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Testeira

Em Minas Gerais, o maior museu a céu aberto do país

Situado em Brumadinho, o Instituto Inhotim contém milhares de obras em seus jardins e em galerias

Valdo Resende* Publicado em 26/09/2023, às 18h58 - Atualizado em 13/10/2023, às 14h06

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Dan Graham, Bisected triangle, Interior curve, 2002, [vista aérea]. - Brendon Campos
Dan Graham, Bisected triangle, Interior curve, 2002, [vista aérea]. - Brendon Campos

“Toma de Minas a estrada” recomendava o poeta Tomás Antônio Gonzaga. Se for de avião desça em Belo Horizonte. A 60 km da capital está o Instituto Inhotim, no município de Brumadinho, um museu a céu aberto que há 17 anos colocou Minas Gerais em destaque no universo da arte contemporânea. Vá com “tempo de mineiro”, tranquilo e sossegado, pois são 140 hectares para serem percorridos com calma, pelos imensos jardins cheios de obras de arte. “Logo ali” há uma galeria, e depois outra e outra, totalizando 24. Destas, quatro apresentam exposições temporárias. As outras 20 guardam, cada uma, as obras de um artista específico. Obviamente que sendo Minas tem umas “subidinhas” que só vendo. Então é andar devagar, ou usar um carrinho elétrico. Como ninguém é de ferro, como o minério extraído bem próximo de lá, há restaurantes com os já famosos quitutes do Estado.

Papo de mineiro apaixonado, vai pensar o leitor. Então, vamos deixar claro que não estamos esquecendo que o Instituto Inhotim está na mesma Brumadinho, tristemente notabilizada pelo desastre ambiental com o rompimento da barragem da mineradora Vale em janeiro de 2019, e seus 272 mortos. Trágico. Um crime para não esquecer que afetou, além de milhares de habitantes do Estado, cerca de 80% dos funcionários do Instituto Inhotim. Além de ações específicas visando a geração de empregos para a região, o principal é o trabalho artístico; Inhotim propõe obras que nos fazem pensar, com uma agradável tentativa de unir arte e natureza na concepção de espaços únicos e incríveis. Um exemplo de como a ideia se concretiza é no Sonic Pavilion.

Doug Aitken, Sonic Pavilion, 2009, Instituto Inhotim. Foto: João Kehl

Concebido pelo norte-americano Doug Aitken, o Sonic Pavilion (Som da Terra) é um pavilhão de vidro sobre uma elevação. No centro da construção está um poço tubular de 202m de profundidade onde foram instalados microfones que, literalmente, captam o som da terra. Inaugurada em 2009, propicia experiências inquietantes. Nosso imenso planeta, em constante movimento, emitindo sons distintos, diversos, perturbadores e belos. Há que se ter tempo para se sentar e ouvir, “deixar o planeta falar”.

Arquitetura e Arte em conexão com a natureza

Outro exemplo notável de união entre arquitetura e arte é encontrado na galeria Adriana Varejão. Ter a possibilidade de trabalhar sem limitar uma obra às condições de espaço é condição rara. Em Inhotim, tanto Adriana quanto os demais artistas que dão nome às próprias galerias tiveram esses espaços criados em diálogo com cada trabalho. Uma integração da arte contemporânea com a arquitetura facilitada pela interação do Instituto com vários arquitetos. Esses viabilizam ideias e conceitos propostos na criação de obras criadas especificamente para o local, ou adaptando os espaços para obras criadas fora, mas que englobam o acervo do Inhotim. Foi o que aconteceu com a artista carioca.

A galeria Adriana Varejão. Foto Marcelo Coelho

Rodrigo Cerviño Lopez é o arquiteto parceiro na composição e construção da galeria Adriana Varejão. A dupla já havia realizado trabalhos anteriores no Rio de Janeiro. Para Inhotim, criaram um trabalho que integra arte, arquitetura e natureza, expondo obras da artista.  Suspensa sobre um espelho d´água, uma caixa é o que vemos incrustada em terreno sobre um espelho d´água, cujo acesso é um caminho sobre o próprio espelho. O ideal é que se entre por um lado e saia pelo outro, acentuando o percurso proposto. O interior da galeria guarda uma escultura e várias pinturas da artista, ficando o ponto alto na sala onde está “Celacanto provoca maremoto” cujas quatro paredes estão cobertas pelos delicados e suaves azulejões, como popularmente são lembrados os trabalhos inspirados nos azulejos portugueses. Ao sair pela parte superior da galeria o visitante tem a visão do belíssimo entorno, os jardins de Inhotim.

O Jardim Botânico de Inhotim foi reconhecido como tal em 2010, pela Comissão Nacional de Jardins Botânicos. A paisagem do terreno começou a ser concebida nos anos de 1980 por Pedro Nehring e, segundo dados do próprio Instituto, conta com “4,3 mil espécies nativas brasileiras e exóticas de várias partes do mundo”. Vale destacar as 48 palmeiras do Largo das Orquídeas, com cerca de 17 mil espécies plantadas que, nos meses de abril e maio, dão colorido especial ao Instituto. Caminhando pelo imenso local é possível descansar em bancos – troncos de madeira transformados em esculturas por Hugo França – sob árvores representativas brasileiras como o Pau-brasil, o jacarandá, a palmeira-azul e inúmeras outras.

