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Matérias / Personagem

Há 136 anos nascia Franz Kafka, um dos principais escritores em língua alemã da História

De acordar sendo um inseto a ser processado sem saber por quem, os enredos do criativo autor fazem a sociedade refletir sobre a impotência diante de um mundo alucinado

André Nogueira Publicado em 03/07/2019, às 08h00

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Wikimedia Commons
Wikimedia Commons

Franz Kafka é um dos nomes da literatura impossíveis de desviar. Em algum momento, você encosta em sua obra, que é referência básica pra muitos nomes da filosofia, como Albert Camus, Gabriel García Márquez, George Orwell,J e L. Borges.

Kafka era um ardiloso escritor de romances e contos, nascido na Áustria-Hungria, em 3 de julho de 1883. Veio de uma família judia de Praga (República Checa), cidade dividida entre nacionalistas checos e falantes do alemão. O próprio Kafka falava as duas línguas, mas se identificava como germânico.

 Sua obra é marcada pela questão da subserviência involuntária, a impotência cidadã, a alienação e a brutalidade do poder. Parte da crítica subjetiva nasceu de sua realidade concreta: formado em Direito, Franz foi funcionário da burocracia em uma companhia de seguros. Ele conhecia o mundo burocrático e metódico de quem controla as informações das pessoas sem elas saberem. Escrevia em seu tempo livre, sempre lembrando o quanto queria se dedicar menos ao emprego e mais à vocação.

Kafka, ainda criança / Crédito: Wikimedia Commons

Kafka era considerado uma pessoa estranha. Ele tinha uma questão forte com a autoestima, e sentia medo de ser considerado repulsivo intelectualmente. Quem o conhecia, no entanto, afirmava que ele um rapaz agradável, gentil, calmo e astuto. Diziam que seu senso de humor era singular, frio, seco e certeiro. Em 1902, conheceu Max Brod, também escritor, que se tornou seu melhor amigo e testamentário literário.

A obra de Kafka é marcada por alguns aspectos importantes de sua vida pessoal, tendo um forte teor autoavaliativo: sua afeição às obras de Dostoievsky e Flaubert, a relação conflituosa com o pai, o antissemitismo, a vida profissional exaustiva, a curiosidade cerceada do acalantado escritor, por exemplo, são as características apontáveis em seus textos.

Entrar de cabeça num livro de Kafka é mergulhar num bizarro sonho incômodo. Isso porque a sua obra é infestada pelo mundo onírico do absurdo, do incompreensível e da projeção do inconsciente, mas diferentemente de um Lewis Carroll, o ambiente alucinante serve como tabuleiro de um jogo de opressão e de contingenciamento do indivíduo, nunca trazendo um clima de satisfação afetiva, mas de completa impotência. O termo kafkiano surgiu justamente dessa ambientação literária: é tudo aquilo que é labiríntico, complicado, enganador e surreal.

Franz e seu amigo Max Brod / Crédito: Reprodução

Sua obra faz por merecer esse adjetivo. A mais famosa, A Metamorfose (Die Verwandlung, 1915) conta a história de Gregor Samsa, um rapaz de trabalho medíocre e infeliz que acorda e descobre que se metamorfoseou em um inseto.

Não por escolha, não como consequência de alguma ação sua, não uma maldição: ele apenas se torna um inseto. E, por muito tempo, fica preso a uma posição pelo simples fato de não conseguir se levantar, como um besouro que atola de costas. Gregor sofre, sem poder fazer muito para mudar sua sina.

A Metamorfose é uma obra sobre relações em degradação. Com seu chefe, Gregor já tinha uma má relação e o tempo todo isso é reforçado com a decepção. Com a família, é visível um longo processo de desapego e formação de ódio dos pais em relação a Gregor, tal qual a maçã que apodrece simbolicamente nas costas do inseto. Ao final, quem vence é o ódio: sua família quer se livrar daquele peso.

Kafka, quando jovem, se aproximou do debate político de uma maneira que nunca se ausentou em sua vida. Por um tempo, ele assistiu a encontros de um grupo chamado Klub Mladých, uma organização anarquista tcheca que lutava pelo fim do Estado, dos militares e da Igreja.

Mesmo sofrendo diversas desilusões com grupos políticos antisistêmicos, o artista nunca largou essa proposta: ele dizia que compreendia e concordava com os anarquistas, mas que não conseguia lidar e conviver com eles. Daí em diante, muitos viam Kafka como um socialista.

Arte representa o clima de A Metamorfose / Crédito: Reprodução

Esse é um dos motivos pelos quais, para além das relações pessoais, Kafka fez duras críticas ao Estado, à burocracia e ao poder (inclusive econômico). Outro romance famoso seu foi O Processo (Der Prozess, 1925), que conta a história de um homem que enfrenta uma longa ação jurídica, incompreensível e desnecessária, em que ele é processado sem saber o motivo ou mesmo o acusador.

Incapaz de se defender, o protagonista é obrigado a suportar sua impotência em relação aos diversos poderes anônimos a qual está sujeito. O Estado e a burocracia aparecem como opressores vitoriosos, majestosos em sua arte de impedir a reação das pessoas.

Da mesma maneira, Kafka escreveu Na Colônia Penal (In der Strafkolonie, 1914), que narra a penalização de um soldado insubordinado, que é observada por um viajante numa colônia francesa. No campo do punitivismo, Kafka expõe também a forma como poderes obnubilados tornam o cidadão impotente de se proteger.

As imputações arbitrárias e o sistema corrupto sumário aparecem, assim, como temas relevantes na literatura kafkiana. Os réus de sua obra foram acusados, tiveram uma falsa oportunidade de defesa e acabaram culpados por questões desconhecidas. É seu recorte preciso da sociedade moderna em ascensão.

Ou seja, Kafka retratou em seu livro o processo histórico que presenciou: a modernização da Europa, a industrialização, a criação de institutos especializados na punição e na administração, a formação das sociedades de massa e das tecnologias que transformam a sociedade em cidadãos análogos ao gado.

Como numa máquina, em que os processos já são determinados e automatizados, a sociedade tem no homem sua principal peça para seu mecanismo de opressão.

Kafka tinha tuberculose laríngea, que piorou muito no fim de sua vida, fazendo-o retornar a Praga para ficar com a família. Ele morreu em 1924, num sanatório próximo a Viena, por decorrência da inanição — sua doença fazia com que comer fosse muito doloroso.