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Matérias / União Soviética

União Soviética: Há 101 anos, nascia o império que rivalizou com os EUA

Em 30 de dezembro de 1922, a URSS era fundada oficialmente no Congresso dos Sovietes, em Moscou

Marcus Lopes Publicado em 30/12/2022, às 08h00 - Atualizado em 29/12/2023, às 11h41

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Arte ilustra URSS - Freepik
Arte ilustra URSS - Freepik

No dia 25 de dezembro de 1991, às 19 horas em Moscou, o então líder soviético Mikhail Gorbachev anunciava em uma rede estatal de rádio e televisão: “Devido à situação criada com a formação da Comunidade de Estados Independentes, encerro minhas atividades como presidente da URSS”.

Em um discurso de 12 minutos e lido em tom melancólico e triste diante das câmeras e microfones, Gorbachev colocava um ponto final não apenas à sua carreira política, mas também a um império poderoso, cuja fundação ocorreu há exatos 101 anos (em 30 de dezembro de 1922): a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Na Praça Vermelha, onde fica o Kremlin, sede do governo russo até hoje, as poucas pessoas nas ruas que enfrentavam o rigor do inverno puderam presenciar um momento histórico ocorrido meia hora após o discurso de Gorbachev: a retirada, sem qualquer anúncio ou cerimônia, da histórica bandeira soviética vermelha com a foice e o martelo do mastro do Kremlin, e a substituição por outra bandeira, a da Rússia, nas cores azul, vermelha e branca.

Nas ruas ao redor da praça-símbolo do comunismo, os moscovitas estavam mais preocupados com as longas filas para compras de produtos básicos nos supermercados da capital russa do que com o discurso do último presidente soviético, morto em agosto deste ano. A troca silenciosa da bandeira vermelha pela listrada na torre do Kremlin foi um enorme contraste com o poder de um império fundado em 30 de dezembro de 1922 e que durante décadas rivalizou com os Estados Unidos o status de nação mais poderosa – e temida – do mundo.

Antes de se tornar uma superpotência geopolítica e militar, porém, o país enfrentou diversas dificuldades políticas, sociais e econômicas que, em determinados momentos, quase levaram à bancarrota o projeto de socialismo implantado no país após a Revolução de 1917.

Logo após o levante de outubro que derrubou o regime secular dos czares na Rússia, os revolucionários socialistas comandados por lideranças como Vladimir Ilych Ulianov (Lenin) e León Trotsky conseguiram feitos importantes, como a retirada da Rússia da Primeira Guerra Mundial, em 1918, melhorias na crise de abastecimento de bens essenciais para a população que se arrastava há décadas e a distribuição de terras aos camponeses.

Lenin, revolucionário russo / Crédito: Wikimedia Commons

O preço, porém, foi um governo autoritário e extremamente centralizador nas mãos de Lenin, primeiro governante da nação socialista.

Regime linha-dura

Tais medidas não bastaram para consolidar o condão dos bolcheviques (grupo de revolucionários que assumiu o poder liderado por Lenin e Trotsky). Em 1921, a crise econômica se agravara e as revoltas populares e greves se alastravam pelo território russo, no campo e nas cidades. Em fevereiro daquele ano, a polícia política registrou a existência de 118 insurreições camponesas espalhadas por regiões como a bacia do Rio Volga, Sibéria, Cáucaso e Ucrânia.

Os camponeses não suportavam mais os rigores do comunismo e exigiam o fim das requisições de cereais e a liberdade do comércio, medidas impostas pelo governo socialista para tentar combater a miséria e reduzir a desigualdade social.

Mesmo assim, no inverno de 1921-1922, a fome matou mais de 5 milhões de pes soasem decorrência da situação política e administrativa caótica posterior à guerra civil de 1917, que destituiu o poder dos czares na Rússia e promoveu a socialização em massa da população e confisco dos meios de produção nacionais.

“Um camponês, criticando os bolcheviques, resumira o estado de espírito do povo: ‘a terra é nossa, mas o pão é vosso’; a água é nossa, mas o peixe é vosso’ e as florestas são nossas, mas a madeira é vossa”, escreve o historiador Daniel Aarão Reis Filho no livro URSS: O Socialismo Real (Editora Brasiliense).

