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Frank Farr: prisioneiro de um B-17

O aviador Frank Farr conta sua experiência na segunda Guerra mundial. Ferido em combate, ele caiu nas mãos dos nazistas e acabou solto por George Patton

Roberto Navarro Publicado em 01/11/2006, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

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Aventuras na História - Arquivo Aventuras
Aventuras na História - Arquivo Aventuras

O tenente Frank Farr alistou-se no Exército dos Estados Unidos em 1943, aos 19 anos de idade, e pouco mais de um ano depois já voava nos céus da Europa em plena Segunda Guerra Mundial. Era navegador de B-17 e suas missões consistiam em bombardear alvos nazistas na Alemanha, na França e em outras partes do continente ocupado. Ganhou experiência em combate e realizava somente incursões diurnas, consideradas as mais perigosas em função das constantes batalhas aéreas travadas com caças inimigos. Logo nas primeiras saídas, Farr foi ferido no pé por um estilhaço de metal, depois que seu avião acabou atingido pelo fogo da bateria antiaérea. O incidente afastou-o de combate por três semanas e mudou completamente seu jeito de encarar a guerra. Mas ele ainda veria mais. Na última missão, seu B-17 foi seriamente avariado e o único jeito de sair de lá com vida foi pulando de pára-quedas. Farr caiu em linhas inimigas e foi preso por soldados alemães, que o esperavam no solo. Levado a um campo de prisioneiros, acabou libertado pelas tropas de George Patton em 1945. Ele voltou para os Estados Unidos logo depois, mas descobriu que a guerra não chegara ao fim. Ela o acompanharia pelo resto da vida, como conta na entrevista a seguir.

Por que o senhor tornou-se aviador?

Fui voluntário e decidi ser aviador porque, alguns meses antes de me alistar, havia ido ao cinema e assistido a um filme em que o herói era o navegador de um avião. Desde minha infância sempre me interessei por mapas, e assim não foi difícil para que me visse como aquele navegador heróico.

Você e sua tripulação voavam sempre no mesmo avião?

Nós trocávamos de avião com muita freqüência, embora eu tenha realizado várias missões num mesmo bombardeiro, por simples coincidência. Nas 17 missões de combate das quais participei, voamos em dez aviões diferentes, ainda que fossem sempre os pesados B-17. Isso acontecia porque meu Grupo de Bombardeio tinha mais tripulantes do que o número de aviões disponíveis. Outro motivo é que, às vezes, alguns tripulantes recebiam folgas, e as outras tripulações tinham de usar os aviões que estavam em serviço.

Quantos aviões faziam parte de seu Grupo de Bombardeio?

Voávamos com um total de 37 aviões, divididos em três esquadrões – dois deles tinham 12 aviões e o outro, 13. Usávamos apenas os B-17, que eram considerados os melhores bombardeiros pesados em ação na Segunda Guerra para missões diurnas.

Como era seu trabalho no B-17?

Precisava saber onde estávamos a todo momento e calcular o horário de chegada a pontos predeterminados, além de traçar a rota que devíamos seguir e definir o curso para retornar à base com segurança. Para isso, usávamos mapas aeronáuticos e cartas de navegação, além de alguns instrumentos auxiliares que determinavam a velocidade do vento – uma informação indispensável para os cálculos de vôo.

Como foram suas primeiras experiências de combate?

Minha primeira missão foi atacar um alvo estratégico em Munique, no coração da Alemanha. Fiquei muito nervoso e excitado ao mesmo tempo. Não fomos atacados por nenhum avião inimigo, embora eu tenha visto alguns deles a distância. Havia muito fogo antiaéreo, mas nosso avião não chegou a ser atingido. Dois dias depois, bombardeamos uma base aérea alemã na França, a poucos quilômetros da cidade de Chartres. Essa missão foi bem diferente. Logo depois de lançarmos nossas bombas, fomos duramente alvejados pelo fogo antiaéreo, que vinha dos canhões de 88 milímetros. Os estilhaços fizeram uns 70 buracos em nosso avião, em torno da área central da fuselagem. Fui ferido quando um pedaço de metal com o dobro do tamanho de uma bala calibre 45 milímetros acertou meu pé. Fiquei fora de ação por quase três semanas, andando de muletas. O avião da esquadrilha que voava bem próximo de nossa asa esquerda foi derrubado, depois de ser atingido por um impacto direto. Posso garantir que, a partir daí, minhas impressões sobre combate mudaram completamente. Passei a voar sempre com muito medo, e isso me acompanhou durante toda a minha carreira. Meu sentimento era de pavor mesmo. E isso costumava acontecer com a maioria dos aviadores de combate.

Vocês eram escoltados por caças?

Nem sempre. Mas nas missões mais perigosas, que envolviam penetrações profundas, geralmente éramos alcançados por nossos caças na área próxima do alvo.

Quantos caças inimigos os artilheiros de seu B-17 conseguiram derrubar?

Fui atacado por caças inimigos uma única vez. Isso aconteceu exatamente na última missão, a 17ª, quando fui derrubado sobre a cidade alemã de Merseburg. Mais tarde, quando reencontrei meu piloto em terra, ele contou que os artilheiros de nosso avião disseram ter abatido entre três e cinco caças. Como não retornamos à base ao fim daquele dia, não houve como confirmar se isso era verdade.

Quais foram suas experiências mais memoráveis em combate?

