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Desventuras / Utopia dos ratos

Utopia do ratos: o experimento que lançou previsões sobre os impactos da superpopulação

Experimento polêmico envolvendo roedores foi realizado ao longo de décadas pelo etólogo americano John B. Calhoun

por Giovanna Gomes

ggomes@caras.com.br

Publicado em 04/07/2023, às 18h28

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Calhoun em uma utopia de rato em 1970 - Divulgação / Yoichi R Okamoto
Calhoun em uma utopia de rato em 1970 - Divulgação / Yoichi R Okamoto

Entre as décadas de 1950 e 1970, o etólogo americano John B. Calhoun realizou um experimento comportamental que tinha a finalidade de analisar o impacto da superpopulação nas áreas urbanas e sua possível influência no declínio da humanidade. O experimento foi conduzido com ratos, visando exemplificar questões psicopatológicas relacionadas à superpopulação.

O primeiro experimento foi realizado em uma fazenda em Rockville, Maryland, nos Estados Unidos. Na época, Calhoun construiu um cercado de aproximadamente mil metros quadrados, capaz de abrigar até 5 mil roedores. Conhecido como a "cidade dos ratos", o cercado foi habitado por cinco ratazanas grávidas e, logo, o etólogo iniciou suas observações.

Surpreendentemente, mesmo com o passar de dois anos, a população de ratos nunca ultrapassou 200 indivíduos, como destacou o portal Megacurioso. Intrigado com o resultado, Calhoun repetiu o experimento mais 24 vezes.

Utopia dos ratos

Em 1954, enquanto trabalhava no Laboratório de Psicologia do Instituto Nacional de Saúde Mental, Calhoun decidiu realizar o experimento pela 25ª vez, mas desta vez com foco em como os roedores se comportariam em um ambiente controlado, livre de predadores, com baixa incidência de doenças e com acesso adequado a água, comida e abrigo.

O projeto recebeu o nome de "utopia dos ratos", uma vez os animais estabeleceram uma estrutura social que os seres humanos jamais poderiam alcançar.

Imagem ilustratuva / Crédito: Imagem de Tibor Janosi Mozes por Pixabay

Problemas comportamentais

Inicialmente, a população de roedores cresceu de forma estável, mas à medida que o espaço se tornava escasso, começaram a surgir problemas sociais e comportamentais. Esse conjunto de comportamentos recebeu o nome de ralo comportamental.

Com o passar do tempo, o superpovoamento levou ao estresse, à agressão, à competição por recursos limitados, ao aumento da taxa de mortalidade e à deterioração geral da saúde e do comportamento dos ratos. Além disso, o ambiente superlotado também afetou negativamente a reprodução e o desenvolvimento social, resultando em uma população disfuncional.

O estudo foi amplamente discutido e interpretado em diferentes contextos, extrapolando sua relevância para questões sociais e comportamentais humanas.

O experimento da "Utopia dos Ratos" é frequentemente citado como um exemplo das consequências negativas do superpovoamento e da falta de recursos em uma população, levantando questões sobre a sustentabilidade e os efeitos psicológicos e sociais do crescimento populacional descontrolado.

Ataques e abandono

De acordo com a revista Smithsonian, Esther Inglis-Arkell destacou que "no pico populacional, a maioria dos ratos passava cada segundo vivo na companhia de centenas de outros animais. Eles se reuniam nas principais praças, esperando para serem alimentados e ocasionalmente atacando uns aos outros. Poucas fêmeas levaram gestações a termo, e as que o fizeram pareciam simplesmente esquecer seus bebês."

Ainda segundo a fonte, "eles afastavam metade da ninhada do perigo e esqueciam o resto. Às vezes, eles largavam e abandonavam um bebê enquanto o carregavam."

Imagem ilustrativa / Crédito: Imagem de Silvia por Pixabay

Os belos

Dentro dos espaços isolados, Calhoun observou uma população que ele chamou de "os belos". Esses espaços eram geralmente guardados por um macho, e as fêmeas - e alguns poucos machos - dentro desses espaços não se reproduziam, brigavam ou realizavam qualquer atividade além de comer, cuidar e dormir.

À medida que a população começou a diminuir, os "belos" foram poupados da violência e da morte, mas perderam completamente comportamentos sociais, como o acasalamento ou o cuidado com os filhotes.

Os experimentos de Calhoun foram interpretados na época como evidências do que poderia ocorrer em um mundo superpovoado. Naquela época, várias obras de ficção científica exploraram as ideias de Calhoun e de seus contemporâneos de maneiras criativas.

Problema de distribuição

Nos últimos tempos, o trabalho de Calhoun recebeu novas interpretações. Inglis-Arkell explica que os habitats que ele criou não estavam verdadeiramente superlotados. Na verdade, o isolamento teria permitido que ratos agressivos ocupassem território e isolassem os "belos". Ela argumenta: "Em vez de ser um problema de superpopulação, pode-se argumentar que o Universo 25 tinha um problema de distribuição justa".

A fonte destaca, porém, que o que ocorre com os ratos não se aplica a nós, seres humanos. Para o historiador e médico Edmund Ramsden "os ratos podem sofrer com aglomerações, mas os seres humanos conseguem lidar com isso". Ele acrescenta que a pesquisa de Calhoun foi vista não apenas como questionável, mas também como perigosa.

Como destaca Ramsden, a decadência moral pode surgir "não da densidade, mas da interação social excessiva". Além disso, ele aponta que "nem todos os ratos de Calhoun tinham enlouquecido" e que "aqueles que conseguiram controlar o espaço levaram vidas relativamente normais."