esse livro, que propicia maior conhecimento sobre a artista, indo além do interesse em “vender produtos” agregados, como canecas, cervejas, camisetas e similares.


*Valdo Resende é mineiro de Uberaba, MG e reside em Santos-SP. Mestre em Artes Visuais e escritor, é autor de “dois meninos – limbo” e “O Vai e Vem da Memória”. Publica contos e crônicas em seu blog.