Sem dúvida, a mais aterrorizante foi quando tive de saltar de nosso avião, que estava com os tanques de combustível das asas pegando fogo, atingidos pelos canhões de 20 milímetros dos caças alemães. Esta já era uma situação ruim, mas ficou ainda pior: quando saltei e acionei o mecanismo de abertura do pára-quedas, ele não abriu como deveria. Enquanto caía em queda livre, tive um ato reflexo e enfiei a mão na mochila, onde ficava o mecanismo de abertura. Depois de 5 mil metros de queda livre, consegui finalmente abrir o pára-quedas. Outra ocasião assustadora foi quando voamos numa missão para bombardear refinarias de petróleo sintético na região de Gelsenkirchen, localizada no vale do rio Ruhr, o centro industrial da Alemanha. Essa região era conhecida por nós como “Vale Alegre”, por causa da enorme concentração de artilharia antiaérea, que fazia os céus parecerem estar sempre iluminados por fogos de artifício. Em compensação, tive duas boas experiências. Numa delas, voava como veterano, já tendo realizado seis missões, mas os outros tripulantes que estavam comigo eram novatos – estrearam em combate naquele dia. Quando retornamos da missão, as condições de tempo na Inglaterra eram terríveis, com visibilidade bem reduzida. Naquela ocasião, eu usava um instrumento muito primitivo de auxílio à navegação, que chamávamos de “Gee” [gíria americana que nesse contexto significa algo como “puta merda”]. Apesar de esse instrumento ser bastante precário, consegui orientar o piloto até um ponto onde ele só precisava botar a cabeça para fora da cabine e olhar na direção do nariz do avião para ver, lá embaixo, a pista de pouso. A tripulação novata me cumprimentou euforicamente, como se eu fosse o melhor navegador do mundo. Em outra ocasião, ainda usando o mesmo aparelho, consegui corrigir o rumo de um esquadrão inteiro, que incluía vários grupos de bombardeiros, para impedir que sobrevoássemos uma região fortemente protegida por canhões antiaéreos inimigos, capazes de dizimar nossa esquadrilha.

Seu esquadrão de bombardeiros sofreu muitas baixas?

Entre novembro de 1942 e abril de 1945, perdemos um total de 197 aviões e mais de mil homens. Quase a metade desse contingente morreu em ação – os outros sobreviveram à queda de seus bombardeiros, mas foram considerados como “perdidos” porque viraram prisioneiros de guerra. Nesse período de quase dois anos e meio, meu esquadrão realizou ao todo 340 missões, embora eu só tenha participado de 17 ataques, até meu avião ser abatido e eu ser capturado pelos alemães.

Qual foi sua missão mais importante?

Em 2 de novembro de 1944, estive envolvido naquilo que os livros de História chamam de “batalha aérea de grandes proporções”. Por ironia, foi minha última missão. Naquele dia, bombardeamos refinarias de petróleo sintético em Merseburg, na Alemanha. Esse tipo de fábrica sempre foi cuidadosamente defendido pelos nazistas e, como era de se esperar, os caças inimigos nos atacaram com toda a força. Meu grupo naquela oportunidade contava com 37 aviões, dos quais 13 foram derrubados – no total, esses bombardeiros abatidos transportavam mais de cem tripulantes. Outros de nossos grupos também foram muito castigados. Por todo o céu, espalhavam-se aviões que caíam ou pedaços de fuselagem em chamas. Quando meu bombardeiro foi atingido e começou a cair, saltei assim que pude e, depois que meu pára-quedas finalmente abriu, fui capaz de ver a minha volta pedaços de metal incandescente despencando por todos os lados. Essa foi considerada pelos historiadores como a maior batalha aérea de toda a Segunda Guerra Mundial.

Conte mais sobre essa ocasião.

Os caças alemães estavam por todos os lados. Em sua maioria, eram do modelo Focke-Wulf 190, um avião formidável. Um deles acertou nossos tanques de combustível localizados nas asas do bombardeiro, e o fogo logo se intensificou. Abandonamos o avião e ele explodiu pouco depois que o piloto, o último a deixar o bombardeiro, conseguiu passar pela escotilha para fugas de emergência. Todos os tripulantes conseguiram sair antes que o B-17 se desintegrasse. Mas o pára-quedas do co-piloto pegou fogo e ele morreu. Pudemos ver enquanto ele despencava em direção ao solo com o equipamento em chamas. Eu caí de costas no chão e, antes mesmo que pudesse levantar, dois soldados alemães já estavam a meu lado, apontando seus fuzis. Fui capturado e levado a uma cidade próxima, onde encontrei mais uma centena de aviadores americanos, também presos após saltarem de seus aviões. No dia seguinte, fomos todos levados a um centro de interrogatório perto de Frankfurt. Depois, viramos prisioneiros de guerra.

E como foi libertado?

Quando o 3º Exército americano, sob comando do general Patton, avançou pelo sul da Alemanha, no início de 1945, seus soldados tomaram o campo de prisioneiros onde eu estava. Os guardas que nos vigiavam simplesmente fugiram diante da chegada dos americanos. Duas ou três semanas mais tarde, fomos levados para um campo de reabilitação na França, e de lá embarcamos num navio para os Estados Unidos. Nossos superiores deram-nos a opção de escolher entre uma semana de licença na Inglaterra ou uma semana em Paris antes da partida, mas a maioria preferiu embarcar direto para casa.