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Toulouse-Lautrec: o pintor do Moulin Rouge e dos bordeis de Paris

Marco na evolução do cartaz publicitário, ele registrou a noite e os teatros da cidade imortalizando atrizes, dançarinas e artistas da Belle Époque

Valdo Resende* Publicado em 17/06/2023, às 09h00 - Atualizado em 20/10/2023, às 16h58

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Foto de Toulouse-Lautrec e registro da obra 'O Salão da Rue des Moulins', 1894 - Paulo Sescau e Domínio Público
Foto de Toulouse-Lautrec e registro da obra 'O Salão da Rue des Moulins', 1894 - Paulo Sescau e Domínio Público

Em 1862, Charles Marville tornou-se o fotógrafo oficial da cidade de Paris. Ele documentou a partir de então todas as transformações para a modernização da cidade pretendidas por Napoleão III. As ruelas estreitas e medievais dariam lugar a grandes avenidas, parques e praças. Por algum tempo, entre as regiões elegantes e os bairros industriais, a colina de Montmartre continuaria suburbana; apenas o bairro distante do centro da capital que seria imortalizado por Henri de Toulouse-Lautrec.

Uma das atuais opções de visita à Montmartre pode ter início nos pés da colina, na área conhecida como Pigalle, onde fica o Moulin Rouge. Local de espetáculos luxuosos, a casa do “Moinho Vermelho” foi inaugurada em 1889 constituindo-se em um dos símbolos da Belle Époque, quando a França viveu um período de luxo e prosperidade. Dois anos depois, o proprietário encomendou um novo cartaz para divulgação da casa. Tornada obra de arte, a litografia colorida “Moulin Rouge: La Goulue” consagrou seu autor, Toulouse-Lautrec, como o maior criador de cartazes de Paris. Uma entre muitas contribuições do artista para gerações de publicitários futuros, que aprendem ali a síntese na imagem e nos apelos verbais como regras fundamentais para um cartaz eficiente.

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Moulin Rouge: La Goulue, 1891. Litografia – O pintor comemorou em carta para a mãe: “O meu cartaz foi hoje colocado nas paredes de Paris”. Crédito: Museu Metropolitano de Arte

Os salões de arte de Paris surgiram há muito tempo. O primeiro que se tem notícia foi criado em 1667 em sala do edifício onde hoje está o Museu do Louvre. Era oficial! Reconhecido pela Academia Real de Pintura e Escultura francesa. Na virada do século XIX para o século XX já seriam muitos outros salões. Centenas de artistas disputando a atenção da crítica, de seus pares e do consumidor final que tinha milhares de obras para apreciar e adquirir. Há artistas que buscaram incessantemente a participação nesses locais, ou em galerias onde dispunham do trabalho de um marchand, o comerciante que realiza a intermediação entre o artista e o colecionador. A participação de Henri de Toulouse-Lautrec nesse mercado fica em segundo plano, pois são nos salões dos bares, teatros e bordéis de Montmartre onde o pintor situa seu trabalho.

Toulouse-Lautrec, primeiros passos

Uma criança nascida na velha aristocracia europeia que, de tão linda, era denominada “A joia” pelos pais. Antiga família francesa, os Lautrec eram donos de apartamentos em Paris e de propriedades rurais em Albi, na região de Toulouse. Ao nascer, em 1864, o menino Henri de Toulouse-Lautrec jamais passaria por necessidades. Teria pajens, professores particulares e seguiria o destino do pai, dedicando-se à caça ao falcão, colecionando armas, animais. Certamente não seria devoto como a mãe, mas seu destino seria viver em acordo com as normas sociais.

Hábitos da tal nobreza que vêm de séculos, o ideal é não dividir bens. Assim sendo, o casamento entre parentes é plenamente aceito. Conde Alfonse, o pai, era primo-irmão da Condessa Adèle. Um detalhe que teria sido decisivo para uma fraqueza congênita no pequeno Henri acentuada quando, por acidentes banais, o menino quebrou as duas pernas. Um tombo de uma cadeira, tempos depois um escorregão no leito de um riacho e o crescimento do garoto foi comprometido, os ossos das pernas deixaram de crescer. Com o tronco e os braços de um adulto ficou com 1,52m de altura.

Henri de Toulouse-Lautrec seria sustentado pela família, a Condessa Adèle cuidando de sua saúde, de seus estudos. O pai era bom desenhista e o ambiente familiar lembrava antigos cristãos estoicos: um homem sábio aceita resignadamente seu destino. Contam os historiadores que durante a convalescença o menino não se queixava, evitando compaixão. A arte seria seu futuro e com essa determinação vai para Paris, acompanhado pela mãe, para estudar pintura e tornar-se pintor profissional. Entra para o estúdio de artistas convencionais e a primeira avaliação que recebe é de ter um desenho horrível. Segue em frente; entre seus colegas está Van Gogh. Lautrec descobre Montmartre e lá quis construir seu próprio local de trabalho. A família impediu negando o dinheiro necessário. Ele sai de casa e muda-se para o bairro boêmio dividindo espaço com René Grenier, um pintor também aristocrata. René e a esposa levaram Lautrec para a noite de Montmartre. Durante o dia, junto com outros jovens pintores passou a pesquisar novas técnicas e processos de impressão litográfica. Entre os amigos, Van Gogh é o que chega a possuir 400 gravuras japonesas que influenciarão as criações do pequeno grupo.

