Busca
Facebook Aventuras na HistóriaTwitter Aventuras na HistóriaInstagram Aventuras na HistóriaYoutube Aventuras na HistóriaTiktok Aventuras na HistóriaSpotify Aventuras na História
Matérias / Leni Riefenstahl

Leni Riefenstahl: Cineasta favorita de Hitler registrou as Olimpíadas de Berlim

Marcada por controvérsia até os dias finais, cineasta e fotógrafa alemã Leni Riefenstahl registrou as Olimpíadas de Berlim, em 1936

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 01/07/2024, às 19h00 - Atualizado em 02/07/2024, às 18h42

WhatsAppFacebookTwitterFlipboardGmail
Leni Riefenstahl ao lado de Adolf Hitler - Getty Images
Leni Riefenstahl ao lado de Adolf Hitler - Getty Images

Em 1936, a cineasta e fotógrafa alemã Leni Riefenstahl foi contratada para fazer o filme oficial dos Jogos Olímpicos de 1936. 'Olympia' foi o primeiro documentário da história da competição.

Nos anos 1970, Leni também fez um importante trabalho documentando o povo Nuba, do Sudão, que ainda hoje luta contra a extinção. Apesar de seus notórios filmes, Riefenstahl ficou marcada até o fim de sua vida por um estigma: ser a cineasta favorita de Adolf Hitler

A carreira 

Nascida em Berlim, em 22 de agosto de 1902, Helene Bertha Amalie Riefenstahl se apaixonou pelas artes desde jovem: aos quatro anos já escrevia poesias e pintava. Aos doze, no entanto, dividiu o talento com os esportes após ingressar num clube de ginástica e natação. 

Leni Riefenstahl também se destacou por sua habilidade de dança e pela atuação, antes de começar a produzir seus próprios filmes no início dos anos 1930.

Em 1932, ela atuou e dirigiu seu próprio filme "Das Blaue Licht" ('A Luz Azul'), pelo qual teria impressionado o líder em ascensão Adolf Hitler, aponta a BBC. O ditador enxergava em Leni o ideal da feminilidade ariana. 

Assim, no ano seguinte, ela foi convidada para filmar o Quinto Comício do Partido Nazista, que ocorreu em Nuremberg entre 30 de agosto a 3 de setembro de 1933. "Der Sieg des Glaubens ('A Vitória da Fé')" registrou Hitler ao lado do líder da Sturmabteilung (SA), Ernst Röhm — que mais tarde seria assassinado durante o expurgo nazista conhecido como Noite das Facas Longas

Imediatamente após os assassinatos, Hitler teria ordenado que todas as cópias do filme fossem destruídas, mas, segundo o livro autobiográfico da cineasta, 'Leni Riefenstahl – A Memoir', isso jamais aconteceu. 

Lançamento do filme Triumph des Willens ('Triunfo da Vontade') - Getty Images

Impressionado com o trabalho de Leni, Hitler ainda solicitou que ela filmasse "Triumph des Willens" ('Triunfo da Vontade'), uma produção sobre o comício do partido em Nuremberg em 1934, que levou mais de um milhão de alemães para as ruas.

Leni e o nazismo

Inicialmente, segundo explica em sua autobiografia, Leni não queria mais criar filmes para o Partido Nazista antes de aceitar fazer 'Triunfo da Vontade'. Sua vontade era dirigir um longa-metragem baseado em Tiefland ('Terras Baixas') de Eugen d'Albert — uma ópera extremamente popular em Berlim na década de 1920.

No entanto, o projeto acabou cancelado. Pelo menos momentaneamente. Afinal, as filmagens de "Tiefland" finalmente aconteceram entre 1940 e 1944, entrando para os livros como o terceiro filme mais caro produzido pela Alemanha nazista. 

Durante as filmagens, Riefenstahl utilizou ciganos de campos de concentração como figurantes, que foram severamente maltratados no set. Quando as filmagens terminaram, eles foram enviados para o campo de extermínio de Auschwitz, afirma a pesquisadora Susan Tegel em artigo publicado no Historical Journal of Film, Radio and Television.

