Um país extremamente miscigenado culturalmente, nosso Brasil possui vários pratos e ingredientes extremamente preciosos e únicos em sua gastronomia
A História do país é uma riqueza que se coloca à mesa. No caso brasileiro, trata-se de uma mesa bem farta. Em 1967, o historiador, escritor e folclorista potiguar Câmara Cascudo lançava o colossal 'História da Alimentação no Brasil', um dos maiores e mais completos tratados sobre a importância da comida no país, do ponto de vista histórico, gastronômico, social e cultural.
Quase 60 anos depois, a jornalista Roberta Malta Saldanha segue a receita do mestre potiguar com o lançamento de 'Culinária Brasileira, Muito Prazer' (Editora Senac). Em mais de 600 páginas, Saldanha apresenta amplo estudo sobre a trajetória histórica da alimentação, além da influência da culinária no processo de formação da identidade cultural em todas as regiões brasileiras.
Para compor a nova obra, a autora paulista busca referências em outros estudiosos respeitados que também recorreram às panelas e ao fogão como ferramentas essenciais para entender a formação e o cotidiano do povo brasileiro ao longo dos séculos. Entre eles, o próprio Câmara Cascudo e o sociólogo e cientista político pernambucano Gilberto Freyre, autor de 'Casa Grande & Senzala'.
“Nosso país se mostra de forma nítida e profunda por meio da sua alimentação, entendida também como um importante signo da identidade nacional brasileira. O povo brasileiro se estabelece, culturalmente, através de seus hábitos alimentares e pela trajetória destes hábitos no tempo e no espaço geográfico”, afirma Daliana Cascudo, neta do folclorista e que assina o prefácio de 'Culinária Brasileira, Muito Prazer'. Repleto de histórias saborosas que contam origens de alimentos e ingredientes, o livro também traz episódios pouco conhecidos relacionados às tradições culinárias.
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A cidade gaúcha de Pelotas, por exemplo, tornou-se referência na fabricação de doces finos. E a explicação histórica para isso é simples: até o fim do Império, Pelotas exportava muito charque, principal alimento dos escravizados, para o Nordeste, e importava o açúcar que era produzido lá.
A célebre comida mineira, a rigor, na verdade, é paulista, pois foi introduzida pelos bandeirantes durante o ciclo do ouro ocorrido em Minas Gerais, no século 18. Sem contar o número de pratos em homenagem a personalidades históricas, como o Pudim Getúlio Vargas, doce típico da região Sul, e a Gelatina Rei Alberto, criada em 1920 por ocasião da visita do rei Alberto, da Bélgica, ao Brasil.
Era uma das sobremesas preferidas do ex-presidente Getúlio Vargas. “Roberta passeia pelo Brasil abordando, com uma prosa ágil e acessível, toda a diversidade de nossa cultura culinária, indicativo ímpar da formação da sociedade brasileira e dos costumes que nos caracterizam como povo único”, completa a neta de Cascudo.
Dividida por regiões – Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul –, a obra apresenta seu toque contemporâneo por meio de receitas típicas de cada região em leituras assinadas por chefs famosos, como Bel Coelho, Emmanuel Bassoleil e Helena Rizzo.
“Falar sobre a alimentação de um país é fazer uma viagem pela sua história através do paladar”, diz Saldanha, que assina outros livros sobre o tema, entre eles um que conta a história do vinho no Brasil. Em 'Vinho Brasileiro, Muito Prazer' (Editora Senac), a autora conta passagens curiosas sobre a bebida. Entre elas, o fato de que as experiências nacionais bem-sucedidas com vinhedos e vinhos ocorreu pelas mãos do colonizador português Brás Cubas, ainda no século 16, em terras que lhe pertenciam e que hoje formam a região do bairro do Tatuapé, em São Paulo.
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Confira a seguir a história de 5 pratos e elementos tradicionais da gastronomia brasileira:
Há muitas versões para a origem da caipirinha, inclusive de que a bebida teria nascido na época da Gripe Espanhola (1918-1920), a partir de um remédio caseiro que misturava cachaça, mel e limão.
No livro 'Culinária Brasileira, Muito Prazer', a certidão de nascimento da bebida é creditada a Piracicaba, no interior de São Paulo – daí o nome “caipirinha” –, e alçada ao sucesso durante a Semana de Arte Moderna de 1922, quando foi servida como drinque oficial do evento que sacudiu a cultura brasileira na primeira metade do século 20.
Também conhecido como “arroz de leite” ou “arroz com leite”, chegou ao Brasil com os portugueses que, por sua vez, receberam dos árabes durante a invasão da Península Ibérica, no século 8.
No Brasil, é um prato obrigatório em praticamente todas as festividades, em especial as religiosas. Daí teria nascido a expressão “arroz de festa” para os festeiros que não perdem um evento.
A origem da rapadura, um dos primeiros, senão o primeiro doce brasileiro, é remetida aos engenhos de açúcar criados no período da colonização brasileira e que durante muito tempo exerceram o papel de motor econômico do Brasil Colônia. Durante o processo de fabricação do açúcar, “raspas duras” eram tiradas das paredes dos tachos.
Reza a lenda que o salgado com a cara do Brasil tem origem nobre. Uma das cozinheiras imperiais inventou a receita para um dos filhos da princesa Isabel, que adorava coxas de galinha.
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Mas antigos livros de receitas portugueses do século 18 já registram preparos de coxas de galinhas novas empanadas e fritas. Em 1844, um cozinheiro francês já ensinava a fazer o seu croquete de frango em formato de pera, a versão mais próxima da origem da coxinha como conhecemos.
Chamada de “rainha do Brasil” pelo historiador Câmara Cascudo, a mandioca é a base da alimentação indígena. Também conhecida como aipim ou macaxeira, conforme a região onde é plantada e consumida, a mandioca é utilizada como ingrediente em diversos pratos e bebidas, da tradicional tapioca ao bolo de aipim.