Galeria True Rouge. Foto: Ana Clara Martins

Entidade privada, Inhotim surgiu a partir da iniciativa de Bernardo Paz, um mineiro de Belo Horizonte. Do trabalho inicial no posto de gasolina do pai, Paz trilhou outros caminhos, passando por venda de roupas, trabalho no mercado financeiro, até vir a comprar uma empresa de mineração falida. A fortuna chegou aí, quando o empresário foi o pioneiro em comercializar com a China. Adquiriu a primeira porção de terra, onde hoje está o Inhotim nos anos de 1980 encantado com a paisagem, admiração ampliada no contato com ideias e o próprio trabalho do paisagista Roberto Burle Marx. Uma casa para finais de semana foi o ponto de partida; no terreno também construiu um galpão para abrigar sua coleção de obras de arte com foco no Modernismo brasileiro. Outros terrenos foram comprados e aos poucos a ideia de um museu foi sendo amadurecida.

Tunga e a arte contemporânea mundial

Em 2002 é fundado o Instituto Cultural Inhotim. A história registra ter sido o multiartista Tunga a convencer Bernardo Paz a ampliar sua coleção, mudando o eixo para a arte contemporânea. Nesse mesmo ano é inaugurada a galeria True Rouge (1997), a primeira expondo o trabalho de um artista em caráter permanente. Um galpão envidraçado já mostra para quem se aproxima o trabalho do artista pernambucano. Suspensas por redes, vários e diferentes recipientes contendo um líquido vermelho provocando sensações intensas. Um espaço para chamar de seu! Esse dado especial provocou o interesse de muitos outros artistas, que hoje já somam 280, de 43 países diferentes, compondo a coleção do museu que colocou Minas Gerais como um dos epicentros brasileiros da arte contemporânea.

Além das galerias, Bernardo Paz, por incentivo dos amigos Cildo Meireles, Tunga e Adriana Varejão, foi distribuindo obras pelos jardins da propriedade, criando nichos nos jardins, ou aproveitando formações naturais da vegetação. Hoje estão entre flores e árvores trabalhos de Hélio Oiticica, Simon Starling, Waltércio Caldas, o mineiro Amílcar de Castro e, entre outros, Yayoi Kussama. Museu distante de um grande centro, Inhotim – cujo significado do próprio nome fica por conta de um suposto Sir Timothy, inglês denominado Nhô Tim pelos mineiros – é projeto ousado, não utópico, para o que se pode pensar o futuro em que trabalho, arte e natureza estejam em comunhão. O Instituto faz um amplo trabalho de formação específica com a população local. Ao museu e jardim botânico somam-se projetos ambientais, biblioteca, restaurantes e uma escola de música.

Galeria Cosmococa, Arquitetos Associados, 2010, [vista aérea]. Foto: Brendon Campos

Minas Gerais, célebre por seu Barroco, já concretizava um desejo de modernização na primeira metade do século XX, via política de Juscelino Kubitschek. O Parque da Pampulha (1943) foi um embrião da virada que o país teria com a construção de Brasília, marco da arquitetura mundial. A capital mineira ganhava novos ares com a arquitetura de Niemeyer, os jardins de Burle Marx e, entre os maiores destaques, os painéis de Portinari para a Capela de São Francisco. Na década seguinte, Lygia Clark já se destacava entre os artistas contemporâneos brasileiros do Grupo Frente e, com outro mineiro, Amílcar de Castro, estava entre os signatários do Manifesto Neoconcreto visando, conforme o autor do manifesto, Ferreira Gullar, resgatar a emoção “perdida” pelos concretistas paulistas. Essa emoção que é impossível se deixar de lado estando no museu de Brumadinho.

Inhotim é um exemplo concreto do quanto a iniciativa privada pode atuar em benefício da coletividade. A mineradora Vale, proprietária da barragem rompida em 2019 que causou o desastre ambiental em Brumadinho, afetando outros 25 municípios, é a mantenedora master entre as empresas patrocinadoras do Instituto Inhotim. O trabalho da instituição, praticado por uma governança corporativa, pode ser conhecido em detalhes, mesmo antes de se chegar até lá. Que tais patrocinadores ampliem e façam valer para toda a sociedade, os mesmos princípios e ideias de Bernardo Paz ao criar e brindar a sociedade com o belo museu.


*Valdo Resende é mineiro e escritor. Visitou Inhotim na companhia de Flávio Monteiro, Sonia Kavantan e Marina Kavantan em 2016, hospedando-se às margens do belo Rio Paraopeba que, conforme Teresa Cristina Tarle Pissarra, especialista da UNESP, após a calamidade ambiental sofrida jamais voltará a ser o mesmo.