Revoltas armadas que reuniam até 50 mil homens em áreas como a Ucrânia se insurgiram contra o novo regime, sendo combatidas a ferro e fogo pelo Exército Vermelho. Soado o alarme e atordoados com o isolamento e o perigo de fracasso da revolução, os bolcheviques trataram de desenvolver e começar a colocar em prática, ainda em 1921, a Nova Política Econômica (NEP).

Tratava-se de um ambicioso plano econômico e político, uma espécie de projeto de reconstrução nacional, coordenado pelo governo central e que seria gradualmente colocado em prática nos meses e anos seguintes. Internamente, o partido bolchevique, que ditava todos os rumos da sociedade, também passou por um intenso processo de centralização de poder e expurgo de alas dissidentes.

Os objetivos principais da NEP eram o crescimento da produção agrícola, reconquista de confiança dos camponeses, relativa liberdade no comércio e outras atividades econômicas e estabilidade política. Também houve incentivo à industrialização e criação de bancos populares de crédito para cooperativas e poupança da população.

No ano seguinte, a NEP se estendeu para áreas como a criação dos códigos Agrário, Civil e do Trabalho. No Congresso dos Sovietes, também chamado de Congresso dos Deputados do Povo e que reunia os principais líderes da nação, Lenin, Trotski e Josef Stálin aprovaram, no dia 30 de dezembro de 1922, o projeto político mais ambicioso da NEP e que nortearia os rumos da nação nas décadas seguintes: a reunião de todas as repúblicas que aderiram à Revolução de 1917 em torno do poder central de Moscou, com a formação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS ou CCCP, em russo).

A criação oficial da URSS seguia alguns tratados de união já assinados no ano anterior entre a Rússia com a Ucrânia e Bielorrúsia. No congresso de 1922, a União Soviética teve aprovada sua formação inicial com Rússia, Ucrânia e Bielorrússia. Muitos dos antigos territórios do antigo Império Russo não participaram da formação oficial, mas foram aderindo mais tarde.

Parte deles já era comandada pelo partido comunista russo, o que tornou a adesão oficial apenas uma formalidade. Em 1925, tornaram-se soviéticas as repúblicas do Uzbequistão e Turcomenistão. Em 1929, a do Tadjiquistão. Em 1936, as do Cazaquistão, Quirguistão, Geórgia, Azerbaijão e Armênia. Em 1940 foi a vez da Letônia, Estônia, Lituânia e Moldávia.

Ao longo do tempo, essas 14 nações tornaram-se, na prática, repúblicas-satélites da Rússia, fortemente controladas e governadas por Moscou, onde ficava a capital da URSS e toda a cúpula da burocracia estatal soviética.

Ditadura Stalinista

Com a morte de Lenin, em 1924, Stalinassume o cargo de secretário-geral da URSS (equivalente a presidente), após uma grande disputa política com Trotsky. O governo de Stalin foi o mais longo da União Soviética, entre 1924 e 1953. Foi o período de maior prosperidade econômica da URSS, mas também o de maior centralismo e autoritarismo político.

O líder soviético Josef Stalin / Crédito: Domínio Público via Wikimedia Commons

Nessa época surgiram os planos econômicos quinquenais, baseados na coletivização forçada da agricultura, na industrialização acelerada, com base na indústria pesada, e na utilização do terror político em larga escala.

“Em relação à indústria pesada, não se tratava apenas de reativar equipamentos, mas criar todo um setor ainda inexistente e que era essencial à revolução tecnológica no campo, à independência da URSS e à própria existência da revolução”, explica Aarão Reis Filho. Entre os novos setores estavam o químico, eletrotécnico, aeronáutico, automobilístico e construção de máquinas.

Os resultados positivos não demoraram a acontecer. Entre 1928 e 1939, a produção anual de carvão saltara de 35 para 146 milhões de toneladas; a de petróleo, de 12 para 32 milhões de toneladas; a de aço, de 4 para 17 milhões de toneladas e a de cimento, de 1,8 para 5,5 milhões de toneladas/ano. A produção de automóveis subiu de 7 mil para 200 mil unidades por ano; a de máquinas/ferramentas de 2 mil para 50 mil e a de tratores, de 1,3 mil para 51 mil.