A pintura liberada por novas ideias

Durante séculos a pintura se desenvolveu tendo entre suas funções específicas o registro pictórico de pessoas e lugares. Também foi vital na criação de uma narrativa visual para lendas, fatos históricos e religiosos. Com o surgimento da fotografia, em 1839, já estavam em pauta novas técnicas industriais. Na Inglaterra, William Morris propagava desde 1859 o Arts and Crafts, movimento que questionava a hierarquia das artes e valorizava o artesanato perante a crescente industrialização. Atento aos novos tempos, Henri de Toulouse-Lautrec, com a mesma seriedade com a qual pintava, criou anúncios, programas de teatro, cartazes e gravuras.

Nas imagens das obras criadas por Lautrec as personagens são reconhecíveis. Para o historiador Giulio Carlo Argan, “a fotografia contribuiu para aumentar o interesse dos pintores no espetáculo social”, o que é possível constatar com um breve olhar sobre a obra do pintor. Ao se debruçar sobre a noite parisiense, o artista registrou um estilo de vida, seus cenários e suas personagens fundamentais. Através de Lautrec conhecemos Louise Weber, a “La Goulue” ousada em decotes generosos, musa dançarina em várias telas do pintor. Também conhecemos a estrela em ascensão, Jane Avril, e a veterana cantora Yvette Guilbert. Sabemos quem foi o ator Aristide Bruant e, entre diversos outros registros, temos o retrato de Oscar Wilde feito em Londres, durante o julgamento do escritor e poeta, acusado de sodomia.

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'O Salão da Rue des Moulins', 1894. Óleo sobre tela. Albi, Musée Toulouse-Lautrec. Traços precisos retratando prostitutas enquanto esperam seus clientes. Crédito: Domínio Público

A técnica de Toulouse-Lautrec nos apresenta figuras rápidas, concisas, dotadas de naturalidade. Mais que representar a realidade ele nos estimula a observar o estado de suas personalidades. Utiliza o desenho e transforma esse em pintura. Estuda as gravuras japonesas e partindo delas desenvolve imagens que revelam, em traços precisos e cortantes, a personalidade de pessoas, suas características primordiais, suas preferências. Faz delas motivo para pintar utilizando aquilo que o diferencia de qualquer outro pintor: um traço genial.

Embora admirando Impressionistas e outros movimentos que retratam campos e paisagem, Lautrec prefere a cidade e seus habitantes. Sobretudo, a mordacidade do artista se faz presente; uma crítica implacável ao ambiente que o circunda sem, contudo, esquecer a dignidade de suas personagens. Exemplo ímpar, “A casa da Rue des Moulins”, (1894) onde um grupo de moças, acompanhadas da “patronne” aguarda seus clientes. Traços mínimos diferenciam cada uma das mulheres e o uso da cor completa expressões de enfado de todo profissional perante tarefa costumeira. Em “La Goulue entrando no Moulin Rouge” (1892) utiliza efeitos de luz para enfatizar a expressão altiva e digna da dançarina.

O homem Henri de Toulouse-Lautrec

Algumas descrições do artista são cruéis: lábios excessivamente carnudos em uma cabeça enorme, nariz em forma de bulbo, um anão ou pigmeu que andava de pince-nez com um chapéu de boliche e uma inseparável bengala onde, diz a lenda, escondia bebidas no cabo oco. Seu aspecto físico destacando-o dos demais foi aparentemente fácil de ser aceito pela família, mais do que os temas escolhidos, os bordeis onde passou a maior parte do tempo. Nesses locais tinha cadeira cativa, mesa exclusiva. Com inseparáveis caderninhos deixou centenas de desenhos, registros de pessoas e momentos, estudos para suas obras. Saindo de casa pela proibição dos pais em que frequentasse tais ambientes, em pouco obteve o sucesso profissional, realizando vendas e exposições de seus trabalhos.

Toulouse-Lautrec se manteve longe de todas as escolas e movimentos artísticos de seu tempo. Como Van Gogh e Paul Cézanne, foi designado pelo crítico inglês Peter Fry em 1910 como pós-impressionista. Longe das ideias que circulavam nos salões oficiais, buscou novas receitas, novas maneiras, exercitando-se em diferentes suportes e formas. À margem e independente! Contudo, esteve longe de ser o herói romântico e invencível. Vivendo intensamente o seu tempo, o final do século que prenunciava imensas mudanças, privilegiou os locais restritos da Paris alegre e noturna colocando o ser humano em sua obra acima dos ambientes e paisagens.

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O pintor em foto de 1892. Crédito: Paulo Sescau

O homem Henri de Toulouse-Lautrec entregou-se aos amores, ao sexo, ao absinto. Passava noites bebendo e conversando sem deixar de, na manhã seguinte, acompanhar as impressões de suas litografias, sem atrasar as encomendas feitas pelos clientes. Tornou-se alcoólatra, contraiu sífilis. Os embates familiares duraram por toda a vida; tentaram afastá-lo de Paris. Um tio chegou a queimar algumas telas. O abuso de álcool provocou uma crise, levando-o ao delírio quando caiu e quebrou uma clavícula. Foi internado pela família. Recupera a liberdade e volta ao trabalho; chega a buscar uma renovação da própria técnica, mas falece em 9 de setembro de 1901, aos 37 anos. Disposta a preservar a memória do artista, a família resolveu doar as obras e financiar a construção de um museu. Paris e Toulouse recusaram a oferta. Finalmente, o museu foi aceito na cidade onde o pintor nasceu, Albi. O Museu Toulouse-Lautrec é, atualmente, referência quanto ao legado do pintor, preservando centenas de suas obras.


*VALDO RESENDE escreve cotidianamente sobre pintura, escultura, música, teatro, literatura, quadrinhos e poesia. Mestre em artes visuais, dramaturgo e professor, é autor do romance “dois meninos – limbo”, do livro de contos “A sensitiva da Vila Mariana” e da coletânea de crônicas, contos e poesias “O vai e vem da Memória”.