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Matérias / JFK

Como a morte de Kennedy afetou a vida do homem que registrou o assassinato

Em segundos, Abraham Zapruder foi responsável por registrar um dos assassinatos mais controversos da história norte-americana

Fabio Previdelli

por Fabio Previdelli

fprevidelli_colab@caras.com.br

Publicado em 25/07/2023, às 17h57 - Atualizado em 22/11/2023, às 09h24

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Frame 237 do Filme de Zapruder - The Sixth Floor Museum at Dealey Plaza
Frame 237 do Filme de Zapruder - The Sixth Floor Museum at Dealey Plaza

A sequência silenciosa de 26,6 segundos do filme gravado por Abraham Zapruder diz mais sobre um dos acontecimentos mais marcantes da história norte-americana do que as autoridades do país já conseguiram explicar nos últimos quase 60 anos.

Em 22 de novembro de 1963, o imigrante russo de meia-idade usou sua câmera modelo 414 PD Bell & Howell Zoomatic Director Series para registrar o momento que a limusine de John Fitzgerald Kennedy entrou na Elm Street, na Dealey Plaza.

Os 486 quadros de filme padrão Kodachrome II de 8 mm, que rodam em média a 18,3 quadros por segundo, registraram o assassinato do 35º presidente norte-americano durante sua visita ao Texas.

JFK no momento em que é atingido por um tiro (cena mostrada no filme JFK - A Pergunta Que Não Quer Calar) / Crédito: Divulgação/ Warner Bros

Até os dias atuais, a morte de JFK é envolta em polêmicas e teorias conspiratórias. A história oficial diz que Lee Harvey Oswald foi o único envolvido no ato, embora o ex-fuzileiro naval sempre tenha dito ser apenas um "bode expiatório". Lee foi executado sem a chance de provar sua tal declarada 'inocência' ou de pagar por um dos crimes mais marcantes do século passado.

Aquele dia mudou para sempre a história norte-americana. As controversas e polêmicas envolvendo as investigações da Comissão Warren ainda ressoam no país. Muitos arquivos desclassificados sobre o caso ainda não foram divulgados publicamente.

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Mas pouco se fala sobre um ator importante nessa história. Afinal, o que aconteceu com Abraham Zapruder? Como foi sua vida após registrar um dos crimes mais emblemáticos da história?

O filme que mudou tudo

Abraham Zapruder havia montado sua câmera em um pedestal de concreto para registrar todo instante da passagem de John Fitzgerald Kennedy pelo Texas. Embora as eleições presidenciais só fossem acontecer no ano seguinte, Kennedy já visava reforçar suas bases no sul do país, principalmente por suas rusgas com seu vice Lyndon B. Johnson.

Abraham Zapruder/ Crédito: Arquivo Pessoal

Mas, o momento de comemoração logo virou um registro trágico. Embora o filme de Zapruder não seja o único feito naquele dia, ele é o mais completo entre eles, dando uma visão clara da trajetória que JFK fez até ser atingido em seu crânio.

O filme de Zapruder, como o registro foi apelidado, foi uma das evidências mais importantes usadas pela Comissão Warren e de todas as investigações subsequentes ao assassinato — usada inclusive para derrubar mitos, como Oliver Stone faz em JFK - A Pergunta Que Não Quer Calar (1991).

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Mas o destino de Abraham Zapruder só foi revisitado em 2016, quando sua neta Alexandra Zapruder lançou Twenty-Six Seconds: A Personal History of the Zapruder Film. O livro investiga não só o passado de Abraham, mas também revela seu trauma após o registro completo da morte de Kennedy.

Frames do filme de Zapruder/ Crédito: The Sixth Floor Museum at Dealey Plaza

"Vivemos em uma época em que precisamos ter respostas complicadas para perguntas complicadas. [O livro] é minha própria investigação sobre o legado de nossa família e a vida do filme", disse a neta de Abraham à People.

A maneira como lidamos com o filme moldou como o filme chegou ao público e moldou a maneira como as pessoas pensaram sobre o assassinato", continuou.

Registros de tormento

Alexandra relata que imediatamente após o assassinato de JFK, cópias do filme feito por seu avô foram feitas para o governo federal. Em 23 de novembro, a LIFE comprou a gravação original por uma oferta de 150 mil dólares (equivalente a mais de 1.430.000 em valores atuais).

Muitos anos depois, a família de Zapruder voltou a ser dona da gravação, mas passou a enfrentar críticas, teorias da conspiração e ações judiciais. Em 1999, o governo norte-americano comprou o filme dos herdeiros de Abraham por 16 milhões, segundo repercutido pelo The New York Times.