“Em pouco mais de dez anos, a União Soviética passa a ser a terceira nação industrial do mundo e a segunda da Europa”, comenta. Ele reconhece, porém, que a indústria leve não acompanhou o mesmo ritmo, com crescimentos modestos em setores como lã, bens de consumo, sabão etc.

“O esforço concentrava-se na indústria pesada e nos grandes projetos: barragens, centrais elétricas, siderurgia e estra das de ferro, entre outras”, completa o autor, lembrando que o crescimento se dava à custa dos trabalhadores. Grande parte dos operários era paga de acordo com a produção e obrigados a atingirem metas de produção estabelecidas de forma arbitrária e, na maior parte das vezes, muito altas.

O custo político e social também foi bastante elevado: o período stalinista é considerado o mais autoritário, repressor e violento da história soviética. Trabalhadores rurais e urbanos que não cumprissem as condições do contrato de trabalho eram passíveis de dois a quatro meses de prisão. E a paralisação do trabalho poderia resultar em prisões superiores a um ano, com confisco de bens.

Por fim, de acordo com a gravidade da falta cometida, como promoção de insurreição operária e greves, a sentença poderia ser o fuzilamento. No campo intelectual, o controle sobre o ensino das Ciências Humanas e da História seria particularmente severo.

O partido considera-se a própria encarnação do movimento histórico e o intérprete privilegiado do presente e o do futuro”, diz Aarão Reis Filho.

Inúmeros intelectuais morreram nos campos e prisões soviéticas, livros de “dissidentes” foram banidos e retirados das bibliotecas e a imprensa era totalmente controlada pelo estado. Dados apontam que entre 7 e 12 milhões de pessoas tidas como “inimigas do povo”, apenas por discordarem do regime político ou de seus métodos, foram enviadas a campos de trabalhos forçados durante o stalinismo.

Os prisioneiros foram importantes para a execução dos planos quinquenais e o sucesso econômico soviético. Eles eram obrigados a trabalhar em condições degradantes na construção de ferrovias, canais, fábricas e barragens. Apenas os campos de Kolima, ao nordeste da Sibéria, receberam cerca de 3 milhões de prisioneiros para trabalharem na extração de ouro, estimada em 300 toneladas/ano, e de madeira para exportação.

O pesadelo de Hitler

A participação da URSS na Segunda Guerra Mundial foi fundamental para os países aliados derrotarem o nazismo. Em julho de 1941, o país foi invadido pelas tropas alemãs de Adolf Hitler e sofreu inúmeras derrotas nos primeiros meses.

Stalin, que havia deixado a nação desprotegida no começo da guerra, reverteu a situação apenas após a sangrenta Batalha de Stalingrado, em 1942, que resultou na morte de milhões de pessoas e soldados dos dois lados, mas marcou a contraofensiva do Exército Vermelho e definiu os rumos do conflito em favor dos aliados.

Após a guerra e nos anos seguintes, a URSS emerge como superpotência militar mundial. O conflito bélico daria início, nos anos seguintes, à Guerra Fria, em que URSS e EUA disputaram a hegemonia militar e geopolítica do planeta, estendendo suas influências aos países alinhados. De um lado, os EUA com a defesa dos ideais de liberdade política e econômica.

Do outro, a URSS em defesa do socialismo e a economia planificada. O símbolo dessa divisão era a cidade de Berlim, na Alemanha, dividida por um muro em duas partes – ocidental, capitalista sob influência dos EUA; e oriental, socialista, sob controle da URSS. “A URSS foi importante ao assumir o papel de oferecer uma alternativa ao modelo capitalista, por meio do socialismo”, explica Vanessa Braga Matijascic, professora de Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).

A opinião é compartilhada pelo professor Márcio Coimbra, coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília: “A influência do socialismo soviético em várias nações, desde Cuba passando pela Albânia, Polônia e outros países, acabou mudando o mapa geopolítico do mundo inteiro”.

A queda de braço entre soviéticos e norte-americanos durante a Guerra Fria provocou suspense no planeta em diversos momentos. O mais grave deles ocorreu durante a crise dos mísseis de Cuba, em 1962, episódio em que o mundo ficou mais próximo de um conflito nuclear total entre as duas superpotências militares.