Leni Riefenstahl perto de Heinrich Himmler durante filmagem - German Federal Archives

Apesar de ter prometido não fazer mais filme de propaganda nazista, Leni acabou realizando, em 1935, "Tag der Freiheit: Unsere Wehrmacht" ('Dia da Liberdade: Nossas Forças Armadas'), um filme de 28 minutos sobre o Exército alemão. 

Em 1936, quando os Jogos Olímpicos foram realizados em Berlim, Riefenstahl foi contratada pelo Comitê Olímpico Internacional para fazer um documentário oficial sobre a competição. 

Olympia se tornou inovador no cinema, pelo fato de Leni ter usado técnica jamais vistas antes, como a inserção de uma câmera num carro elétrico montado em um trilho para acompanhar as provas de corrida. A produção estreou em 1938, no 49º aniversário de Hitler

"Para mim, Hitler é o maior homem que já existiu. Ele realmente não tem falhas, é tão simples e ao mesmo tempo possuidor de força masculina", disse a cineasta, em 1937, em entrevista ao Detroit News, enquanto participava de uma turnê publicitária sobre o filme. 

Em 4 de novembro de 1938, Leni Riefenstahl desembarcou em Nova York. Cinco dias depois aconteceu a Kristallnacht ('Noite dos Cristais Quebrados'). Quando as notícias chegaram na América, a cineasta defendeu Hitler publicamente, aponta Cooper Graham em artigo intitulado 'Olympia in America, 1938: Leni Riefenstahl, Hollywood, and the Kristallnacht'.

Simpatizante nazi?

Estigmatizada como simpatizante nazista, Leni Riefenstahl foi esquecida na Alemanha depois da Segunda Guerra. Sem nunca ter se filiado ao Partido Nazista, a cineasta se defendeu ao alegar que fez os seus filmes pelo seu conteúdo artístico, e não político.

"Eu só estava interessada em fazer um filme que não fosse estúpido como um noticiário propagandístico crú, mas algo mais interessante", disse ela em entrevista ao BBC News Online.

[Triunfo da Vontade]) reflete a verdade como ela era na época, em 1934. Trata-se de um documentário, não de propaganda", continuou. 

Desaparecida da vida pública até meados dos anos 1970, quando documentou a tribo dos Núbios, do Sudão, Leni continuava a ser criticada por suas obras de exaltação ao nazismo, embora jamais tenha sido julgada pelos Aliados por qualquer tipo de envolvimento com a propaganda nazista. 

Leni Riefenstahl em conversa com o Ministro da Propaganda Joseph Goebbels - German Federal Archives

Se por um lado era aclamada pela notável riqueza estética ao retratar os Nuba, por outro Leni era criticada por acusações de desumanizar os integrantes — uma lembrança do que ela já havia feito em seus primeiros trabalhos. 

Durante toda sua carreira, se queixou por seus filmes terem sido bem recebidos por especialistas e público, mas seu trabalho sempre parecer se reduzir aos anos em que trabalhou com Hitler

Me arrependo 100% de ter conhecido Hitler, porque [ele] interferiu no meu destino", declarou Riefenstahl, em seu aniversário de 100 anos, conforme resgatado pela Folha. "Toda a minha desgraça depois da guerra veio como resultado desse encontro". 

Por fim, vale ressaltar de que, quando completou 70 anos, Leni fez aulas de mergulho (mentindo sua idade em 20 anos ao seu instrutor) para documentar a vida submarina do Oceano Índico. Ela fez mais de 2.000 mergulhos de exploração. 

Filmando todas suas experiências debaixo d’água, em 2002 ela reuniu algumas centenas delas e transformou em sua última produção: 'Impressionen Unter Wasser' (Impressões Debaixo da Água).

Leni Riefenstahl faleceu em 8 de setembro de 2003, aos 101 anos, enquanto dormia em sua casa em Pöcking (Baviera, sul da Alemanha). Há anos, a cineasta lutava contra o câncer e, nos últimos meses, sua saúde havia se agravado.