Apesar da grande quantia, Alexandra revela que o filme sempre significou uma perda. Conforme relata no livro, os Zapruder sempre tiveram uma admiração pela família Kennedy. O pai da autora, Henry (filho de Abraham), tinha acabado de receber um cargo no Departamento de Justiça da administração Kennedy.

JFK no carro presidencial antes de seu assassinato/ Crédito: Bettmann Archive

Mas, quando o avô da autora gravou o assassinato do presidente, ela aponta que Henry não conseguia se lembrar de mais nada depois, "exceto de seus próprios gritos angustiados".

"[Zapruder] amava Kennedy. Ele era um homem de meia-idade naquela época, um imigrante, nascido na Rússia, e certamente votou em Kennedy e era verdadeiramente dedicado a Kennedy e à família", recorda Dick Stolley, que foi o editor da LIFE na época (e futuro fundador da People) responsável por comprar a filmagem.

Para Kennedy ser morto, e pior ainda, para [Zapruder] literalmente testemunhar o assassinato através do telêmetro de sua câmera, foi algo, francamente, do qual ele nunca se recuperou."

Cenas marcantes

Stolley ainda recordou do momento em que estava sentado na sala quando Abraham lhe mostrou a cena pela primeira vez. Ambos estavam na companhia de dois agentes do Serviço Secreto — a intenção de Zapruder sempre foi levar o filme às autoridades governamentais.

"Todos nós sabíamos o que havia acontecido, mas não tínhamos ideia de como seria", recorda. "Nós três estávamos de pé e quando o quadro 313 [reproduziu] — quando seu cérebro espirrou no ar — todos nós fizemos 'urgh!' Foi incrível, como se tivéssemos levado um soco no estômago simultaneamente. Nunca vi nada parecido no cinema ou na vida real."

Mas Zapruder jamais se recuperou do que havia filmado. No livro, Alexandra descreve que o avô foi atormentado por repórteres que queriam o filme para suas agências de notícias. Entretanto, a oferta que Stolley fez em nome da revista LIFE foi um "porto seguro em um mar de tubarões", escreveu.

[Abraham estava] muito preocupado que [o filme] fosse explorado ou usado de uma forma que ele acharia de mau gosto e horrível se caísse em mãos erradas", diz Stolley. "Você podia ver — era um homem em absoluto tormento."

Como os agentes federais falharam em confiscar o filme original após fazerem as cópias, Alexandra Zapruder escreve que seu avô sentiu que era sua responsabilidade proteger o público, especialmente porque as pessoas não estavam acostumadas com imagens tão violentas.

JFK durante compromisso na Casa Branca/ Crédito: Norwegian Digital Learning Arena

"Ele sabia que a mídia iria querer tê-lo e que o público iria querer vê-lo. Havia um conflito inerente entre isso e seu senso de que ele deveria respeitar o presidente Kennedy e proteger a Sra. Kennedy de que essa coisa horrível fosse sensacionalista", diz.

Através das lentes

Após a venda da gravação para a LIFE, Abraham Zapruder foi elogiado ao doar 25 mil dólares para familiares do policial assassinado por Lee Harvey Oswald naquele dia. Na contramão, Stolley aponta que a LIFE foi criticada por limitar o acesso do público ao filme — o que gerou ainda mais teorias.

Em Twenty-Six Seconds, Alexandra narra que sua família também foi alvo de críticas mais tarde, quando recuperou os direitos do filme — o que se agravou após a venda milionária para o governo.

Entendo por que as pessoas criticam o dinheiro, mas todos em nossa família teriam preferido que o presidente não tivesse sido morto e, se tivesse sido, que não fosse nosso avô quem fez o filme", ressente.

Por fim, a neta de Abraham Zapruder conta que não escreveu o livro para criar simpatia por sua família, mas para destacar o senso de responsabilidade de seu pai — que anos mais tarde lutou para regulamentar o uso da gravação.

Henry temia que as imagens violentas fossem lançadas sem cuidados para consumo público. "Na minha opinião, graças a Deus, coube a ele porque ele era uma pessoa muito responsável e inteligente o suficiente para entender quais eram os problemas".

Além do legado do filme herdado por sua família, Alexandra Zapruder também aborda uma das maiores verdades sobre a vida: "[O filme] é a representação visual do que todos sabemos sobre a fragilidade da vida humana, que não queremos saber… a vida pode acabar em um instante".

Jacqueline Kennedy e John F. Kennedy/ Crédito: Wikimedia Commons

"O fato de ter acontecido com o casal mais bonito do mundo, o casal mais poderoso do mundo, os Kennedy, aumenta a emoção. Mas se você se separar disso, verá apenas um homem e uma mulher andando de carro em um dia ensolarado. E então, de repente, ele está morto", prossegue.

"Isso é algo verdadeiro sobre o mundo em que vivemos", acrescenta. "Tudo é frágil e tudo pode ser levado embora.