A desistência da União Soviética em implantar uma base de mísseis em Cuba foi crucial para a resolução do mais grave incidente diplomático e que durou duas semanas. A decadência do império soviético começou durante o governo de Leonid Brejnev, que governou entre 1964 e 1982. Além da excessiva burocracia e ineficiência dos quadros administrativos, houve grande recuo da economia soviética a partir da década de 1970.

A falta de modernização e diversificação da economia estatal agravava o cenário, atenuado pelos altos preços do petróleo no mercado internacional. A exploração petrolífera era uma das principais bases de sustentação da economia soviética. A situação se agravou com a invasão do Afeganistão, em 1979, para tentar defender o governo socialista do país asiático. A guerra durou dez anos e custou bilhões de dólares aos já combalidos cofres russos.

Em 1986, um ano depois de Gorbatchev assumir o poder, o acidente nuclear na usina de Chernobylprovocou novo sangramento político e econômico. Nas ruas, a população começava discretamente a demonstrar sua insatisfação com o regime nas imensas filas de compras nos supermercados e outros locais públicos, mesmo sob os olhares atentos da KGB, o poderoso serviço de polícia secreta e de inteligência do Partido Comunista.

Mikhail Gorbachev, oitavo e último líder da União Soviética / Crédito: Getty Images

O atual presidente da Rússia, Vladimir Putin, foi um dos milhares de agentes formados nos quadros da KGB, criado em 1954 para garantir a estabilidade do regime. “O presidente Putin foi integrante da KGB. Seu notório conhecimento nesta área o colocou em contato com questões sensíveis do país e aguçou seu desejo por ocupar um papel de maior destaque e protagonismo na liderança política russa contemporânea”, explica Vanessa Braga.

Ao assumir o poder, em março de 1985, Gorbachev procurou reverter o caos econômico e salvar o império com amplas reformas políticas e econômicas, que foram chamadas de Glasnost (transparência política) e Perestroika (reconstrução econômica).

Enquanto a Perestroika tinha como objetivo um lento processo de abertura a investimentos e capitais privados, a Glasnost procurava reduzir o autoritarismo do estado, promover eleições mais livres e ampliar as liberdades individuais da população ao tolerar, inclusive, manifestações públicas contrárias ao regime.

Apesar das tentativas, os planos não deram certo e a URSS mergulhou em um caos econômico ao longo de cinco anos após Gorbachev assumir o poder. A carestia aumentou e, junto com ela, os protestos da população. Líderes como Boris Yeltsin, eleito presidente da Rússia em junho de 1991, começaram a se movimentar por maior autonomia política e econômica em seus territórios.

No plano externo, porém, o último líder soviético deu grandes passos ao promover a  reaproximação diplomática com os Estados Unidos, redução da corrida armamentista e o gradual encerramento da Guerra Fria. Em 1990, ganhou o Prêmio Nobel da Paz.

O declínio do gigante

Enquanto o mundo elogiava e reconhecia o papel do último secretário-geral do partido comunista, a situação interna se agravava. O casco do transatlântico soviético começou a rachar de vez com a proclamação de independência da Estônia, em agosto de 1991, criando um efeito cascata em todas as outras, que também anunciariam sua total independência.

No mesmo mês, Gorbachev sofreu um golpe de estado da linha dura do Partido Comunista, contrária às reformas e que culpavam o presidente pela bancarrota da União Soviética. O golpe durou poucos dias, mas o fim do império soviético, na época considerado o maior país do mundo em extensão territorial, com seus 22,4 milhões de quilômetros quadrados e 280 milhões de habitantes, estava selado.

Antes de anunciar sua renúncia, no dia de Natal de 1991, Gorbachev ainda teve o cuidado de transmitir os códigos do poderoso arsenal nuclear soviético ao presidente da Rússia, Boris Yeltsin.

Em seguida, telefonou ao então presidente dos EUA, George Bush, com quem tinha acertado uma série de acordos de redução de armas nucleares, para garantir que o “botão nuclear” estava em mãos seguras, mesmo com o colapso soviético. Ao telefone, afirmou ao colega norte-americano que ele poderia “passar uma noite de Natal tranquila.”